terça-feira, 23 de setembro de 2014

Ane faz escova progressiva e, logo em seguida, é vítima do falso desafio do balde de gelo

Eu estava cortando as minhas unhas do pé, quando a Ane entrou esbaforida na minha casa.

Ane: Primo, você precisa me salvar.

Adalberto: Ane, eu vou confiscar essa sua cópia da chave da minha casa. Eu fiz pra você e pras outras primas pra uma situação de emergência.

Ane: Mas é uma emergência. Você tá muito ocupado? Preciso só você pode me salvar.

Adalberto: Eu tou cortando a unha do pé, depois vou cortar da mão, limpar o ouvido, espremer cravo, cortar o cabelinho do nariz... Eu pedi um dia de folga lá no meu trabalho só pra isso.

Ane: Não. Então, para tudo. A minha necessidade é mais urgente.

Adalberto: Quem morreu?

Ane: Ninguém. Mas eu tou desesperada. O Robertlin acabou de me mandar o desafio do balde de gelo pelo Facebook, sendo que eu acabei de fazer a minha escova no salão que a Lu trabalha.

Adalberto: Ficou ótima. Nem tinha reparado.

Ane: E agora, primo?

Adalberto: Qual é questão? Não tou entendendo.

Ane: Eu preciso ficar sem lavar o cabelo por três dias pra escova pegar, mas eu não posso deixar de aceitar o desafio do balde de gelo. Imagina, eu comecei a sair com o cara há duas semanas... Se eu não fizer, ele vai achar que eu sou mí zura.

Adalberto: Faz daqui a três dias, some, diz que tá gripada, com enxaqueca, inventa alguma coisa.

Ane: Primo, eu não posso mentir pro cara, que eu acho que é o homem da minha vida.

Adalberto: Ane, essa papinho de novo, não. Lembra que você já deixou de fazer uma escova marroquina, por causa de um judeu, que no final das contas não valia nada? Não se prejudica por homem...

Ane: Esquece o passado, Adal. Eu não posso julgar o Robertlin pelos outros idiotas que eu conheci.

Adalberto: Ué, mas além dos idiotas, me diz um carinha bacana de verdade, pra casar que você tenha ficado.

Ane: Primo, a questão é a seguinte: eu tenho que encarar esse desafio e tem que ser hoje, porque o Robertlin vai depositar o dinheiro da doação amanhã. E dane-se a escova progressiva.

Adalberto: Ué, mas se você já estava decidida, por que veio me pedir opinião?

Ane: Eu não vim te pedir opinião. Só quero o teu apoio, a tua compreensão e que você me diga que existe um produto inovador, que regenera o cabelo de quem por um descuido lavou a cabeça logo após ter feito uma escova progressiva. 

Adalberto: O que mais que você quer? Um homem perfeito? Ah, esqueci que isso você já tem. Quer café? Por ora, é isso que eu posso te proporcionar. Fiz mais cedo. Ainda deve estar quentinho, quer?

Ane: Não, brigada. Me arruma um balde com água e gelo, por favor.

Adalberto: Você é uma pobre coitada mesmo, Ane. Só falando assim. Vou misturar com água sanitária pra te deixar logo toda estragada.

Ane: Não faça isso!

Adalberto: Você acha que eu vou fazer isso? Só a água gelada já vai fazer um estrago suficiente. Não quero nem ver.

O pior é que eu nunca lembro de encher as forminhas de gelo. E não tinha uma garrafa de água gelada na geladeira. Tive que ir no posto de gasolina comprar gelo. Que raiva. Essa caridade da Ane já estava me dando trabalho.

Adalberto: Pronto, tá aqui o gelo. Pega água lá na bica, enche o balde e vai fazer essa palhaçada lá no banheiro. Não vem inventar de molhar minha casa, não. Respeito a causa, mas vai fazer isso dentro do box.

Ane: Tá bom. Você pode gravar pra mim, primo?

Adalberto: O meu banheiro é minúsculo. Não cabe eu e você lá. Pendura o celular na porta e deixa ele filmando. Depois, você corta.

Ane: Beleza. Me deseja boa sorte.

Adalberto: Boa sorte.

Voltei a corta as minhas unhas do pé, porque esse é o tipo de caridade que ninguém faz por mim. Mas da sala, ou via tudo que a Ane falava.

Ane: Bom, eu fui desafiada pelo meu amor Robertlin. E eu aceitei o desafio do balde de gelo. Eu fiz uma escova progressiva hoje, tinha que ficar sem lavar o cabelo por três dias, mas como o meu bebezão vai depositar o dinheiro amanhã, a vaidade vai ficar em segundo plano. Amor, isso é porque eu te amo muito.

Pelo grito que ela deu, a água devia estar padrão Polo Norte.

Ane: Agora, eu desafio as minhas primas Lu, Sara, Marjorie e o meu primo Adalberto a fazerem o mesmo.

Na hora, me subiu um sangue tão quente que não aguentei nem esperar ela terminar a gravação.

Ane: Primos queridos, espero que vocês...

Adalberto: Ane, sua retardada, abre essa porta. Tá maluca, comeu banana verde? Eu não vou fazer desafio de balde de gelo nenhum. Eu já ajudo um monte de parente, que me pede as coisas. Não tenho mais dinheiro pra ajudar ninguém. Aliás, era isso que você tinha que fazer: ajudar quem tá perto. Não ir na onda dessas modinhas. Eu já comprei o gelo do meu bolso pra você fazer essa palhaçada. Isso já foi a minha ajuda. E eu vou ligar agora pra Marjorie, pra Lu e pra Sara pra falar dessa tua presepada. 

Só se ouvia o choro da Ane. Não sei se era por causa do cabelo, porque eu estraguei a gravação dela ou porque ela tudo se faz de vítima mesmo.

Mas o melhor foi que, quando peguei o meu celular pra ligar pras meninas, tinha um Whatsapp bombástico da Lu, mandando eu ligar a televisão. Estavam transmitindo ao vivo a prisão de uma quadrilha que conseguia dinheiro de inocentes, por meio de caridade. E detalhe: o Robertlin era o chefe do bando.

Adalberto: Ane, corre aqui! 

Ane: Não fala mais comigo! Você morreu pra mim!

Adalberto: Vem ver o Robertlin! Ele tá aqui.

Em um segundo ela chegou na sala. Ficou passada com o que viu e com uma cara de Madalena arrependida.

Ane: Ele não vale nada essa cachorro.

Adalberto: Viu? Eu te preveni... 

Ane: E agora, primo?

Adalberto: Agora? Chora porque você motivo de verdade. Mas chora aqui no meu ombro, porque eu te amo e tou com você pro que precisar.

Tomara que, dessa vez, ela aprende.