sábado, 7 de fevereiro de 2009

Revelação em pleno Baixo Gávea

Sara, como sempre foi a primeira a chegar ao Braseiro. Ela nem imaginava o que estava pra acontecer, muito menos que ela era o motivo do encontro. Em seguida, chegaram Ane, que fez questão de cumprimentar o garçom pelo nome e Lu, com uma tromba que mal cabia no rosto. O Transtorno das Pernas Inquietas da Lu estava gritante. Sara e Ane ignoraram a demonstração excessiva de nervosismo da prima e ficaram conversando sobre amenidades. Marjorie e eu fomos juntos de carro, mas entramos em momentos diferentes no restaurante para evitar o ciúme desnecessário das outras primas.

Adalberto: Meu quarteto fatal! Que bom revê-las!

Lu: Até que enfim você chegou. O meu salto agulha não ia aguentar mais meia-hora de ansiedade.

Adalberto: Sandália foi feita pra ser gasta.

Sara: Concordo. Eu, de vez em quando, gasto as minhas na cara do Oswaldo.

Lu: Sabe que você me deu uma ótima ideia?

Ane: Viu? Quando eu falo que a Sara não é tão bobinha quanto parece, vocês não acreditam em mim...

Lu: Por isso é que eu vou arrebentar a cara dessa vagabunda, com o que sobrou dessa sandália.

Marjorie: O que é isso, sua maluca?! Tá drogada?

Sara: Manda prender essa louca. Eu vou-me embora daqui.

Adalberto: Calma! Senta todo mundo! Não é possível que dessa vez a gente não conseguiu completar a marca de de quinze minutos sem uma discussão. Lu, que palhaçada é essa?

Lu: Essa sua priminha, aí, não presta.

Marjorie: Ok. Mas o que ela te fez?

Lu: Ela ficou com o Bruno e eu só soube disso ontem.

Sara fica assustada com a revelação.

Ane: Bruno? Qual Bruno?

Lu: O Bruno da Dias da Cruz.

Marjorie: Sara, você tá traindo o seu marido?

Sara: Eu, não.

Lu: Não foi agora, gente. Isso tem mais de quinze anos.

Marjorie: Ah, porra, então me dá licença que eu vou pedir um chope pra mim. Garçom!

Ane: Luís, o nome dele.

Marjorie: Garçom, um chope, por favor.

Adalberto: Dois.

Ane: Três.

Lu: Gente, vocês não vão levar mesmo a sério o motivo da minha raiva?

Adalberto: Não. Pede logo a tua e cala a boca.

Lu: Tá. Moço, traz um pra mim também.

Sara: Então, são quatro chopes e um Guaraná Antarctica Zero com duas pedrinhas de gelo e uma rodela de laranja, por favor.

Depois de várias cervejas e alguns poucos guaranás, as risadas tomaram conta da mesa. E o clima pesado foi pro saco. Ainda bem!

Ane: Cara, esse nosso encontro foi muito surreal.

Lu: Ah, fiquei uma arara quando soube que a Sara deu pro Bruno, depois que ele terminou comigo.

Marjorie: Há quinze anos!

Adalberto: Isso se chama ciúme póstumo.

Lu: Isso se chama falta de vergonha na cara, isso, sim!

Ane: Mas como é que você descobriu isso assim, do nada?

Lu: Eu encontrei com o Bruno, ontem, na fila do mercado. Ele teve o desbunde de me contar isso.

Ane: E aí?

Lu: Joguei uma penca de banana inteira na cara dele, quando ele me contou isso.

Marjorie: Antes a penca de banana do que o teu salto agulha, prima.

Ane: Concordo.

Adalberto: Vocês me matam de vergonha.

Lu: Vergonha é roubar e não poder carregar. O Bruno foi um cachorro safado, sem vergonha. E a Sara, uma galinha traíra, que não me contou essa sacanagem.

Marjorie: Ah, você vai me desculpar, mas não houve sacanagem de ninguém, prima. Você colocou o Bruno à disposição no mercado e a Sara nem esperou abrir licitação.

Sara: Foi uma coisa tão sem importância na minha vida...

Lu: Sem importância? Ele disse que batia na tua cara e tudo!

Sara: Mentira dele! Eu não gosto dessas coisas. Demorei meses pra chupar o Oswaldo, porque achava sexo oral coisa de puta.

Marjorie: Mas na cama, é de coisa de puta que eles gostam!

Sara: Ah, mas eu tenho muita vergonha.

Lu: Vergonha de que? Entre quatro paredes vale até usar o pus da espinha no lugar do KY, queridinha.

Ane: Ai, que nojo.

Lu: Na hora da necessidade ninguém pensa em nojo.

Marjorie: Isso é verdade. Na hora da fome, a gente traça qualquer coisa.

Adalberto: Humm, falando em fome, estou com uma invejinha branca do sanduíche de filé com queijo daquela mulher da mesa ali atrás.

Ane: Parece gostoso mesmo, mas só de olhar pra cara dela, o meu estômago embrulha.

Marjorie: Por quê? A mulher é linda!

Ane: Eu sei disso. Foi essa piranha que roubou o Marcelo de mim.

Sara: Isso, sim, eu acho sacanagem!

Lu: Eu ainda não amarrei a minha sandália. Fica à vontade para gastar um centímetro do meu salta agulha, arranhando a cara dela, amore.

Ane: Sabe que não é uma má ideia?

Marjorie: Faz assim, então: gasta meio centímetro de cada sandália da Lu, porque, se usar uma só, ela vai sair daqui mancando.

