segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Quando um megahair vira um megaproblema

Nos reunimos, na sexta-feira passada, na casa da Marjorie para celebrar o novo cabelo da Lu. Para as primas, qualquer coisa que aconteça na vida delas é um motivo para um encontro regado à cachaça, inclusive a colocação de um megahair. As opiniões divergiam.

Sara: Eu gostei. Mas não teria coragem de fazer o mesmo. Sei lá, quando a gente já vai ficando mais velha, o comprimento do nosso cabelo tem que ir diminuindo.

Ane: Eu adorei, amei! Ficou lindo.

Marjorie: Prima, eu não gostei. Acho você linda com o seu cabelo natural. Não precisava aumentar de volume e tamanho.

Adalberto: Eu também ainda não tenho uma opinião formada, mas acho que, se você está feliz, é isso que importa.

Lu: Posso falar? O carinha que eu estou ficando, o Gladsnelson, que pagou.

Ane: Jura?

Lu: Garota, ele é louco por mulher com cabelão. Isso aqui custou o olho da cara. Mas como foi ele que pagou, eu não estou nem aí.

Marjorie: Aí, você colocou o cabelão só porque ele pediu?

Lu: Foi. É ele que está me pegando. Fora que o cara tem bala, gente. Eu não estou acreditando nisso. Eu tirei a sorte grande. O Glad estava fazendo mistério, mas ontem, depois de duas semanas que a gente está ficando, ele me convidou para um churrasco amanhã na cobertura dele na Vieira Souto, para tudo!

Ane: Eu quero ir.

Lu: Lógico que você vai. Aliás, vocês quatro vão. Esse churrasco é para ele me apresentar à família. Deve ser um povo chique.

Sara: Ou metido, né? Esse pessoal da Zona Sul é tudo metido.

Marjorie: Que metido? Eu moro no Leblon e sou metida? Ser metido, além de ridículo, ficou totalmente cafona. Hoje em dia, só quem é pobre de espírito que é metido a rico, prima.

Adalberto: Concordo.

Lu: Eu acho que eles não são metidos, não. O Glad, pelo menos, é muito simples. Isso deve ser coisa de criação. Os pais dele devem ter educado ele assim.

Sara: Foi ele que disse para você convidar a sua família?

Lu: Não. Mas eu dei pinta de moça de família e disse que gostaria de aproveitar a ocasião para apresentar os meus primos para ele. Ele adorou a ideia.

Ane: E eu mais ainda. Será que ele não tem nenhum priminho para me apresentar, não?

Lu: Não sei, prima, fiquei sem graça de perguntar. Mas vai bem gata. Vai que...

Ane: Me ajuda a escolher roupa? Acho que vou ao shopping comprar alguma coisa. Eu não tenho nada.

Adalberto: Ah, eu não acredito. Toda mulher nunca tem roupa, quando tem que sair. O que acontece com as roupas de vocês nessas horas? Elas saem correndo, se escondem na gaveta das meias?

Lu: Cala a boca, garoto. Prima, eu não vou poder ir com você, porque tenho que benzer meu cabelo. A Juliana Paes falou no Faustão, que as atrizes, que botam cabelo, fazem isso.

Marjorie: Deve ser para tirar a energia da pessoa, que foi, originalmente, a dona do cabelo.

Lu: É isso mesmo. Eu não acredito muito nessas coisas, não. Se eu paguei, ele é meu e tem que ter a minha energia. só vou lá, porque não quero que nada estrague a meu namoro. Imagina se, depois, eu termino com o Glad, por causa de energia de cabelo...

Ane: Não pode. Vai, sim, prima. Te dou o maior apoio.

Lu: Adal, você vai comigo.

Marjorie: Não, ele vai comigo lá na fábrica me ajudar a pegar umas bolsas.

Sara: Eu não tirei dinheiro para o táxi. Ia pedir para o Adal me deixar em casa.

Ane: Ah, não, gente. Deixa ele ir comigo me ajudar a escolher a minha roupa para amanhã.

Lu: Sarita, eu te dou o dinheiro do táxi. E você não vai precisar me pagar. Agora, eu sou uma mulher rica, meu bem. Não vai me fazer falta. Ane, amore, hoje eu sou prioridade, entenda. De mais a mais o Adal não ia te ajudar em nada. Ele não sabe combinar as próprias roupas. Vai saber escolher roupa para você? E, Marjorie, nem vem. A gente sabe que você é a prima querida, que ele faz tudo com você. Hoje, você vai pedir para um dos seus ajudantes da fábrica te ajudar a pegar as bolsas. A protagonista hoje sou eu, meu bem. Meninas, beijo. Vamos, Adal.

E, quando dei por mim, estava tirando os sapatos para entrar no terreiro da Mãe Amália. As revelações não foram nada boas.

Mãe Amália: Minha filha, eu posso benzer esse cabelo, mas não vai adiantar.

Lu: Como assim? Joga água fervendo, dá um banho de canjica, de pipoca, de sal grosso, mas limpa esse cabelo, Mãe Amália.

Mãe Amália: Não posso. Ele está preso.

Lu: Ué, então eu tiro a chuquinha e solto. Eu prendi porque achei que ia facilitar na hora de benzer.

Mãe Amália: Não é isso. Ele está preso pelo espírito da menina, que foi a dona dele.

Lu: Sério? Por que ela fez isso comigo?

A mãe de santo olhava para o cabelo da Lu, como se estivesse lendo uma informação.

Mãe Amália: A mãe dela queria que ela cortasse o cabelo para vender. Elas eram muito pobres. Mas a religião da menina não permitia. Ela era muito religiosa, muito. Num dia, saiu para cortar o cabelo e não voltou mais para casa. Foi encontrada na manhã seguinte enforcada com o próprio rabo de cavalo.

Adalberto: Que horror.

Mãe Amália: É, e eu vejo aqui ainda o bilhete que ela deixou. Nele, estava escrito. O meu cabelo estará sempre comigo para onde quer que eu vá. Nem assim a mãe respeitou a vontade da filha e, apesar de muito triste, vendeu o cabelo da menina para quitar as dívidas. Mas o espírito dela não aceitou isso e... Olha, ela está aqui, está falando comigo.

Lu: Quem?

Mãe Amália: A dona do seu cabelo.

Gritamos de medo.

Adalberto e Lu: Aaaaaaaaah!

Amália: Calma, gente, deixa eu ouvir a menina. Oi, minha filha. Fala de novo. O quê? Está bem, vou falar para ela. Olha, minha filha, ela me disse aqui que vai amaldiçoar a sua vida, enquanto você estiver com o cabelo dela. Tudo na sua vida vai dar errado, enquanto você estiver com esse megahair.

Adalberto: Lu, arranca esse cabelo daí agora.

Lu: Adal, mas e o Glad? Ele não vai gostar de me ver sem cabelo.

Adalberto: Melhor! Pior é se essa garota amaldiçoar o seu relacionamento. Deixa esse cabelo aqui, que a Mãe Amália dá um jeito. Você não vai ficar rica namorando com o Gladsnelson? Então, vamos lá colocar outro cabelo de alguém desapegado.

Lu: Mas como a gente vai saber? E se eu pagar caro por outro cabelo de um espírito como o dessa menina?

Adalberto: Lu, vamos num lugar humilde e compramos um cabelo de alguma pessoa viva que aceite a nossa proposta. Melhor assim.

Lu: Mas eu ainda não estou rica. Eu só incorporei a mulher rica.

Mãe Amália: Incorporou o quê?

Lu: Nada, é modo de falar. Eu quis dizer que eu já adquiri o perfil da mulher, mas o Glad, o meu namorado, ainda não me liberou um cartão de crédito sem limite, sabe? Por enquanto, eu ainda dependo dele para satisfazer as minhas extravagâncias.

Adalberto: Lu, eu te empresto dinheiro, a gente compra um cabelo novo, você coloca num salão e, depois, você me paga tudo com juros altíssimos, já que você está podendo. Anda, corta logo esse cabelo maldito.

Lu: Me empresta uma tesoura, Mãe Amália.

Mãe Amália: Claro.

Lu: Adal, você corta para mim?

