quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Um show de casamento


No sábado passado, eu acordei cheio de dores no corpo, febre e dor de garganta. Era a minha gripe pós-carnaval, desejando feliz Ano Novo.

Eu não pretendia fazer nada o dia inteiro, além de ficar tomando paracetamol de oito em oito horas. Até que eu resolvi atender uma ligação da Ane.

Ane: Primo, você precisa me salvar.

Adalberto: Ane, eu estou doente. O médico me deu atestado para três dias.

Ane: Primo, eu vim com a Aninha trocar o vestido de casamento dela aqui no Centro e, agora, tem um bloco de carnaval passando aqui na rua. Não te como a gente passar.

Adalberto: É que hoje, na verdade, é como se fosse o segundo sábado de carnaval, né?

Ane: Pois é, e a gente tem que sair daqui agora.

Adalberto: Mas por quê? Para onde vocês estão indo com tanta pressa?

Ane: Para o casamento da Aninha!

Adalberto: Como assim? Ela resolveu trocar o vestido no dia do casamento?

Ane: Foi. A gente tinha chegado na igreja antes do noivo. Aí, fomos nos esconder num bar, justamente, onde ele estava. Ele acabou vendo o vestido.

Adalberto: E qual o problema disso?

Ane: Dá azar. Fora que perde a graça da surpresa.

Surpresa? Até hoje eu não vi um único noivo que, de cima do altar, ficasse boquiaberto com o vestido escolhido pela mulher. Imagina só...

Noivo: Caraca, amor, você escolheu o vestido que eu usaria se eu fosse você.

Isso não existe!

Adalberto: Ane, o que você quer que eu faça?

Ane: A gente não pode chegar atrasada no casamento.

Adalberto: Não?

Ane: Não. O padre Léo é superchato. Ele não admite atrasos.

Adalberto: Eu já acho que ele está certo. Aliás, acho que todos os casamentos deveriam ser celebrados por esse padre.

Ane: Adal, só você pode salvar a gente.

Adalberto: Ah, eu? A Aninha não me convidou para o casamento dela e eu tenho que salvar vocês?

Ane: Adal, a lista foi muito enxuta, ela teve que cortar vários nomes. Você sabe que ela não tem muita grana. Ajuda a gente, primo.

Adalberto: E o que você quer que eu faça? Que eu vá buscar vocês aí de helicóptero? Eu não tenho helicóptero e a única pessoa que eu conheço que tenha um é o Luciano Huck. Mas ele não fala comigo.

Ane: Por quê, Adal?

Adalberto: Porque a gente não se conhece, ué.

Ane: Ah, que susto... Olha só, deixa eu falar. A gente precisa que você leve mil reais e entregue para o padre Léo na Igreja de São Judas Tadeu.

Adalberto: Vocês acertaram com ele esse valor pelo atraso?

Ane: Não. Isso vai ficar por sua conta. Mil reais está bom, né?

Adalberto: Ane, eu não posso subornar um padre. E esse dinheiro você vai me pagar quando?

E a ligação caiu. Tentei de novo. E nada. Tentei dormir e abstrair o problema da Aninha. E nada. Peso na consciência. Me arrumei e fui atrás do padre Léo. Eu não sabia o que fazer. Mas estava certo de que não iria subornar o cara. Vai contra os meus princípios.

O pessoal da cerimonial deve ter achado que a noiva tinha chegado, quando eu parei com o meu carro em frente à igreja. Uma pequena orquestra iniciou a marcha nupcial, todos os convidados ficaram de pé, o noivo e os padrinhos de cima do altar ansiosíssimos... E eu sem ter cara de sair do carro.

Mas é na hora do desespero e medo que a criatividade vem. Saí do carro sob o olhar assustado de todos e disfarcei o nervosismo, enquanto passava pelo tapete vermelho. Tomei o microfone do padre e comecei.

Adalberto: Boa noite, pessoal. Eu não vim aqui casar com o Ataulfo.

O sorriso de aprovação das pessoas foi a deixa para eu começar o meu show.

Adalberto: Quem aqui nunca atrasou para chegar no dia do seu casamento? Isso é tradição. Mas é chato, não é? Enquanto se espera a noiva, uns olham o celular, outros fumam um cigarrinho, tiram uma melequinha do nariz... E a mulherada? Mulher gosta de competir, né? Gente, isso aqui é uma igreja, não é um ringue de luta!  Já vi um monte aqui olhando de rabo de olho para o penteado de uma, para o vestido da outra... Com umas caras do tipo “a trança embutida dela ficou melhor que a minha, que ódio!”.

E por aí foi. Quando dei por mim, eu já estava há duas horas falando baboseiras naquela igreja. O padre Léo passava mal de tanto rir. Com certeza, ele ia preferir o meu show aos mil reais que a Ane sugeriu. Eu já estava me achando o Rei do Stand Up Comedy. As pessoas já tinham esquecido da existência da Aninha... Quando ela chegou.

