sábado, 9 de fevereiro de 2013

Festa surpresa, em pleno carnaval, vira o samba do crioulo doido

Ontem, foi aniversário do meu pai e, um dia antes, eu sugeri para as primas de fazermos uma festa surpresa para ele no meu apartamento.

Lu: Ih, estou fora.

Ane: Ah, primo, eu queria ir para um bloco de carnaval.

Sara: As nossas festas surpresa nunca dão certo.

Marjorie: Eu fui convidada para um camarote na Bahia. Ia para lá amanhã.

Nada do que elas falaram pesou mais do que a minha chantagem emocional. E, ontem, estávamos todos aqui arrumando as coisas da festa.

Sara: Olha, eu virei a noite fazendo bolo doce, bolo salgado, salgadinho, docinho... Não consigo fazer nada com os trigêmeos acordados. Estou morta. O tio Beto vai ficar me devendo essa.

Lu: E eu virei a noite com o vocalista do Samba Molecada. Nem queria mais ficar com aquele cara. Tudo por um show de graça.

Adalberto: O meu pai adora o Samba Molecada, vai ficar muito feliz. Obrigado, prima. Aliás, obrigado a todas.

Ane: Ah, bom, porque eu também virei a noite, procurando foto antiga e decorando o apartamento para a festa.

Marjorie: E eu virei a minha conta bancária de cabeça para baixo, para comprar esse cordão para ele. Olha, gente.

Adalberto: Jojô, que cordão lindo. Meu pai adora cordão de ouro. E esse deve ter a soma das nossas idades em quilates.

O Marjorie riu e eu percebi que tinha falado a maior burrice dos últimos tempos.

Adalberto: Não ri. Eu não compro ouro como quem comprar arroz e feijão para botar na dispensa de casa.

A bem da verdade é que eu não fazia a mínima ideia de até quantos quilates poderia ter uma peça de ouro.

Marjorie: Garoto, o ouro puro tem vinte e quatro quilates.

Adalberto: Obrigado, professora.

Ane: Esse cordão é de ouro puro?

Marjorie: É.

Sara: Ele é lindo, prima.

A campainha tocou. Eram os integrantes do Samba Molecada.

Depois que eles terminaram de montar os equipamentos e se posicionaram, eu tive dúvidas sobre se ainda caberia mais alguém na minha sala.

Lu: Gente, agora não falta mais nada. Vamos ligar para o tio Beto?

Marjorie: Adal, é com você.

Liguei e ele não atendeu. Tentei de novo e, quando o meu pai disse "alô" com um samba gritando ao fundo, eu gelei. Como eu pude me esquecer que ele ia ver os desfile do Grupo de Acesso no Sambódromo?

Cancelei a ligação e simulei uma conversa com o meu pai. Fiz todo um drama.

Adalberto: O quê? Eu não estou acreditando nisso. Pai, que coisa horrível! Não, nem vem aqui. Pode ser arriscado. Se o médico disse repouso, o senhor tem que repousar. Nossa, eu estou aqui imaginando o susto que foi. E minha mãe? Imagino, coitada. Olha, agora sou eu é que não quero que vocês venham. Eu estou ligando só para te desejar parabéns... Em meu nome e em nome das primas. Elas estão todas aqui. Não, vieram aqui só para a gente bater papo mesmo e tomar uma cervejinha. Nada demais. Vai lá, descansa, sim. Te amo. E se cuida, hein. Nada de sair de casa amanhã também. Beijo.

As primas estavam fizeram caras de preocupadíssimas durante a minha "conversa"com o meu pai. Isso era um bom indício.

Marjorie: O que é que houve com o tio Beto?

Adalberto: Foi assaltado, reagiu, o assalto virou um sequestro relâmpago, ele ficou em cárcere privado e só chegou em casa agora.

Sara: E a tia Neide?

Adalberto: Estava com ele. Não está conseguindo nem falar, assustadíssima.

Marjorie: Adal, vamos lá na casa deles agora.