Mãe Amália: E ele sabe cortar cabelo?

Adalberto: E tem que ser cabeleireiro profissional para arrancar tirar o megahair da cabeça da minha prima?

Mãe Amália: Com certeza. A menina que era dona do cabelo não vai gostar de vê-lo todo mal cortado. Deixa que eu corto. Eu fiz curso de cabeleireira, sei cortar direitinho.

E enquanto a Mãe Amália cortava o megahair, a Lu desabou. Parecia que eu estava vendo a cena da Carolina Dieckman, em Laços de Família. Ou parte da cena, já que a Lu não ficou careca. Mas ela soluçava de tanto chorar... Era como se a mãe de santo estivesse tirando todas as suas forças.

Mãe Amália: Pronto. Você está livre. Eu cortei, conforme as orientações da dona do cabelo. Ela acompanhou todo o trabalho. E disse que, agora, você está livre. Pode ir e boa sorte.

Lu: E o que eu faço com esse cabelo?

Mãe Amália: Deixa comigo. Eu dou um jeito.

Lu: Obrigada, linda. Beijo.

Fomos a um bairro pobre de Nova Iguaçu negociar um cabelo novo.

Lu: Adal, olha ali aquela menina. O cabelo dela é igual ao que eu tinha comprado.

Adalberto: Coitadinha. Ela, sem aquele cabelo, vai ficar feia. O cabelo esconde parte do rosto, que não favorece muito.

Lu: Amor, o que não favorece é eu ficar sem cabelo e sem o Glad. vamos lá, agora, falar com ela.

Conseguimos comprar por uma bagatela. A mãe da menina não tinha noção de preço e vendeu o cabelão de filha por, praticamente, uma cocada e uma mariola. Fiquei com pena, mas, como o dinheiro estava saindo do meu bolso, me aproveitei da humildade alheia.

Lu: Agora, vamos no salão lá de Ipanema colocar esse cabelo.

Adalberto: Está maluca? Não foi lá que você colocou o outro cabelo?

Lu: Foi.

Adalberto: Então, sua louca, vai que o Gladsnelson passe por lá um dia e a cabeleireira comente isso com ele? Ele mora lá, vai que...

Lu: É mesmo, primo, eu não pensei nisso. Melhor a gente tentar algum salão por aqui mesmo.

No Centro de Nova Iguaçu encontramos um salão especializado em megahair. A Lu amou a cabeleireira que colocou o cabelo nela. Pareciam melhores amigas de infância. A menina contou toda a vida dela para a Lu, falou do primo que ela é apaixonada, que vai passar o carnaval em Cabo Frio e que não está gostando da nova novela das oito, apesar de ser noveleira de carteirinha.

Marijanny: Sei lá, eu acho que o autor errou a mão, sabe? Eu queria que o personagem daquela atriz ruivinha ficasse com o bandido. Mas não queria que o bandido fosse bandido. Queria que ele fosse o par romântico dela. Ele combina mais com ela, você não acha?

Lu: Acho. Eu já tinha falado isso para o meu primo, não foi, Adal? Viu? A Mari também acha, primo.

Elas, realmente, tinham muitas afinidades. A Lu estava em casa naquele salão, onde todas as pessoas falavam gritando.

Marijanny: Mas fala por que é que tu está botando outro cabelo igual?

Lu: Garota, se eu te contar, você vai cair para trás. É babado!

Marijanny: Conta, então, amiga. Adoro babados!

E a Lu contou toda a história do cabelo maldito, sem deixar uma vírgula de fora. Disse que o namorado é bem de vida, falou da mãe de santo, que o cabelo estava preso a um espírito, contou tudo.

Marijanny: Menina, que história mais bafo, hein.

Lu: Não te falei?

Marijanny: Ficou bom?

Lu: Está perfeito, amiga. Eu te amo. Olha, se eu pudesse, te levava comigo para o churrasco de amanhã.

Marijanny: Mas eu não ia poder. Eu também tenho um almoço na casa daquele meu primo.

Lu: Jura? Amiga, boa sorte. Eu te ligo para a gente combinar alguma coisa e você me contar tudo.

Marijanny: Quero só ver. Se não vier, eu vou atrás de você e arranco o teu cabelo. Da mesma forma que eu botei, eu tiro.

Lu: Amanhã, à noite, mesmo eu te ligo.

Marijanny: Está bom, meu amor. Liga lá para de noitinha. Eu vou aproveitar para passar no shopping, depois do almoço, e devo chegar em casa tarde. Eu pego duas conduções para voltar para casa, aí, já viu, né? Demoro a chegar.

O serviço da Marijanny ficou, de fato, muito bom. O cabelo da Lu ficou igual ao outro. Não deixou a dever em nada ao salão de Ipanema. O melhor de tudo: o preço. Me custou um terço do valor do outro salão.

Lu: Amor, se eu tivesse dinheiro, ia te dar o dobro de gorjeta. Mas é o meu primo que está pagando. Depois, a gente vai às forras.

Marijanny: Com certeza. A gente ainda vai se ver muito. Adorei te conhecer.

Lu: Vamos bombar juntas. Agora, deixa eu ir lá. Beijo.

Marijanny: Beijo, tchau, linda. Arrasa!

No caminho para casa, a Lu resolveu implicar com o cabelo novo.

Lu: Adal, será que eu devo benzer esse cabelo?

Adalberto: Ah, não, Lu. A gente conheceu a garota, que era dona do cabelo, vimos que ela é uma pessoa feliz, a mãe dela é uma querida. Não há necessidade.

Lu: Então, me deixa em casa, que eu tenho que fazer uma limpeza de pele e dormir umas doze horas para acordar amanhã linda. Já está tarde.

No dia seguinte, peguei todas as primas em casa. Esse namoro da Lu estava saindo caro para mim.

A apartamento do Gladsnelson é muito grande. Ponto. Fora isso, muito cafona. Nada combina com nada, muitas cores, um aquário imenso na parede da sala com um tubarão dentro... Não gostei. Mas a Lu amou. Isso é o que importa.

A família dele podia trabalhar tranquilamente no salão de Nova Iguaçu, onde a Lu colocou o cabelo. Todos falavam berrando. Os pais dele, os tios, as tias, os primos, as primas, os OITO enteados da Lu. Todos sem exceção.

Marjorie: E aí, prima, alguém aqui te atende?

Ane: Aquele primo do Glad de camisa colorida é um gatinho. O que mata é o jeito dele, né?

Marjorie: E a camisa, né? Onde já se viu uma camisa daquela com calça preta social surrada?

Lu: Vocês gostaram da minha sogra?

Sara: Não. Ela ficou indignada, quando eu disse que não trabalhava. Disse que mulher tem que trabalhar.

Lu: Coitada. Eu, casando com o filho dela, a primeira coisa que eu vou fazer é parar de trabalhar.

Ane: Prima, ter a sogra como aliada é garantia de relacionamento duradouro. Diminui a tua escala no trabalho, mas não sai de uma vez, não. Deixa ela pensar que você está se matando de trabalhar. E você no shopping comigo comprando várias coisas.

Lu: Ótima ideia. Combinado. Adorei.

O Gladdsnelson toda hora vinha até a nossa rodinha, perguntando se estávamos sendo bem servidos. Eu já estava entalado de tanta comida, mas ele não sossegava, enquanto não visse a gente mastigando.

Gladsnelson: Está tudo bem aí? Toma mais um pouquinho de guaraná, Adal.

Adalberto: Não, obrigado. Eu vou beber cerveja mesmo.

Gladsnelson: Mas e a blitz da Lei Seca? Vai pagar a multa? É baratinha, né?

Adalberto: Não. A Marjorie mora aqui pertinho, no Leblon. Eu vou dormir na casa dela.

Não tive coragem de dizer que eu não aguentava mais beber guaraná de garrafa de cerveja. É muito doce aquilo.

Quando ele virou as costas, soltei o veneno.

Adalberto: Gente, agora, deixa eu fazer o meu comentário sórdido. O Gladsnelson pode ser  rico, mas já foi pobre. O refrigereco entrega.

Marjorie: Verdade.

