No domingo passado, tudo o que eu queria era dormir até segunda. Mas a Sara arruinou o meu projeto logo pela manhã, quando começou a ligar incessantemente para o meu celular. Só atendi na vigésima quinta vez que ela me ligou, porque fiquei preocupado. Pensei logo em besteira.
Sara: Adal, eu quero matar o Oswaldo.
Adalberto: Você me ligou só pra falar isso?
Sara: Primo, é sério. Você precisa vir aqui em casa agora pra me salvar.
Adalberto: Ah, eu? Pede pro Oswaldo. Ele casou com você só pros bons momentos? Não! Eu estava na igreja, e ouvi ele dizendo que era na alegria e na tristeza. Cobra dele aí.
Sara: Eu não estou disposta a olhar na cara do Oswaldo.
Adalberto: E eu não estou disposto a levantar da minha cama. Simples, né?
Sara: Adal, é sério, eu tenho um batismo pra ir em duas horas. Vou ser madrinha. Já quebrei a casa inteira no Oswaldo, não quero olhar na cara dele. Preciso que você passe naquela lojinha perto da casa da Ane, que a Marjorie adora, e compre um vestido branco com dourado.
Adalberto: É sério isso?
Sara: Muito! E urgente também. O Oswaldo fez o favor de comprar um azul e preto, e eu, inocente, só fui dar conta disso hoje, quando tirei o vestido da caixa. O pior é ver o Oswaldo com aquela cara de safado, rindo de mim, dizendo que o vestido é branco e dourado. Ai, que ódio! Varei tudo que vi pela frente em cima dele.
Adalberto: E os trigêmeos?
Sara: Estão de castigo.
Adalberto: Por quê?
Sara: Porque são uns mal educados. Vão fazer quatro anos, mas já ficam de deboche. Os três ficaram da palhaçada com o pai, falando que o meu vestido é, sim, branco e dourado. Botei de castigo! falei com eles: "ah,é branco e dourado? Então, vocês só saem do quarto quando ele ficar azul e preto". Acabei logo com a graça deles. Estão chorando os três lá no quarto. Acho que se assustaram com a quebradeira aqui em casa.
Adalberto: Sua maluca! Tou indo aí agora ficar com os meus afilhados.
Sara: Mas passa na loja antes e compra o meu vestido. Senão, você nem entra.
Comprei o cafona vestido branco e dourado com ódio mortal da Sara. Minha vontade era voar na jugular dela. Como é que pode deixar três crianças apavoradas dentro de um quarto, enquanto ela quebrava a casa inteira em cima do marido? Muita irresponsabilidade!
Cheguei na casa dela cuspindo fogo.
Adalberto: Toma essa porcaria e vai te embora pra esse batismo. Vou levar meus afilhados pra sair.
Sara: Desculpa, primo. Eu ando meio assim, porque acho que o Oswaldo anda fazendo essas coisas pra me desestabilizar, pra eu terminar com ele. Ele não deve ter coragem de pedir o divórcio e tá fazendo tudo pra eu tomar essa decisão.
Adalberto: Sara, desde o primeiro diz que vocês começaram a namorar, você acha que o Oswaldo não quer nada com você. E vocês ficaram noivos, casaram, tiveram três filhos e ele continua não te querendo? Como é que você aguenta viver com essa dúvida desde sempre?
Sara: Agora é diferente, primo. Olha aqui esse vestido.
Adalberto: Branco e dourado. Igual ao que eu comprei.
Sara: Como assim, Adal, até você vai ficar de palhaçada?
Adalberto: Não, tou falando sério. Gero, Lina e Liana, podem sair do castigo! A mãe de vocês tá maluca! É claro que isso aí é branco e dourado, Sara! Você tá daltônica?
Sara: Gente, não pode ser. Será? De qualquer forma, deixa eu passar o vestido que você comprou. Não precisava pedir pra embrulhar, primo.
E quando ela desembrulhou o vestido, eu tomei um susto.
Adalberto: Gente, mas esse vestido era branco e dourado.
Sara: Ué, mas ele é branco e dourado.
Adalberto: Óbvio que não! Azul e preto, tá cega?
Sara: Para de bobeira, Adal!
Adalberto: Eu tou falando sério. Crianças, Oswaldo, vêm aqui rapidinho, por favor!
E pra ira da Sara, todos estava enxergando vestido da mesma cor que eu.
Sara: O que é que foi? Que circo é esse que vocês estão armando?
Adalberto: Ninguém tá armando circo nenhum. A vendedora deve ter se enganado e, na hora de embrulhar, pegou o vestido de outra cliente. O fato é que esse vestido é azul e preto e o outro, sim, é branco... Não! É azul e preto também! Meu Deus, tem fantasma nessa casa. O vestido branco e dourado ficou azul e preto.
Oswaldo: Não, ele continua branco e dourado. O que você comprou, que era azul e preto é que também virou branco e dourado.
Sara: Para, gente! Agora, eu também tou vendo tudo azul e preto.
Adalberto: Gente, o vestido que eu comprei voltou a ser azul e preto. Crianças, voltem pro quarto de vocês agora!
Sara: Adal, o que tá acontecendo com a gente?
Oswaldo: Será que eu tou ficando maluco.
Adalberto: Vamos rezar! A gente precisa pedir pra esses espíritos do mal se afastarem daqui.
Sara: Adal, eu tenho um batizado agora. É do filho de uma amigona da época do Martins.
Adalberto: Esquece isso por ora.
Sara: Tá maluco? Eu preciso ir.
Oswaldo: Eu também vou. Você fica com as crianças?
Adalberto: Não! Ninguém sai!
A Sara ligou pra amiga, dizendo que estava com muita dor de barriga e sugerir de transferir o batismo pra outro dia. O problema é que o padrinho tinha vindo de Manaus só pra batizar o bebê e não ia poder retornar ao Rio até o fim do ano.
Foram todos pra casa da Sara e o batismo aconteceu na sala dela. Os convidados também se dividiram entre os que acharam que o vestido da Sara era branco e dourado e os que tinham a certeza que era azul e preto. O pior é que depois, como aconteceu comigo, eles mudavam de opinião e começava uma discussão. Teve gente que terminou casamento de anos, mãe deu na cara de filho, avó botou neto de castigo... Tudo porque ninguém chegava a um denominador comum. A cor certa, no caso...
Depois de batizar o bebê da amiga da Sara, o padre, que também já estava com a paciência esgotada, por causa do vestido da Sara e ao mesmo tempo bolado, passou incenso na casa inteira pra afastar aquele encosto que estava de palhaçada com a nossa cara.
Mas o vestido continuava mudando de cor. Era só eu ir ao banheiro e voltar, que ele já estava diferente.
Resolvi tirar uma foto da Sara - obviamente, tive o cuidado de cortar o pescoço dela pra evitar expor minha prima - e publiquei no meu Facebook com a pergunta: "É branco e dourado ou azul e preto?".
E o mundo entrou em guerra por causa disso.
sábado, 4 de abril de 2015
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