Lu: Não tem problema. Sandália a gente compra outra. Dignidade é que não tem por aí. Vá honrar as tuas calcinhas, prima.

Adalberto: Garçom.

Ane: Luís, o nome dele.

Adalberto: Garçom, um sanduíche de filé com queijo, por favor.

Lu: Eu não vou deixar a minha prima sozinha nessa, não.

Sara: Eu também, não. Se precisar, eu chamo a polícia.

Marjorie: Primo, eu vou atrás dessas loucas.

Adalberto: Vai, sim.

Eu na mesa estava, na mesa fiquei. Acho linda a união dessas minhas primas. Seja para festa de casamento ou para arranhar a cara de alguém, uma sempre pode contar com o salto agulha da outra.

Apresentação

Adalberto é um funcionário público insatisfeito, que sonha em se tornar um escritor renomado. O problema é que ele não consegue ter uma ideia boa, com princípio, meio, fim e coerência. Ane, Lu, Marjorie e Sara são suas primas e melhores amigas. O rapaz vive livrando-as das furadas em que se metem e, muitas vezes, vira vítima da própria boa vontade. Ele não é bonito, mas se acha o cara mais perfeito do mundo, de tanto que é elogiado pelas primas, que o amam, mas o fazem de gato e sapato. Como um bom leonino, Adalberto adora se sentir um reizinho, coisa que sempre acontece quando ele está com as primas. Talvez por isso, mesmo se metendo sempre nas furadas das suas primas, ele não abre mão de estar sempre com elas. Como ele não faz nada além de arquivar papel na repartição onde trabalha, ele vive inventando dores de barriga para sair do trabalho mais cedo e livrar suas primas de alguma situação desastrosa. Apesar de sempre reclamar com elas, que não pode ficar se ausentando sempre do serviço, ele até que gosta dos momentos em que passa com elas, sejam eles bons ou não. Ele mora no Recreio e vive "viajando" pela cidade com o seu carro para chegar até suas primas que moram em Del Castilho , Méier, Humaitá e Leblon. No passado, todos eram vizinhos no Méier e estudaram na mesma escola.

Lu é a mais libidinosa das primas. Só pensa em sexo e faz de tudo para alcançar esse objetivo. A moça mora em Derl Castilho e trabalha como depiladora num salão no NorteShopping, a poucos metros de onde mora. Ao falar, parece estar discutindo, devido a seus exagerados, gingado com o corpo e tom de voz acima do normal. Como uma boa aquariana, ela adora a sensação de liberdade. Com a chegada dos 30, assim como as primas Marjorie e Ane, sonha em encontrar o amor da vida, o que a faz parecer uma menina de 13 anos. Ela não acredita em príncipe encantado, mas acha que, com seu charme, pode encontrar um homem que a "liberte" de seu trabalho e banque todas as suas vaidades. 

Marjorie é a prima que deu certo na vida. Formada em moda, ela começou a brilhante carreira de empresária como designer de bolsas, assim que se formou. A primeira encomenda que recebeu, logo após a conclusão da faculdade, foi de seis bolsas para uma loja do Shopping RioSul. A ariana guerreira lembra com orgulho de ter escondido os mil reais que recebeu dentro do sapato, antes de pegar um ônibus para voltar para casa. Hoje, ela é dona de uma fábrica de bolsas e acessórios, que tem como clientes grifes caras. Graças ao sucesso na profissão, Jojô, como também é chamada pelos primos, mudou-se para um apartamento luxuoso no Leblon. Apesar de gostar das mordomias que o dinheiro lhe proporciona, e, às vezes, cometer certas extravagâncias, ela é a prima mais simples de todas. Marjorie não tem preconceito com nada ou quase nada. Fica fula da vida quando acha que está sendo enganada e costuma desligar o celular nos fins de semana para não ter que atender algumas clientes-pé-no-saco, que querem bolsas prontas para ontem.

Ane é a prima mais metida a besta de todas. Faz de tudo para ser estilosa, como a prima Marjorie, mas, na maioria das vezes, erra na aposta. Isso lhe confere uma falta de personalidade própria, que faz com que ela tenha crises de identidade, desequilíbrio emocional e seja bastante desastrada. A geminiana, de altos e baixos, adora mostrar que conhece certas figuras da nata da high society -- que saem sempre nas colunas sociais --, referindo-se a elas no diminutivo. Ela também acha bonito, por exemplo, chamar garçom pelo nome para mostrar que é boêmia de carteirinha. Adora sair paras festas e boates. No dia seguinte, é certo, como dois e dois são quatro, que ela vai acordar deprimida e sem vontade de viver. Sempre pensa em se matar. Trabalha na empresa de transportes executivos do pai, mas queria mesmo ser atriz. Tem humor sarcástico e toma Rivotril duas vezes ao dia: metade de um comprimido depois do almoço e um inteiro antes de dormir.

Sara é a mais recatada das primas. Vive uma vida muito tradicional. É daquelas que vai à missa todo domingo. Casou-se muito cedo com o Oswaldo -- que trabalha com comércio exterior e está sempre viajando -- e vive uma rotina nada emocionante de dona-de-casa. Não pensa em ter filhos, porque o seu médico disse que, caso ela engravide, poderá ter sérias complicações de saúde. Morre de ciúme do marido e vive fazendo chantagem emocional para que ele atenda a todas as suas vontades. Sente ciúmes em vê-lo ao lado da própria sombra e sempre acha que foi trocada por outra pessoa melhor. Ela condena as primas por ainda não ter se casado. São as únicas mulheres solteiras com que ela fala. O maior desejo dessa canceriana teimosa é de que todas as mulheres do mundo fossem comprometidas.