quinta-feira, 17 de março de 2011

O dia em que a realidade não passou de um sonho

Todo mundo que me conhece sabe que eu morro de medo de fantasma e de qualquer coisa, relacionada ao transcendentalismo, mas a Ane não me poupou de conhecer a família assustadora do Faradi no sábado:

Ane: Ele disse que precisava falar com você também.

Adalberto: Mas eu tenho medo dele. Ele é meio estranho, sombrio.

Ane: Adal, acelera esse carro, senão a gente nunca vai chegar na casa dele.

Quem dera se isso fosse possível...

Uma hora e meia depois:

Adalberto: Chegamos. Medo!

Ane: Ai, garoto, para de bobeira.

Adalberto: Para de bobeira... Isso aqui é o fim do mundo. Olha a casa dele! Que coisa mais medonha. Não dá pra ver nem onde é o portão.

Era muito estranha mesmo a casa do Faradi. Toda decorada com plantas mortas. Depois de alguns minuto, tentando decifrar onde ficava o portão, ouvimos uma voz, que, provavelmente, saiu de um recôndito interfone:

Voz: Entrem!

Adalberto: É com a gente isso?

Ane: Cala a boca! Oi. A gente veio falar com o Faradi. Ele tá aí?

Voz: Entrem.

Adalberto: Cagou pro que você falou.

Ane: Cala a boca, Adal! Por favor!

Voz: Entrem!

Ane: Onde que é a porta?

De repente, parte de folhagem se recuou e um vão se abriu.

Voz: Entrem!

Ane: Acho que é por ali. Vamos?

Adalberto: Tô com medo.

Ane: Anda, garoto, vem.

Entrar naquela casa não era um boa ideia, mas ficar do lado de fora sozinho poderia ser ainda pior. Entramos. Conforme íamos pisando, as plantas iam se recuando e abrindo caminho até que chegamos num cômodo que eu não sabia exatamente o que era. Parecia uma copa, se não fosse uma fonte de água cinza, que corria de uma pilastra e seguia para um lugar, que as plantas escondiam. De repente ouvimos uma voz de criança ao longe:

Dariá: Mamãe, mamãe, hoje eu acordei morta.

Gorema: De novo, Dariá?! Você só tem sete anos e já morreu quatro vezes. O mesmo número de vezes que o seu pai, que é bem mais velho do que você. Vou te botar de castigo numa encruzilhada.

Dariá: Não, mamãe! Não, mamãe, por favor. A culpa e da tia Tamanga.

Gorema: A sua tia já morreu há três anos.

Daria: Mas ela puxa meu pé toda noite. Eu fico assustada e... Morro.

Gorema: Vou acender uma vela preta pra sua tia.

Daria: Manda ela pra bem longe, mamãe.

Gorema: Tá bom. Agora, vamos tomar o Felianus homogatus.

Daria: Não quero, mãe. Esse sangue é muito ruim.

E assim, descobri que, daquela fonte de água cinza, não saía água cinza. Aquilo era sangue.

Adalberto: Ouço passos. Acho que elas estão vindo pra cá.

Ane: Fecha essa boca!

Gorema: Olá. Quem são vocês?

Ane: Oi. Eu sou a Ane, namorada do Faradi.

Gorema: Muito prazer, Gorema. Sou irmã dele. Essa aqui é minha filha, Dariá.

Ane: Esse é meu primo, Adalberto.

Acenei de longe. Com medo. Muito medo.

Gorema: Ele já veio falar com vocês?

Ane: Não. Uma voz mandou a gente entrar, mas eu não faço ideia quem era.

Gorema: Ah, é a Voz.

Adalberto: Mas de quem era a voz?

Gorema: Não sei. Essa, o meu irmão arrancou de um morador de rua lá de Minas.

Adalberto: Ah, tá.

Queria chorar de medo. E, pela cara da Ane, ela estava se segurando pra não fazer o mesmo.

A Bruxa Gorema (maneira como eu e Ane passamos a nos referir a ela, depois que esse pesadelo passou) encheu um copo com o tal sangue cinza e deu pra menininha beber. Assustador.

Gorema: Quatro goles. Anda! Ou quer morrer de vez?

A cara de nojo que a menina fazia, enquanto bebia o tal sangue, me dava pena.

Gorema: Agora, vai chamar seu tio. Diz que a namorada e o primo dela já estão aqui pra fazer a conversão.

Ane: Conversão?

Gorema: Ele não falou com vocês?

Adalberto: Não.

Gorema: Parece que vocês também são originários da epécie Felianus homogatus.

Ane: Â?

Gorema: Só precisam fazer a conversão pra adquirir as sete vidas e fazer parte da nossa confraria.

Adalberto: Como assim? Eu sou filho da minha mãe e do meu pai. Não tenho nada a ver com gato.

Ela deu uma risadinha sarcástica. E isso me arrepiou todo.

Gorema: Bom, dá licença. Vou me deitar. Essa noite é o meu plantão no Vale da Morte.

E quando ficamos sozinhos:

Adalberto: Ane, vambora desse lugar agora!

A Ane não teve nem tempo de concordar. Puxei ela pelo braço e corremos para fora daquele lugar. Mas, diferente, do caminho que nos levaria para o portão, as plantas abriram uma trilha, que nos levou até uma floresta cheia de gatos gigantes. Tudo naquele lugar era imenso e nós parecíamos miniaturas.