Ane: Lógico.

Adalberto: Gente, não! O Samba Molecada está aqui. A gente não pode deixar eles aqui em casa sozinhos.

Lu: A gente cancela esse show. Eu não paguei por isso mesmo.

Sara: É, Adal, vamos lá.

Adalberto: Não. Meninas, o meu pai já está dormindo a essa hora. Eles ligaram para o médico, que disse que eles devem ficar em repouso absoluto.

Lu: Que mané repouso absoluto? Eu vou lá ver os meus tios e eu quero ver um médico me impedir.

Adalberto: Lu, a minha mãe não quer ninguém lá em casa. O meu pai disse. Por ele, a gente até ia lá agora, mas a minha mãe não quer. Vocês sabem como é a minha mãe. Ela não vai gostar nada se a gente for lá, sem ela querer receber visita.

Marjorie: É, gente, vamos amanhã, então.

Lu: Está bem. A gente dorme aqui e, quando a gente acordar, já mete o pé para lá.

Adalberto: Boa.

Ane: E o que a gente faz com essa festa montada para o tio Beto? Cancela?

Sara: Eu não tenho espaço em casa para guardar as coisas que eu fiz, não. E tem coisa ali que estraga, se ficar muito tempo fora de geladeira.

Adalberto: Gente, vamos convidar alguém que faça aniversário hoje.

Marjorie: Como assim, garoto?

Sara: Está maluco, Adal?

Lu: Vamos fazer a nossa festa, então. Nada de chamar alguém para cá, para se aproveitar da festa que a gente montou para o meu tio.

Ane: É, também acho.

Adalberto: Meninas, sejam espertas. Vamos chamar alguém influente, da grana, que vai querer retribuir a surpresa para a gente, dar um presente bom nos nossos aniversários, convidar a gente para um camarote incrível no carnaval do ano que vem, pagar uma viagem dos sonhos para a gente...

Ane: Boa ideia, primo.

Eu sabia que a Ane não ia me decepcionar.

Sara: Chamar alguém aqui só para isso?

Adalberto: Só para isso? Sara, pensa alto. Já que o meu pai não pode vir, vamos transformar essa festa numa moeda de troca. Pensa alto. Você tem três filhos pequenos. O que você tem vontade de dar para eles que o dinheiro não permite?

Lu: Sabe que eu já estou começando a achar isso uma boa ideia?

Sara: Ah, por mim, vocês fazem o que quiserem.

Adalberto: A gente precisa, agora, olhar no Facebook quem faz aniversário hoje.

Lu: Eu vou olhar no meu.

Adalberto: Lu, o seu, não. A gente sabe que a única pessoa aqui, que conhece gente que tem bala é a Marjorie.

Marjorie: Ah, não.

Ane: Eu já fiquei com um carinha que é dono de um lava a jato. Acho que ele faz aniversário hoje.

Adalberto: Ane, o dono de um lava a jato não pode fazer nada por nós, além de dar uma geral nos nossos carros. É para pensar alto. Jojô, ajuda a gente.

Marjorie: Adal, eu não vou usar os meus amigos para ter algum retorno.

Adalberto: Não usa um amigo, usa um cliente. Cliente não é amigo. Cliente a gente finge que é amigo.

Marjorie: Cara, sabe que você me deu uma ideia. O Carlandro Moneró está para fechar com a minha fábrica uma coleção de bolsas.

Ane: Ele é o quê?

Marjorie: Dono de uma rede de lojas.

Adalberto: E o aniversário dele é hoje?

Marjorie: É. Hoje não é dia nove?

Adalberto: Não! Hoje é dia oito, aniversário do meu pai, esqueceu?

Marjorie: Putz, é mesmo. O do Carlandro é amanhã.

Adalberto: Não tem problema. A gente liga para ele às onze e chama ele para cá. Até ele chegar aqui, já vai ser meia-noite. Ele vai ficar eternamente grato a você e vai fechar com você uma coleção de bolsas, vai fechar com uma agência de viagens as nossas passagens para o Taiti, vai fechar o trânsito para a gente passar e muito mais!