Ninguém mais tinha clima para assistir a uma cerimônia tradicional de casamento. Nem o próprio padre. Quando a orquestra voltou a tocar a marcha nupcial, todos vaiaram.

Aninha: Gente, o que é que está acontecendo aqui?

Ane: Adal!

Adalberto: Ué, eu só estava fazendo a minha apresentação. Gente, a Aninha me contratou para isso e já esqueceu. Como é que pode? Olha, Ataulfo, se eu fosse você não casava com ela, não. Mulher de memória fraca... Sabe como é, né?

E a essa altura, qualquer coisa que eu falava, as pessoas se escangalhavam de rir.

Adalberto: Vamos lá, gente. Chega de palhaçada. Agora, a orquestra vai voltar a tocar a marcha nupcial e vocês não vão vaiar, a Aninha vai entrar, as melhores amigas dela vão disputar para ver quem consegue chorar, derramando a maior quantidade de lágrimas em mililitros e o padre vai ter um minuto para celebrar esse casamento.

Ninguém iria aguentar uma hora de blablabá. Três minutos depois, eu já estava no meu carro, levando o pessoal do cerimonial para o local da festa.

Menina do cerimonial: A gente precisa chegar antes dos convidados. Você pode ir mais rápido, por favor?

Adalberto: Claro.

Ultrapassei o sinal vermelho e bati com o carro.

 Menina do cerimonial: Não acredito!

Adalberto: Nem eu. Você vai pagar a franquia do seguro do carro.

Menina do cerimonial: Eu? Você faz a barbeiragem e eu que pago o pato?

Adalberto: Claro. Se não fosse por você, eu não teria ultrapassado o sinal vermelho.

Menina do cerimonial: Ah, então, se eu pedir para você se jogar na linha do trem, você vai fazer isso?

E, depois de uns quinze minutos em que ficamos gritando um com o outro, a Ane me ligou.

Ane: Adal, cadê você com o pessoal do cerimonial?

Adalberto: Ane, eu bati com o carro.

Ane: O quê? Garoto, está todo mundo aqui. O cerimonial precisa começar. A Aninha está uma pilha.

Adalberto: Faz o seguinte: liga a câmera do seu celular, que eu vou ligar a do meu.

Ane: Como assim, garoto?

Adalberto: Eu vou fazer uma apresentação daqui.

Ane: Eu não sei conectar o celular no telão.

Adalberto: Você, não. Mas o técnico de som, sim. Vai lá falar com ele, anda.

E em poucos minutos, eu estava apresentando o meu reality show.

Adalberto: Gente, eu estou aqui com o pessoal do cerimonial. Bati com o carro. A culpa foi minha no acidente. Mas eu só avancei o sinal vermelho, por causa desta senhora aqui. Agora, eu estou aqui nesta avenida esperando a Polícia para fazer o boletim de ocorrência. Eu estou muito nervoso, como vocês podem ver. Mas, para levantar o astral, eu vou pedir para os noivos subirem ao palco e dançarem o Gangnam Style. Com vocês, Aninha e Ataulfo! Aplausos, por favor!

Eu continuei com a transmissão do meu reality, depois da dança do casal. Isso fez passar um pouco a minha tensão pela batida do carro.

Os convidados da Aninha e do Ataulfo acompanharam ao vivo a chegada da Polícia ao local do acidente, o reboque do meu carro e uma pequena discussão, que eu tive com a menina do cerimonial. Entre um evento e outro, eu pedi para o DJ tocar um funk bem baixo nível para os padrinhos dançarem, chamei a valsa dos pais dos noivos e dirigi o momento da Aninha jogar o buquê.

A minha chegada ao salão de festas foi o momento mais aguardado. Os convidados foram ao delírio, quando me viram pelo telão e em carne e osso, na frente deles. Fui ovacionado por todos de pé. Fiquei maluco com aquilo tudo. Tinha até me esquecido que estava gripado.

Apesar de não ter sido convidado para esse casamento, acho que roubei a cena.

Espero que a Aninha e o Ataulfo tenham gostado.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Quando as fantasias são sempre complementares


Depois de um mês procurando lugar para passar o carnaval, eu e as primas decidimos ficar pelo Rio mesmo. Os hotéis baratos já estavam todos lotados e os caros... Eram muito caros. A abertura dos trabalhos começou no sábado passado, no Cordão do Bola Preta. Estava abarrotado.

Sara: Primo, eu não estou conseguindo respirar.

Adalberto: Eu também não.

Sara: Mas você está dançando aí feliz.

Adalberto: Ué, e o que você quer que eu faça? Que eu fique sem respirar e não me divirta? É carnaval.

Sara: Você é doido.

As quatro estavam fantasiadas de empregada doméstica. Eu fui de mordomo. As nossas fantasias são sempre complementares.

Ane: Adal, eu quero fazer xixi.

Adalberto: Faz nas calças. É carnaval.

Ane: Está maluco? Tem um banheiro químico ali do outro lado da rua. Vamos lá comigo? 