Ane: Adal, aquele gato gigante tá vindo na nossa direção.

Adalberto: Vamos correr!

Corremos pra dentro de de uma mata. O gato monstruoso chegou bem próximo de nós, mas não conseguiu nos ver. Ele cheirou o local onde nós estávamos, mas, pra nossa sorte, não nos achou e saiu. Ufa!

Adalberto: Vambora daqui!

Ane: Adal!

Adalberto: O quê?

Ane: Meu pé!

Caralho, a planta se mexia e estava segurando a Ane pelo pé.

Ane: Tira esse negócio daqui!

Adalberto: Calma!

A planta maldita despertou em mim uma força, que nem eu sabia que tinha. Consegui arrancar a Ane de primeira.

Adalberto: Agora, vambora daqui.

Ane: Eu tô cansada.

Adalberto: Deixa pra descansar depois. Corre!

Acabamos chamando a atenção de vários gatos gigantes. Eles deviam estar com muita fome, porque se empurravam pra tentar nos alcançar. Algumas plantas ainda tentaram agarrar o pé da Ane, mas nós estávamos tão rápidos que elas não conseguiam prendê-la.

Não sei por quê, mas nenhuma planta ousou a me segurar. Por que será que as plantas não queriam nada comigo?

Bom, depois de mais ou menos uns cinco minutos de corrida, a Ane resolveu falar a maior merda da vida dela.

Ane: Adal, eu não aguento mais. Quero que esse chão se abra pra eu me enterrar aqui.

De repente, o chão onde nós estávamos começou a se abrir e, apesar da nossa tentativa em fugir do buraco, fomos abduzidos. Foi nessa hora que, finalmente, apareceu o Faradi. Ele estava na beira do buraco e ficou assistindo a nossa queda. E rindo. Ele ria muito mesmo.

Caímos dentro de um lugar que parecia não ter fundo. E só tínhamos noção de que estávamos longe da superfície, por que a risada do Faradi foi ficando difícil de ser ouvida. Subitamente, apareceu uma coluna no meio do buraco. Eu fui puxado prum lado e a Ane, pro outro. O desespero só aumentou.

Quando já não tinha mais voz pra gritar, caí sobre minha cama. Estava tão cansado, fraco e tonto que não aguentei levantar. Acabei dormindo e, acho que muitas horas depois, acordei com o telefone tocando:

Ane: Adal, tive um pesadelo horrível com você.

Adalberto: Eu também tive um bizarro com você.

Ane: A gente foi visitar a família de um namorado meu. Conhecemos uma irmã dele, uma bruxa, que dava sangue cinza pra filha beber. Era num lugar estranho, onde as plantas secas abriam caminho, a campainha era a voz roubada de alguém...

Adalberto: Ane, o meu pesadelo também foi assim. A gente fugia prum lugar, que dava numa floresta gigante com gatos enormes. Nos escondemos atrás de uma mata, a planta segurou você pelo pé...

Ane: Caímos num buraco...

Adalberto: Você pediu pro chão se abrir! A culpa foi sua.

Ane: Isso. Uma coluna surgiu no meio do buraco...

Adalberto: Eu caí prum lado e você, pro outro.

Demos uma gruto juntos! Era muita coincidência.

Ane: Adal, será que isso aconteceu de verdade?

Adalberto: Não sei. Tô assustado. Nunca tive o mesmo pesadelo que outra pessoa. Quero voltar a dormir.

Ane: Não! É melhor não dormir mais. Nunca mais!

Adalberto: Tá maluca? E o que eu vou fazer quando stiver cansado?

Ane: Então, me avisa quando você for dormir?

Adalberto: Por quê?

Ane: Pra eu ficar acordada. Pelo menos por esses dias.

Adalberto: Tá. Aviso, sim.

Mó mentira. Não avisei porra nenhuma. Desliguei meu celular, meu telefone de casa e dormi tranquilamente. A Ane deve ter ficado desesperada, tadinha, mas não tem a menor possibilidade de eu ficar ligando pruma pessoa toda hora que eu for dormir. Assim, eu perco até o sono.

Hoje, que eu tô de folga do trabalho, e achava que ia dormir até tarde, fui acordado pela campainha. Com certeza é o zelador, querendo que eu tire o carro da minha vaga, porque vão cortar uma árvore ou limpar alguma parte externa do prédio.

Quando abri a porta:

Adalberto: Ane!

Ane: Oi, Adal. Esse aqui é o Faradi. Amor, esse é o furão, que não quis ir comigo na sua casa no sábado.

Faradi: Não tem problema, a gente touxe uma bebida gostosa pra você experimentar. Foi minha irmã que mandou.

Adalberto: É cinza?

Ane: Que cinza? á maluco, garoto?

Estava! Acho que estava, sim. Só podia estar. Não sabia mais o que era sonho ou realidade. A Ane me confundiu totalmente. Será que não era ela no telefone comigo, quando eu acordei? Será que eu acordei? E aquele lugar esquisito? E a Bruxa Gorema? Aqueles gatos gigantes?

Precisava dormir. Não! Dormir, não! Nunca mais!

Adalberto: Olha, eu vou ao psiquiatra! Tô precisando. Vocês podem ficar aqui. Tem pão de queijo no congelador e Guaraná Antarctica Zero na geladeira. Fiquem à vontade. Tchau!

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