Adalberto: Pobre adora refrigereco. Eles saem da merda, mas levam o refrigereco junto. Não é possível... Que xarope ruim isso que eles chamam de guaraná.

Lu: Não, e você não sabe da maior. Eles são todos de Nova Iguaçu. Só faltava ele ser parente da fofa que botou o meu cabelo ontem. Imagina.

Nos assustamos com a gritaria que, do nada, começou naquela cobertura. Aquela família conseguiu abafar o pagode que estava tocando altíssimo. E para a nossa terrível surpresa, eles estavam fazendo festinha pela chegada da Marijanny. Ela é prima do Gladsnelson. E a Lu descobriu da pior maneira que estava namorando o primo, por quem a cabeleira era apaixonada.

Marijanny: Queridinha, o Glad é meu.

Lu: Amiga, você namora com ele? Ele não me disse que tinha namorada.

Marijanny: Queridinha, ele é meu e não sabe. A família inteira bota pilha para ele ficar comigo. A gente já teve um caso no passado, mas tu sabe como é que é bicheiro, né? Não para quieto, pega geral. Eu era novinha e não aceitei isso. Agora, eu estou mais madura, vi que ele não vai mudar, então, eu mudei e quero ele mesmo assim. Ele pode pegar quem ele quiser. Só não quero meu primo namorando. Eu acabo com o relacionamento, já infernizei a vida de muita mulher. Ninguém me aguenta. Quer experimentar?

Lu: Escuta aqui, garota, vocês está me ameaçando?

Marijanny: Estou. Vai encarar? Pica a mula da vida do meu primo ou conto para ele a história do cabelo. Se ele souber que tu  tirou o cabelo caro que ele pagou, que tu foi em macumbeira, ele vai te enfiar a porrada. Ele já me deu uma surra por muito menos. O cara bate, hein... E aí? O que é que tu vai fazer?

Adalberto: Ela vai embora. Aliás, todos nós vamos embora. Você fica aí com o teu primo, que ninguém vai atravessar o seu caminho. A gente vai sair à francesa e você me faz um favor. Sem que o Gladsnelson perceba, deleta o contato da Lu do celular dele.

Marijanny: Isso é mole para mim.

Saímos sem que ninguém percebesse. O povo já estava tão bêbado que nem sentiu nossa falta. Era tanta gente naquele lugar...

No caminho para casa, a Lu estava inconsolável.

Sara: Prima, pensa que, pelo menos, esse contraventor não sabe onde você mora. A menina vai tirar o teu número do celular dele e você vai ficar segura.

Marjorie: É só não ficar circulando por aqui, por Ipanema. Onde vocês se conheceram?

Lu: Num pagode lá no Cachambi.

Ane: Já não vai mais lá.

Marjorie: Isso. Evita os lugares onde você pode encontrar esse homem, prima. Olha, eu vou te falar: há males que vêm para o bem. Teve uma hora, que eu fui ao banheiro, e vi o Gladsnelson entregando um pacotinho para um primo dele. Devia ser drogas.

Adalberto: Sério?

Sara: Eu também vi. Só estava esperando a gente sair desse churrasco para contar para vocês.

Marjorie: Viu? Eu não estou louca.

Lu: Gente, vamos agora no primeiro salão que a gente passar em frente. Vou vender esse cabelo. Não quero ficar com essa coisa imensa horrorosa, que só me faz lembrar aquele safado. Eu te falei que eu tinha que benzer esse cabelo!

Adalberto: Benzer o cabelo ia tirar o Gladsnelson do caminho das drogas? O cabelo não te trouxe maldição nenhuma. Ele abriu os teus caminhos. Isso, sim.

Lu: Então, faz o seguinte: vamos até o terreiro daquela mãe de santo. Se o cabelo que o safado do Glad comprou para mim ainda estiver por lá, eu pego e vendo também. Eu saio dessa mas não saio dura.

Marjorie: Mas, gente, o Adal bebeu. Não pode ficar circulando pela cidade, dando mole. Olha a blitz da Lei Seca...

Adalberto: Não, eu nem cheguei a beber. Quando eu ia virar o copo, começou aquela confusão toda, eu fiquei desnorteado e nem bebi. Ainda bem.

Lu: Então, você me leva lá, primo?

Eu estava cansado e queria ir para casa dormir. Mas tinha dinheiro meu envolvido nessa história de cabelo. Era importante ela reaver a grana para me pagar o que devia.

Fomos todos ao terreiro da Mãe Amália. A Marjorie e a Sara não estavam muito felizes com isso. Elas não gostam dessas coisas. Só foram mesmo pela Lu, que estava arrasada.

A mãe de santo ficou surpresa, quase assustada com a nossa visita. Devia ser, porque ela estava dormindo. Estava com cara de sono e não tinha nem enrolado aquele lenço branco, que elas amarram na cabeça, direito. Estava mal colocado, entregando parte do cabelo desgrenhado de quem acabou de acordar.

Lu: Ei, esse cabelo é meu!

Mãe Amália: Qual cabelo, menina? Está maluca?

A Lu não pensou duas vezes. Arrancou sem a menor delicadeza o lenço da cabeça da mulher.

Lu: Esse.

E um cabelo imenso se desenrolou da cabeça da Mãe Amália.

Lu: Esse cabelo é meu, sua bandida. E eu vou arrancar ele da tua cabeça com mão.

A mãe de santo tentou impedir, mas a Lu não estava sozinha. As primas, cúmplices que só elas, deram uma forcinha. A Marjorie segurou os braços, a Sara, as pernas e Ane ajudou a Lu a arrancar o megahair da Mãe Amáilia. Eu tive pena dela. Mas não me meti, senão, ia sobrar para mim.

Lu: Pronto. Não sobrou um fio de cabelo que não seja dela. Agora, vamos vender esses cabelos. E, depois disso, não vou mais querer ouvir a palavra megahair na minha vida. Eu bato em quem falar isso na minha frente.

Passamos num salão perto do terreiro mesmo e conseguimos uma grana boa nos dois rabos de cabelo que a Lu tinha para vender. Ela passou por outro corte de cabelo, mas, dessa vez, não fez cena.

Lu: Primo, está aqui o dinheiro que você me emprestou.

Ane: Eles pagaram bem pelo cabelo?

Lu: Pagaram. Dei o dinheiro do Adal e ainda fiquei uma graninha boa para mim.

Marjorie: Vamos torrar tudo em cerveja?

Lu: Está maluca?

Sara: Olha que o dinheiro desses cabelos aí pode ser maldito... Não veio desses cabelos da discórdia? Melhor se livrar logo disso.

Lu: É mesmo. Primo, para no primeiro pé-sujo. Vamos gastar todo esse dinheiro com cerveja. E Sara, que não bebe, vai tomar guaraná de verdade. Nada de refrigereco!

E tomamos todas num bar onde o atendente não tinha os dentes do maxilar superior, mas não parava de falar. A princípio, a gente não conseguiu entender nada do que ele falava. Dava uma certa aflição... Mas, depois da quinta garrafa de cerveja, a gente se entendeu muito bem. Ele continuou falando, entrava por um ouvido e saía pelo outro, e a gente não fazia mais o menor esforço para entender. Foi divertido.

Bebemos até gastar todo o dinheiro da Lu. Não foi pouco, não...

Ontem, eu tinha acabado de acordar, quando ela me ligou, dizendo que viu o Gladsnelson na televisão, sendo preso.

Adalberto: Sério? Nossa, eles foram rápidos.

Lu: Como assim, Adal? Foi você que fez a denúncia?

Adalberto: Lu, isso não é coisa que se fale por telefone. Topa outra rodada de cerveja com as meninas, mais tarde, para comemorar a Justiça? A gente ainda tem o dinheiro que você me pagou para gastar. Eu quero me desfazer disso.

Lu: Eu vou ligar para as meninas. Nos vemos mais tarde, então.

Adalberto: Perfeito. Até mais tarde.

Ô, dinheiro maldito bom...

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Farinha pouca, a Sabrina Sato é feia

No fim da tarde do sábado passado, enquanto eu me arrumava para ir para o ensaio técnico da Vila Isabel na Sapucaí, a Ane me ligou.