Às onze em ponto a Marjorie ligou para o Carlando Moneró. O cara estava acordado e aceitou na boa. O nosso plano estava indo muito bem.

Quando ele chegou, fizemos coro de parabéns com o grupo Samba Molecada. O Carlando caiu aos prantos de emoção e eu tive a certeza de que marcamos um baita gol.

Adalberto: Querido, esse é o nosso presentinho para você! Meus parabéns!

Dei o cordão de ouro puro, que a Marjorie tinha comprado para o meu pai.

Adalberto: Olha, a Marjorie fala muito bem de você. Tão bem que a gente resolveu preparar essa festinha surpresa especialmente para você.

Carlandro: Obrigado, Marjorie. Não precisava disso tudo. Até grupo de samba. Deixa eu te dar um beijo.

E depois que ele cumprimentou todas as primas, veio a bomba.

Ane: Gostou mesmo, Carlando?

Carlandro: Gostei e queria muito poder retribuir isso a vocês.

Lu: Mas você pode retribuir, fica à vontade.

Sara: Eu tenho que te apresentar os meus trigêmeos. Eles são lindos.

Adalberto: Carlandrão, relaxa. Nada que uma viagem maneira não resolva. E você ainda pode vir com a gente.

Carlandro: Vocês não sabem o que aconteceu comigo.

Marjorie: O quê?

Carlandro: Eu perdi a sociedade lá da grife. A minha ex-mulher me denunciou para a Polícia. Eu prefiro nem entrar muito em detalhes. O fato é que eu não sou mais dono de nada. Não tenho mais nada. Só dívidas para pagar.

Marjorie: Mentira.

Carlando: Sério. Por isso que eu não te liguei. Eu queria fechar com você aquela coleção de bolsas, mas não vai mais rolar. O meu sócio cancelou todos os contratos que eu tinha fechado e disse que não vai fazer mais nada com os meus fornecedores.

Marjorie: Me ferrei nessa.

Carlandro: Eu nem posso ficar muito tempo aqui. Amanhã, tenho mudança para fazer. Estou vendendo o meu apartamento para quitar umas dívidas. Eu estou cheio de dívidas. Se vocês não se importarem, eu vou vender esse cordão de ouro para me ajudar a pagar umas outras contas pendentes.

Adalberto: Claro que me importo. Aliás, me dá aqui esse cordão. Ele já tem dono.

Lu: Queridão, foi muito bom te conhecer, mas acho que está mesmo na hora de você ir embora.

Ane: É, vai nessa, Carlandro.

Sara: Tchau, muito prazer.

Marjorie: Beijo, Cacá. Boa sorte. E se precisar de alguma coisa...

E depois que ele fechou a porta ela completou.

Marjorie: Não conte comigo!

A festa recomeçou e o samba voltou a comer solto. Por volta das sete horas da manhã, ainda estávamos de pé. O Samba Molecada já tinha parado de tocar há horas, mas a cerveja parecia nunca acabar.

A campainha tocou novamente. E, para a minha surpresa, era o meu pai com a minha mãe. Puxei um parabéns e, enquanto as primas cantavam, disse ao pé do ouvido dele que montamos uma festa para quando ele chegasse do desfile, mas a fome era tanta, que não conseguimos esperar.

A minha mãe ouviu.

Neide: Vocês deviam ter esperado.

Adalberto (pai): Tudo bem. Tem alguma coisa para eu comer? Estou morrendo de fome.

Não tinha mais uma única coxinha para contar a história.

Adalberto: Tem lasanha congelada. Serve?

Adalberto (pai): Claro.

Adalberto: As coisas, que a Sara fez para a festa, acabaram todas.

Adalberto (pai): Não tem problema, meu filho. O que vale é a intenção.

Adalberto: Que bom. Toma aqui esse cordão de ouro, que a gente comprou para o senhor.

E, no fim da contas, deu tudo certo.

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