Ane: Adal, o que você está fazendo?

Adalberto: Me arrumando para ir ao ensaio técnico da Vila Isabel na Sapucaí

Ane: E você vai?

Deu vontade de dizer que não, que eu só estava brincando de botar e tirar roupa em frente ao espelho. Mas ela estava com uma vozinha meio triste. Achei melhor responder a essa pergunta difícil.

Adalberto: Vou. 

Ane: Ah, não vai, não, primo.

Adalberto: Como assim, não vai? O que é que está acontecendo, Ane? Você não está bem, eu vejo pela tua voz.

Ane: Não é nada.

Adalberto: Então, se não é nada, vamos comigo. Você adora samba. Aliás, foi você que me apresentou a esses ensaios técnicos da Sapucaí. O que é que houve? De uma hora para outra deixou de gostar? Isso não é normal.

Ane: O Robervaldo não deixa eu sair.

Adalberto: Robervaldo é aquele carinha que está saindo com você há, no máximo, quinze dias?

Ane: É. A gente está namorando.

Adalberto: Parabéns. Mas relacionamento é assim, negociação. Se ele não gosta de samba, cabe a você administrar isso. Mas alguém tem que ceder.

Ane: Ele adora samba. 

Adalberto: Então, chama ele para ir. Eu passo aí para pegar vocês.

Ane: Adal, ele trabalha no interior do Mato Grosso do Sul e só vem ao Rio de folga de dois em dois meses.

Adalberto: E você não pode sair, quando ele não está aqui?

Ane: Não.

Adalberto: E fica fazendo o quê? Já sei: conversando no Skype. Ane, você já namorou pela internet e viu que isso não dá certo. Você mesma falou.

Ane: O pior é que, dessa vez, nem internet tem. O lugar onde ele trabalha é tão precário que não tem telefone, internet, nada.

Adalberto: Jura?

Ane: Foi isso que ele falou.

Adalberto: E você acreditou?

Ane: Acreditei. A gente está no começo do namoro, ele está super-apaixonado. Você acha que ele não ia querer falar comigo todo santo dia?

Sinceramente, não.

Ane: De mais a mais, ele colocou uns espiões para me vigiar.

Adalberto: Como é que é?

Ane: Ele é muito ciumento, Adal. Disse que tem uns amigos aqui pela área, que vão me vigiar. Não falou quem são. Só disse que eles se revezam na tarefa de vigiar os meus passos e que, se souber que eu fui para alguma balada, samba, qualquer coisa que tenha muita pegação, ele me mata. Achei tão fofo.

Adalberto: Fofo? O cara é um machista ignorante e você acha fofo?

Ane: Adal, eu entendo o seu ponto de vista. Mas eu não estou enxergando a situação pelo mesmo ângulo que você. Essa é a maneira que ele tem de assegurar que, quando ele voltar, eu vou estar aqui para ele. Isso, de certa forma, é fofo. É amor.

Adalberto: Ane, você vai me desculpar, mas o seu ponto de vista está míope das duas vistas. Se ele não tem como estar aqui com você, que não me venha com ameaças.

Ane: Mas eu não me importo...

Adalberto: De ficar dois meses em casa nos fins de semana sem fazer nada? 

Ane: É.

Adalberto: Minha querida, a única pessoa que eu conheço, que faz amor por telepatia chama-se Rita Lee. E vai ver nem faz. Só deve cantar mesmo da boca para fora, duvido. Bom, estou passando aí agora para te buscar. Você vai comigo.

Ane: Não, Adal.

Bati o telefone na cara dela e fui bufando buscá-la em casa. A princípio, diante de sua recusa, pensei em arrastá-la pelos cabelos. Mas fui estratégico, fiz várias chantagens emocionais, joguei algumas coisas na cara dela e, por livre e espontâneo medo, ela decidiu ir comigo. Me amei por isso.

No ensaio técnico, a ela era pura animação.

Ane: Adal, obrigada por me forçar a vir aqui. Eu estou adorando. A Sabrina Sato está linda. Nunca vi mulher mais linda. Eu quero dizer para ela, que ela está linda. Vamos lá comigo?

Adalberto: Ah, não, Ane. Não começa. Depois você conta esse segredo para ela. Ela nem deve imaginar isso.

Ane: Seu bobo. Eu tenho medo de ela ir embora. Esses artistas somem quando a gente menos espera.

Adalberto: Ane, relaxa e samba. A gente veio aqui para isso.

E, depois de milhões de vezes que ouvimos o samba da Vila, já estávamos com a letra na ponta da língua. A Ane não é das melhores sambando, mas até que atraiu muitos olhares. Os mais descolados ensaiavam cantadas baratas.

Descolado: Aí, gostosa, você trabalha com entrega?

Ane: Eu? Não.

Descolado: Então, me entrega o teu coração.

Ane: Ridícula a sua cantada! Vamos sair daqui, Adal.

Tenho certeza de que, se não fosse o Robervaldo, ela teria adorado o comentário. Ia dizer que o cara era inteligente e tudo...

Ane: Cara abusado, né?

Adalberto: Não. Ele só tentou a sorte.

Ane: Não gostei da cantada barata.

Adalberto: Ane, vamos aproveitar e ir lá para fora. O desfile já está acabando mesmo. Eu estou com fome. Vamos comer um hambúrguer?

Ane: Vamos.

Para a nossa surpresa, quando chegamos à lanchonete, demos de cara com a Sabrina Sato aos prantos.

Ane: O que é que houve? Por que você está chorando?

Sabrina: Um cara passou a mão na minha bunda. Eu chamei ele de safado. Ele me deu o maior tapão na cara e ainda me chutou.

Adalberto: E cadê esse safado?

Sabrina: Está ali no carro da Polícia. Um policial viu tudo e pegou ele no flagra. Olha, a viatura vai passar aqui do lado agora. Eu vou sair daqui para evitar olhar na cara desse sujeito. Já vou ter que encontrar com ele na delegacia. Dá licença, gente.

Ane: Olha, eu queria falar uma coisa rapidinho com você.

Sabrina: Depois, amor. Agora, eu estou sem clima. Beijo.

Ane: Cara, acho ridículos esses homens, que acham que podem chegar, assim, e passar a mão na bunda de uma mulher.

Adalberto: Também acho.

Ane: Eu não admito que homem algum passe a mão na minha bunda. Sem o meu consentimento, claro. Ah, quem eles pensam que são? Esse da Sabrina ainda bateu nela. Vê se pode...

Adalberto: Olha ali, vai passar ali no carro da Polícia agora. 

Ane: Faço questão de olhar para ele, para deixá-lo bem sem graça. Levanta, Adal, vem ver.

Fui. E não acreditei no que vi.

Ane: Robervaldo

Adalberto: Não era para ele estar no Mato Grosso do Sul.

E de dentro do carro da Polícia em movimento, o folgado do Robervaldo ainda tinha a coragem de dar ordens na minha prima.

Robervaldo: Está fazendo o que aqui, sua cachorra? Vou te matar.

Ane: Você vai me matar? Eu é que vou te matar, seu safado. me enganou. Era para você estar no Mato Grosso do Sul.

Robervaldo: Eu menti para você, para ver com os meus próprios olhos que você é uma safada. 

Ane: O quê?

Adalberto: Não entendi. O carro ficou longe e eu não sei fazer leitura labial.

Ane: Adal, vamos atrás dele.

Adalberto: Está maluca?

E, antes que eu falasse qualquer outra coisa, ela tomou a chave do carro do meu bolso e foi correndo para o estacionamento. Eu tive que ir atrás por livre e espontânea pressão.

Adalberto: Cuidado com o meu carro. Eu ainda estou pagando.

Ane: Esse safado me paga.

Adalberto: Você sabe para onde estão levando ele? Eu não estou vendo nenhum carro da Polícia.

Ane: Tem uma delegacia aqui perto. Eles só podem ter ido para lá.

Chegamos à delegacia e o clima ficou péssimo. O Robervaldo é de um baixo nível inatingível.

Robervaldo: Você é uma piranha. Eu estou sendo preso, por causa de você.

Ane: De mim?

Robervaldo: Claro. Eu fui atrás de você. Vi que você não vale nada e fiquei solto.

Ane: Eu não fiz nada. Só acompanhei o meu primo.

Robervaldo: Não fez nada? Você saiu de casa, sua vagabunda.

Ane: E você que me trocou pela Sabrina Sato. Você é um... Um... Chato!

Robervaldo: Eu só passei a mão na bunda dela, como eu passei na tua, quando a gente se conheceu. Isso é uma atitude elogiosa. Nada de mais.

Não foi a Ane que disse que não admitia que homem algum passasse a mão na sua bunda, sem o seu consentimento? E essa de ele falar que passar a mão na bunda de alguém é uma atitude elogiosa... Não convenceu.

Ane: Olha, Robervaldo, eu não quero saber, para mim, está tudo acabado.

Robervaldo: Problema é teu! Por mim, tudo bem. Vou pagar minha fiança aqui e vou para a minha casa dormir, que é a melhor coisa que eu faço.

Ane: Não, amor, desculpa. Desculpa, eu não queria sair. Foi o Adal que insistiu. Adal, fala para ele, que foi você me obrigou para vir.

Adalberto: Eu, não. Ane, esse cara é um idiota. Não te merece.

Ane: Robervaldo, eu vou para a sua casa com você. Por mais que você não queira, eu vou te seguir, te implorar o meu perdão. Eu não sei cantar, mas vou fazer seresta debaixo da sua janela, cantar aquela música do Thiaguinho que você adora até você me perdoar. Por favor, amor.

Robervaldo: Você não vai fazer isso.

Ane: Vou. Eu vou até Marte atrás de você.

Ai, que exagero.

Robervaldo: Então deixa eu te falar uma coisa. Eu tenho mulher, duas filhas lindas e não trabalho no Mato Grosso do Sul coisa nenhuma, sua idiota. Não vai atrás de mim, senão, quem te mata é a minha mulher.

Eu achei que a Ane fosse xingar o descarado do Robervaldo de um trilhão de coisas, que fosse querer ir atrás, sim, dele e contar tudo para a sua mulher, jogar a bosta no ventilador mesmo, destruir o relacionamento dele... Mas, em vez disso, vi uma Ane imóvel, estupefata, chocada de tanta decepção.

Adalberto: Vamos embora daqui.

Cruzamos com a Sabrina Sato, quando descíamos as escadas da delegacia. Ela foi prestar depoimento com os mesmos trajes sumários, com que havia desfilado no ensaio técnico. Estava realmente linda. Acho até que o delegado ia entender os motivos que levaram o Robervaldo a passar a mão na bunda dela.

Adalberto: Ane, aproveita agora para falar com ela.

Ane: Falar o quê?

Adalberto: Que ela é linda, ué. Você não queria tanto dizer isso para ela?

Ane: Agora, não, Adal. Agora, sou eu que estou sem clima.

E estava mesmo. Durante todo o trajeto no carro, a Ane não abriu a boca, parecia pensativa. O rádio estava desligado e o barulho do motor, que não faz quase barulho, gritava aos meus ouvidos.

Só quando parei em frente ao prédio dela, nos falamos pela primeira vez desde o barraco na delegacia.

Ane: Obrigada, primo. se não fosse você, eu nunca ia descobrir que o Robervaldo é um safado.

Adalberto: Imagina, eu não fiz nada.

Ane: Posso te perguntar uma coisa?

Adalberto: Lógico.

Ane: A Sabrina Sato é muito melhor do que eu?

Adalberto: Não, de jeito nenhum. Sabe, eu nem acho que ela é tão bonita assim.

Ane: Eu também não, primo. Tinha falado aquilo, porque era fã dela. Mas, agora que ela perdeu o encanto para mim, já consigo enxergar a realidade. Ela é bem feinha, né?

No fim das contas, a competição feminina falou mais alto. Mas eu acho a Ane mais bonita que a Sabrina Sato mesmo. Não sei por que exatamente, mas deve ser o encanto...

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Máscara de enganador cai às vésperas do carnaval ou Viva a folia!

Na sexta-feira passada, encontrei, por acaso, com um amigo das antigas: o Popó. Ele estudou comigo num colégio de freiras, mas foi expulso, depois de seis meses, pela madre superiora. Ele estava com mais quilos e menos cabelos do que há vinte anos, mas continuava o mesmo folgado de sempre.

Popó: Rola uma caroninha?

Adalberto: Claro que não, né! Moramos em lados extremos da cidade. Você quer que eu dê uma volta ao mundo por caridade ou por causa seus lindos olhos castanhos escuros, iguais aos de quase todo mundo?

Popó: Porque você era o meu melhor amigo da época do colégio, porque é a pessoa mais legal que eu conheci na minha vida e porque jamais negaria qualquer coisa a uma pessoa que estivesse precisando. Eu estou com uma dor fortíssima na minha coluna, Adal. E o ônibus vai muito cheio lá para a Zona Norte. Não tenho a menor condição de fazer uma viagem de mais de uma hora, sendo esmagado. Quebra essa para mim, amigo.

O pior é que ele me comoveu. Fui para Olaria deixá-lo em casa.

Adalberto: Tudo bem.

Popó: Fora que a gente tem muito assunto para colocar em dia, né?

E no trajeto de duas horas, em que eu me arrependi a cada minuto por essa carona, ele não parou de falar.

Popó: Fui eu que joguei aquela bomba no colégio, no dia seguinte a minha expulsão?

Adalberto: Sério?

Popó: Estou dizendo...

Adalberto: Cara, você é um delinquente. Essa bomba caiu em cima de mim. Eu fiquei todo queimado, perdi as provas do terceiro bimestre e tenho uma cicatriz nas costas, até hoje, por causa disso.

Popó: Pô, Adal, foi mal.

Adalberto: Foi mal? Eu deveria te colocar para fora do meu carro, por vingança póstuma.

Popó: Você não é capaz de fazer isso com um amigo.

Adalberto: Com um amigo que jogou uma bomba em cima de mim, eu sou.

Popó: Pô, eu não imaginava que ia cair em cima de você. Se eu soubesse, eu nem jogava.

Adalberto: Cara, você não tinha que jogar uma bomba no pátio de um colégio, na hora do recreio. Óbvio que ia cair em alguém. E não importa se fosse em outra pessoa. Isso não se faz.

Popó: Adal, eu estava com raiva. Eu era adolescente, tenta me entender.

Adalberto: O que é que você quer? Que eu diga que você estava certo em jogar uma bomba em cima de mim?

E para interromper esse rumo tortuoso, que a nossa discussão tomava, a Marjorie cruzou o meu caminho. Literalmente. Ela me cortou em plena Avenida Brasil de uma maneira tão brusca, que eu rodei com o carro e fui parar no acostamento da pista.

Furioso, fui atrás do carro. Até então, eu não sabia que era a minha prima que estava dirigindo. Disparei, andei pelo acostamento, costurei no trânsito, fiz as maiores barbaridades... E consegui ficar lado a lado com o carro que me cortou.

Baixei o vidro e perdi a linha.

Adalberto: Seu filho da...

Marjorie: Adal!

Adalberto: Marjorie?

Marjorie: Primo, desculpa. Eu estou atrasadíssima para uma reunião com um cliente em Bonsucesso.

Adalberto: Sério? Olha, eu te desculpo, então, se você der uma carona para esse meu amigo. Ele mora em Olaria. É perto de Bonsucesso. Para ali no acostamento para ele passar para o teu carro.

Marjorie: Esse cara? De jeito nenhum. Esse cara não vale nada, primo. Deixa ele no meio da pista. Ele merece. Para ver como é ser sacaneado.

E foi embora. Acelerou e me deixou para trás, cheio de questões na cabeça. Por que tanta raiva do Popó? Como será que ele sacaneou ela? Será que ele também jogou uma bomba nela?

Adalberto: Popó, você já tacou uma bomba na minha prima?

Popó: Não. Está maluco?

Adalberto: Então, o que foi que você fez para ela ter essa raiva de você?

Popó: Sei lá. Ela deve ter me confundido com alguém. Eu não me lembro dela...

Adalberto: Tomara que ela tenha te confundido mesmo. Agora, eu faço questão de te deixar na porta de casa. Dependendo do que você aprontou para a minha prima, eu vou atrás de você.

Popó: Eu não fiz nada para ela, Adal. Fica tranquilo.

Deixei o Popó em casa e, imediatamente, liguei para a Marjorie. Ela estava saindo da fábrica do cliente. Eu queria saber o porquê de toda aquela raiva do Popó. E a minha curiosidade era tanta que não podia esperar mais uma Avenida Brasil inteira. Marcamos de nos encontrar num pé-sujo pela Zona Norte mesmo.

A Marjorie estava irritadíssima.

Marjorie: Aquele canalha ficou saindo comigo e com a Sara ao mesmo tempo?

Adalberto: Como assim? A Sara traiu o Oswaldo?

Marjorie: Não, Adal. Isso foi há mais de quinze anos.

Adalberto: E você ainda guarda raiva dele, só por causa disso?

Marjorie: Você também não está com raiva dele, por causa da bomba que ele jogou em você?

Adalberto: Verdade. A gente lembra o fato e fico com o sentimento de como se ele tivesse acontecido ontem, né? Ele merecia levar um soco na cara, só por me lembrar do episódio da bomba lá no colégio.

Marjorie: Esse cara merece é a forca! Isso, sim.

Adalberto: Você e a Sara são muito bobas também. Como um cara finge ter um irmão gêmeo e vocês acreditam?

Marjorie: A gente era nova, estava apaixonada... Nem passava pela minha cabeça. Para ela, ele era Apolônio. E, para mim, Popó.

Adalberto: Pelo menos, ele não mentiu. Esses são o nome e o apelido dele.

Depois de muitas cervejas, nossa conversa, que começou em Popó, já tinha mudado para a programação do carnaval.

Marjorie: Vamos ver com a Ane e a Lu o que elas vão fazer?

Adalberto: Amanhã.

Marjorie: Não, Adal, agora. Isso é um caso de vida ou morte. Preciso decidir o que vou fazer no carnaval. Liga para elas, anda!

Adalberto: Sua chata.

Liguei para a Ane primeiro.

Ane: Fala, primo.

Adalberto: Eu estou aqui bebendo um chopinho com a Marjorie...

Ane: Você só quer saber de Marjorie! Que raiva de você.

Adalberto: Garota, cala a boca. Não começa com esse ciúme bobo. Não foi nada combinado. Olha só, a gente quer saber o que você está planejando para o carnaval. Queremos sugestões.

Ane: Amore, eu não sou mais dona das minhas decisões. Dependo do Dutra. Eu sou uma mulher mandada agora, esqueceu?

Adalberto: Esqueci. Você começou esse namoro na semana passada. Eu tinha esquecido mesmo.

Ane: Dependendo do que ele quiser fazer e se der para encaixar vocês, eu aviso.

Adalberto: Querida, nós não trabalhamos com encaixe. Deixa para lá. Beijo.

Liguei para a Lu.

Lu: Fala, cachorrinho.

Adalberto: Tudo bem?

Lu: Tudo ótimo. Eu estou namorando.

Adalberto: Verdade. Também tinha esquecido que você começou a namorar nessa semana.

Lu: Ai, Adal, estou tão feliz. Sabe, o encaixe entre nós dois é perfeito.

Adalberto: É, esse encaixe, sim, é bom. Parabéns.

Lu: Obrigada.

Adalberto: Lindona, eu estou aqui com a Marjorie...

Lu: Claro, você sempre está com a Marjorie em algum lugar, né, Adal? Você gosta mais dela do que de mim, da Ane e da Sara.

Adalberto: Olha! Não fala isso. A gente se encontrou quase que sem querer. Não combinamos nada.

Lu: Sei... Fala logo o que você quer. Estou me arrumando para me encontrar com o Ramos.

Adalberto: Ramos é o teu namoradinho?

Lu: É.

Adalberto: E para onde vocês estão indo?

Lu: Para um barzinho em Ramos. Agora, eu sou básica. Namoro um Ramos e frequento um barzinho em Ramos.

Adalberto: Bem básica mesmo.

Lu: Total.

Adalberto: Olha, você não vai acreditar, mas eu estou num pé-sujo aqui em Bonsucesso com a Marjorie. Fica perto de Ramos. Que tal se a gente se encontrar nesse barzinho que você vai com o Ramos, em Ramos?

Lu: Olha, eu não sei se ele vai gostar da companhia de vocês.

Adalberto: Ah, sua cachorra!

Lu: Estou brincando, seu cretino. Te mando o endereço por WhatsApp.

Adalberto: Está bem.

Tudo na vida da Lu, agora, era motivo para um WhatsApp. Não sei como ela conseguiu viver trinta anos sem essa ferramenta, juro.

Marjorie: Vamos chamar a Ane e a Sara para programinha também?

Adalberto: A Ane deve fazer alguma coisa com o Dutra. Hoje é sexta-feira... E a Sara não sabe dirigir. O Oswaldo não vai querer trazer ela para cá. Ele chega morto do trabalho.

Marjorie: Melhor. Mas chama, senão elas vão ficar enciumadas. Você sabe como elas são.

Fiz o que a mestre mandou. Liguei para a Ane e chamei-a para o nosso encontro com a Lu em Ramos. Para a minha surpresa, ela não ia encontrar com o Dutra. Parece que ele estava doente. Ela ficou, então, de passar na casa da Sara para irem juntas encontrar com a gente.

Eu e a Marjorie ainda tomamos mais algumas saideiras até pedirmos a conta. Depois, rodamos toda Bonsucesso atrás do nosso carro, até que lembramos que tínhamos deixado no estacionamento de uma academia, que ficava em frente ao bar. O local estava fechado. Mas o bom da Zona Norte é a informalidade. Quase todo estabelecimento comercial de pequeno porte, tem um puxadinho atrás, onde mora o proprietário. E naquela academia não era diferente. Nos esgoelamos de tanto gritar, até que apareceu o dono da academia em pijama e chinelos, todo solícito. Ele abriu o portão para a gente, reclamou do filho que ainda não tinha chegado em casa e ainda recusou os cinquenta reais e os dois reais que, respectivamente, a Marjorie e eu oferecemos de gorjeta.

Dono da academia: Vocês não querem mesmo entrar para tomar um cafezinho?

Marjorie: Não, moço, obrigada. A gente está com um pouco de pressa. 

No meu celular, havia umas trinta chamadas da Ane. Estava para vibrar e eu nem tinha sentido. Só vi quando entrei no carro e tirei o celular do bolso. Me incomoda dirigir com o celular no bolso.

Quando chegamos ao barzinho de Ramos, fomos informados pelo garçom que a senhora Lu e o senhor Ramos já tinham ido embora, com as outras pessoas que estavam com eles.

Marjorie: Como assim? A gente não demorou tanto entre pagar a conta e encontrar o carro.

Adalberto: Demoramos, sim. A gente demorou muito, por sinal.

Marjorie: Eles deixaram algum recado para a gente? Foram para outro lugar?

Garçom: Olha, minha senhora, eles foram levados pela Polícia para a delegacia daqui do bairro.

Adalberto: O quê?

O que poderia ter acontecido com as minhas primas? Será que elas foram assaltadas em Ramos? E o Ramos? Não fez nada? Será que ele também foi assaltado? Voamos para a delegacia.

Quando chegamos, fomos surpreendidos pelas nossas primas e o Popó todo arranhado e com a roupa toda rasgada.

Marjorie: O que você está fazendo aqui, Popó?

Lu: Ele também é o Ramos.

Ane: E o Dutra.

Sara: E o Apolônio.

Adalberto: Apolônio Ramos Dutra, o Popó, que estudou comigo há anos.

Caraca, o cara arrastou duas das minhas no Passado e estava arrastando outras duas no Presente. Agora, não sobrou nenhuma para ele conjugar o verbo “enganar” no Futuro.

Marjorie: Eu vou te arrebentar, seu cachorro!

Eu tive que segurar a Marjorie para evitar que o pobre coitado fosse ainda mais agredido.

Adalberto: Marjorie, não precisa. As meninas já fizeram isso por você. Aliás, por você e por mim.

E com um olhar fulminante para o Popó, eu disse:

Adalberto: Agora, eu me sinto vingado. Experimenta jogar mais uma bomba em cima de mim. Eu solto as feras em cima de você. Mexe comigo!

Eu e a Marjorie rachamos as fianças das outras primas pela agressão ao Popó. Que bom que a Marjorie não chegou a bater nele. Economizamos em uma fiança. Se bem que era um dinheiro que eu gastaria com gosto.

Terminamos a noite enchendo a cara no meu apartamento. E, claro, acertamos de passar o carnaval juntos, agora que não existia mais Ramos/Dutra como empecilho nas nossas vidas.

Marjorie: Gente, eu vou mandar fazer minha fantasia, então. O que vocês sugerem?

Lu: Alguma coisa que não tenha máscara. De máscara, já chega o Ramos.

Ane: Dutra!

Sara: Apolônio!

Marjorie: Popó!

E viva a folia!

sábado, 5 de janeiro de 2013

Interrogatório de Ano Novo acaba em embriaguez coletiva

No dia 31, às sete horas da manhã, a Ane me ligou.

Adalberto: Fala, coisa rica.

Ane: Coisa rica é o que eu vou ficar, meu bem. Por enquanto, ainda sou a Gata Borralheira.

Adalberto: Então, fala, minha Gata Borralheira.

Ane: Vamos passar o Réveillon em Noronha?

Adalberto: Em Fernando de Noronha?

Ane: Exatamente.

Adalberto: Não posso, amore. Não tenho grana para isso e estou em São Paulo.

Ane: Como assim, você está em São Paulo e não me avisou nada?

Adalberto: Eu pedi para a Marjorie avisar a vocês. Vou correr a São Silvestre daqui a duas horas. Por isso, que não reclamei com a sua ligação a essa hora da manhã.

Ane: Você só se preocupa em dar satisfação da sua vida para a Marjorie. Eu vou me juntar a Lu e a Sara e montar a Associação das Primas Rejeitadas, você vai ver...

Adalberto: Não fala assim. Eu amo todas vocês por igual.

Ane: Ama mesmo?

Adalberto: Amo.

Ane: Então, prova.

Adalberto: Como?

Ane: Vindo aqui para o Rio agora.

Adalberto: Não posso, baby. Comprar passagem, assim, em cima da hora é muito caro.

Ane: Adal, eu acabei de voltar de uma festa incrível. Conheci o meu Príncipe Encantado. O nome dele é Alfredicto. Só que não deu para a gente conversar direito no meio da festa, com aquele barulho altíssimo. O cara é milionário e quer me conhecer melhor hoje. Se der tudo certo, ele disse que vai me levar para Noronha e oficializar o namoro com a família.

Adalberto: Que coisa boa. Mas onde eu entro nessa?

Ane: Ele disse para eu levar o máximo de coisas que falem sobre mim. E eu pensei: nada melhor do que levar meus primos. Ninguém melhor do que  você, a Marjorie, a Lu e a Sara para depor a meu favor.

Adalberto: Como assim, depor?

Ane: A gente vai passar por uma espécie de entrevista. Coisa de gente rica. Segurança, né, primo?

Adalberto: Que loucura! E se ele não gostar?

Ane: Ele vai gostar. Aliás, ele já gostou. Ele disse que, na verdade,só quer ter certeza de que eu sou a mulher da vida dele. O cara está de quatro por mim, primo. Pode vir, que eu garanto o teu Ano Novo em Noronha.

É óbvio que eu trocaria fácil a Corrida de São Silvestre por Noronha. Não sei de onde tirei essa ideia louca de correr quinze quilômetros no dia 31 de dezembro... Só queria fazer um charminho pra não parecer que sou muito vulnerável.

Adalberto: Ah, não sei, já estou aqui.

Ane: E daí? Compra a passagem, que o Alfredicto te reembolsa. Também te garanto isso.

Adalberto: É? Não vai ser muito incômodo, não?

Ane: Claro que, não, Adal. O Alfredicto tem bala.

Adalberto: E como a gente vai para Noronha?

Ane: No jatinho particular do Alfredicto, ué.

Adalberto: Então, beleza. Acabei de pagar o bilhete aqui na internet. Chego aí em uma hora. Deixa eu correr para o aeroporto.

Ane: Caramba, que rapidez, hein... Imagina se você não quisesse vir...

Fiquei sem graça e desliguei o telefone, com a desculpa de que, se eu demorasse mais um minuto, perderia o avião.

Cheguei ao Rio e não tive sequer tempo de tirar aquele uniforme da Corrida de São Silvestre. As meninas já estavam me esperando no aeroporto. E, de lá, fomos os cinco para a casa do Alfredicto para a tal entrevista.

A casa do cara é uma mansão. Fica no Jardim Botânico. A guarita do porteiro, só para dar uma ideia, é do tamanho do meu apartamento inteiro.

Depois de uns vinte minutos andando, chegamos ao local onde estava o Alfredicto. Ele parecia simpático.

Alfredicto: Olá, boa tarde.

Ane: Alf, esse é o meu primo Adalberto. E essas são minhas primas Sara, Lu e Marjorie.

Nos cumprimentamos e, logo em seguida, começou o questionário.

Alfredicto: Seus desejos.

Ane: Amar e ser feliz com a pessoa amada.

Alfredicto: E os seus?

Lu: Meus? Como assim? Você quer namorar com a minha prima ou comigo?

Alfredicto: Com a sua prima, mas eu quero conhecer a família da minha futura namorada também.

Lu: Ah... Olha, os meus desejos foram todos saciados ontem por um maluco aí. Agora, que venham os próximos.

A Ane ficou aflita com a resposta da Lu.

Ane: Ela é engraçada assim mesmo, Alf. Tudo da boca para fora. Ela é super tranquila.

Alfredicto: Tudo bem. E você?

Marjorie: Eu? Meu desejo é ter uma grife própria. Eu sou estilista, designer de bolsas e, hoje em dia, eu só produzo para as grifes. Mas, no futuro, eu quero ter a minha própria marca.

Alfredicto: Bacana. E você?

Sara: O meu desejo e ter mais confiança no meu marido, o Oswaldo. Eu sei que isso não depende só de mim. Ele temq ue fazer a parte dele. Mas é o meu desejo. Ele é o homem que eu amo e é com ele que eu quero ficar velhinha.

Alfredicto: Muito boa sua resposta. E você, Adalberto?

Adalberto: O meu desejo é ganhar na Mega-Sena e ter uma casa incrível,como essa sua. Eu ia dar várias festas. De segunda a segunda, você pode ter certeza, ia ter festa na minha mansão. Eu ia ser pior do que o Adriano Imperador.

O Alfredicto riu. A Ane fechou a cara.

E o esquema seguiu. Ele perguntava e o os cinco respondiam.

Alfredicto: Seus medos?

Ane: Meu maior medo é o de não conseguir ser a mulher maravilhosa para o meu marido. Eu nem sei. Ia me sentir uma fracassada.

A Ane, claro, sempre tentando surpreender. Parecia aquelas pessoas que mentem descaradamente em entrevistas de emprego para tentar, a todo custo, conseguir a vaga.

Lu: Eu tenho medo de ficar para titia.

Marjorie: Eu tenho medo de barata.

Sara: Eu tenho medo do Oswaldo me trair com outra mulher, se apaixonar por ela e me largar.

Adalberto: Cara, assim, agora, não me vem nada na cabeça. Mas eu tenho muitos medos. Ah, tenho medo de assombração. Fico apavorado, quando estou em casa sozinho e ouço sons. Não consigo dormir.

Alfredicto: Seu maior defeito?

Ane: Perfeccionismo. Eu quero ser a melhor em tudo. E nos meus namoros, eu tento sempre ser a namorado perfeita.

Lu: Falta de vergonha na cara. Tem caras que me sacaneiam, mas eu corro atrás, não tem jeito. Homem está difícil, né? Infelizmente, a gente tem que se submeter a isso.

Marjorie: Ansiedade. Eu fico sem dormir, quando uma grife lança uma coleção minha. Sabe aquele friozinho na barriga? Eu sinto. O que eu sinto é uma friaca na barriga mesmo.

Sara: Desconfiança. Eu desconfio muito do meu marido, confesso. Mas sei que isso também não é só culpa minha. O Oswaldo é muito solto, não gosta de dar satisfação das coisas que faz. Então, imagina como eu fico...

Adalberto: Eu sou assim. Marco com todo mundo várias coisas para fazer no mesmo dia. Depois, acaba fazendo só uma e furando com as outras mil pessoas, com quem eu tinha combinado de fazer outras coisas. Eu sou enrolado demais. Precisava ser rico para ter alguém para organizar a minha agenda.

Alfredicto: Sua maior qualidade?

Ane: Amar intensamente. Quando eu amo, eu só sei amar se for intensamente. Eu não sei amar pela metade, sabe? Eu vivo uma relação. Eu respiro a pessoa com quem estou. Ela passa a ser a minha razão de viver. E acho que tem mesmo que ser assim.

Lu: Gostar muito de sexo. E fazer muito bem também. Eu sou daquelas que, se entra lama, é para se sujar. Adoro!

Marjorie: Eu gosto de trabalhar. Perco fins de semana desenhando bolsas. Eu amo isso. Às vezes, eu esqueço que eu trabalho. Eu sinto muito prazer no que faço.

Sara: Eu sou uma boa mulher e uma mãe muito atenciosa. Nasci para ser dona de casa mesmo, já tentei trabalhar, mas não consigo. Acho que vou morrer dona de casa. O chato é depender sempre de homem, né? Quando eu quero comprar um vestidinho, pintar uma unha ou comprar uma planta nova lá para casa, tenho sempre que consultar o meu marido. Ele não é pão-duro, não. Mas é chato, né? Se eu tivesse dinheiro, tudo seria mais fácil.

Adalberto: Eu não sei qual é a minha maior qualidade. Nem  se eu tenho. Pergunta para elas.

Anfredicto: O que te faz chorar?

Ane: A perda de um amor. Eu vivo o relacionamento, né? Eu disse. Então, o fim de uma relação, para mim, é como se fosse o fim da vida. Nem quero imaginar, Alf, nós dois...

Lu: Quando eu estou naqueles dias, o cara marca comigo, eu me despenco para o fim do mundo... Homem bom nunca tem perto... E, no meio do caminho, o cara liga desmarcando. Cara, eu fico para morrer, com ódio de mim, me prometo que nunca mais vou pagar pau e correr atrás de homem nenhum e choro de raiva. Lógico. Mas, uma semana depois, já estou eu pegando um ônibus, um trem e um jegue para encontrar um novo prospect, como a Marjorie fala.

Marjorie: Eu choro quando uma coleção minha não é aceita pelo público. É quando eu questiono a minha capacidade de fazer o que eu acho que eu nasci para fazer. Então, imagina. É o maior conflito dentro da minha cabeça. Não gosto nem de pensar nisso. Graças a Deus, isso só aconteceu uma vez na minha vida. Foi horrível. Mas passou.

Sara: Eu choro quando o Oswaldo briga comigo na frente de outros casais amigos nossos. Eu fico me sentindo um lixo. Mas é claro que eu não choro na frente das pessoas. Eu vou para o banheiro chorar. Imagina se eu vou deixar as outras mulheres me verem chorar. Eu não dou mesmo o braço a torcer. Faço carão, vou para o banheiro e só saio meia-hora depois toda maquiada. Linda.

Adalberto: Outro dia, eu fui trocar umas tampinhas de refrigerante por uma camisa. Aí, não tinha a cor que eu queria. Sendo que eu já estava me imaginando com aquela camisa. Eu já sabia a festa que eu ia com aquela camisa, a calça e o tênis que eu ia usar com aquela camisa. E aí, quando eu fui trocar as tampinhas, e vi que não tinha a camisa, eu chorei. Chorei muito mesmo.

Alfredicto: O que te faz sorrir?

Ane: Amar e ser amada por um homem. Eu acho que não há nada melhor do que isso para uma mulher. Pelo menos,para mim, não.

Lu: Gente caindo no chão. Não importa se é velho, manco, paraplégico, o que for. Nessas horas, eu não consigo ser decente. Eu perco a linha. Me mijo de rir. Para você ter uma ideia, até quando eu caio, eu morro de rir. Eu não tenho respeito por mim mesma. A louca, né?

Marjorie: Coisas engraçadas me fazem sorrir. Coisas emocionantes e lindas me fazem sorrir. sorrir faz bem para a alma, né? Então, eu procuro sorrir muito. Isso traz positividade também.

Sara: Quando o meu marido me surpreende com alguma coisa eu sorrio, claro. É tão raro. Olha, é difícil ele lembrar do nosso aniversário de casamento, mas, quando ela lembra, eu passo dia inteiro com uma cara de boba alegre. Pura felicidade.

Adalberto: Essa entrevista me faz sorrir. Eu nunca passei por isso e estou achando tudo muito engraçado. Eu, praticamente, estou de frente para Gabi. Fala logo que você é a Marília Gabriela e isso é aqui é uma pegadinha. Pode falar.

Ane: Adal!

O olhar de repreensão da Ane me deu medo.

Adalberto: Estou brincando, Ane. Só para descontrair.

Alfredicto: Bom, eu já tenho a minha decisão. Vocês podem aguardar lá na sala de espera, por favor.

Que estranho. Parecia mesmo uma entrevista de emprego. Achei o Alfredicto muito metódico para dizer que ia namorar a minha prima. Era só falar ali e pronto. Mas, não.

E depois de meia-hora na sala de espera, um funcionário da mansão veio nos dar a notícia.

Funcionário: O resultado da entrevista foi: Ane, 15 pontos. Lu, 45 pontos. Marjorie, 60 pontos. Adalberto, 15 pontos. E Sara, 95 pontos. Portanto, Sara, você é a namorada eleita do senhor Alfredicto.

Ane: Como assim? Eu estava competindo com os meus primos?

Adalberto: É, como assim? Eu não queria participar de uma competição para namorar com o Alfredicto.

Sara: Nem eu. Eu sou casada. Estou fora!

Adalberto: Se ainda fosse para ver quem ficava com o dinheiro dele, tudo bem.

Lu: Que cara idiota. O que ele viu na Sara que não viu em mim?

Marjorie: A gente pode pedir uma revisão de prova? Queria entender os meus 60 pontos.

Adalberto: E agora, Ane? A minha passagem? Ele vai pagar? Era para eu estar correndo a São Silvestre.

Sara: Eu ia para Cabo Frio com o Oswaldo e os trigêmeos.

Lu: Eu desmarquei com um carinha de Belford Roxo.

Marjorie: E eu não confirmei presença na festa do Bruno Chateaubriand.

Nomeio da nossa lamentação, o jatinho do Alfredicto decolou.

Ane: Olha lá. É o jatinho do cachorro, indo para Noronha. Que ódio que eu estou de mim. Quero chorar de raiva.

Adalberto: Chora, sim. E da próxima vez que alguém te perguntar o que te faz chorar você já sabe. Quando alguém viaja de jatinho e te deixa na pista. Essa é a resposta.

Ane: Para, primo! Eu estou triste.

Marjorie: Ah, então, é isso que te faz triste?

Lu: E o que te faz sorrir?

Sara: E o que te faz ter medo? Palhaçada isso aqui...

Terminamos nossa discussão no meu apartamento. Afinal, roupa suja se lava em casa. Depois, bebemos todas. Isso, sim, nos faz sorrir. Depois, do terceiro copo, qualquer coisa fica engraçada. Até uma entrevista ridícula de um milionário mimado. E à meia-noite do dia primeiro de janeiro de 2013, estávamos todos dormindo, feito mendigos, no chão da sala.

E, assim, começou o nosso Ano Novo. O meu desejo? Que essa união nunca seja quebrada.

Feliz 2013 a todos!