Adalberto: Ane, a gente vai demorar uma hora para chegar até lá.

Ane: Não tem problema, vamos.

Combinamos com a Marjorie, a Lu e a Sara de ficar nos esperando numa esquina. Elas ficaram abraçadas a um ferro, que sustenta placa com nome de rua. Foi a maneira encontrada para não ser levadas pela multidão.

Levamos uma hora e meia até chegar ao banheiro químico. A Ane demorou um minuto fazendo xixi. E, nos segundos seguintes, ela acabou com a minha diversão. Quebrou uma garrafa de cerveja na cabeça de um cara. E o detalhe é que nós estávamos do lado de um carro de Polícia.

Adalberto: Ane!

E isso foi tudo o que eu consegui dizer, antes de acompanhar a minha prima à delegacia.

O depoimento dela foi engraçado.

Ane: A gente estava saindo há duas semanas. Mas ele vinha de um relacionamento de sete anos. Estava muito confuso, disse para mim que precisava um tempo para pensar, refletir sobre a vida. Ninguém reflete sobre a vida no Bola Preta. Ele mereceu aquela garrafada na cabeça. E ela morreu numa grana por isso.

Quando saímos da delegacia, encontramos com o Peter Pan, que tinha tentado agarrar a Marjorie.

Peter Pan: A amiga de vocês desmaiou. Eu levei ela desacordada para o hospital.

Adalberto: Era uma das empregas domésticas?

Peter Pan: Era, pô. A que eu tentei pegar.

E de uma forma ou de outra, ele acabou conseguindo.

Ane: Ela está bem?

Peter Pan: Não sei, acho que está, sei lá.

Fomos para o hospital. A Marjorie estava no soro. Estava com desidratação.

Adalberto: Cadê as outras meninas.

Marjorie: A Lu foi pegar bebida com um cara mais velho, que ela estava ficando e nunca mais voltou. E a Sara sumiu.

Fiquei nervoso só de pensar em ligar para o Oswaldo e contar que a Sara sumiu. É prima menos safa que eu tenho. Eu tinha certeza que ela estava chorando em algum lugar. Perdida.

A Sara foi a única que deixou o celular em casa. Eu não tive outra alternativa. Liguei para a casa dela para falar com o Oswaldo. Já estava imaginando o esporro que eu ia levar. O Oswaldo só deixa a Sara sair comigo e com as primas, porque confia cegamente na gente. Liguei sem saber o que dizer.

Sara: Alô.

Em um segundo toda a minha tensão passou.

Adalberto: Prima, é você?

Sara: Ai, Adal, desculpa. Eu saí sem avisar vocês. Não estava aguentando aquilo lá. Eu sabia que se eu falasse que ia embora, vocês não iam deixar.

Eu queria pular de alegria por saber que ela estava bem. Mas não dei o braço a torcer.

Adalberto: Nunca mais faça isso! Quando for assim, a gente vai embora com você. Não esquece do nosso lema “GG – Geral Junto”.

Sara: Está bem. Eu não faço mais isso.

Menos um problema. Liguei para a Lu.

Lu: Oi, primo.

Adalberto: Cadê você?

Lu: Só um instantinho, Adal. A ligação está falhando. Aqui o sinal está péssimo.

Não estava nada. A ligação estava perfeita. A Lu estava armando.

Lu: Primo, que bom que você me ligou. Eu estava louca, querendo falar com você, mas não podia te ligar sem motivo.

Adalberto: Ué, se você não tem motivo, realmente, para que ia me ligar?

Lu: Mas eu tenho motivo. Mas é um motivo secreto.

Adalberto: Lu, o que é que está acontecendo? Cadê você?

Lu: Garoto, eu estou aqui em Cabo Frio. Vim com um coroa para cá. O cara tem bala, é endinheirado, vim no jatinho dele. Muito chique a gente entrando no Santos Dumont para pegar um avião particular.

Adalberto: Você está muito bem parada, então.

Lu: O pior é que não. O quarto do cara é todo decorado com arma. Tem de todos os tipos e tamanhos. Eu estou morrendo de medo. Não vou conseguir dormir com ele lá. Primo, vem para cá agora. Me tira daqui.

Adalberto: Lu, inventa alguma coisa, vai para a rodoviária e volta para o Rio.

Lu: Já tentei. Ele não deixa eu sair, não sai detrás de mim. Olha, já está vindo aqui me ver. Te passo o endereço por mensagem. Beijo.

Fui com a Ane e a Marjorie para Cabo Frio. Levei duas horas para chegar lá. E uma hora procurando o endereço do coroa do Lu.

A frente da casa era linda. O muro era alto, mostrava pouco. Mas o pouco que dava para ver era muito para os meus olhos.

Conhecemos o Astronelson. Não tinha cara de matador. Mas isso não diminuiu o medo da Ane e da Marjorie.

Marjorie: Adal, a gente não vai demorar, né?

Ane: Eu não gostei nadinha daqui.

Eu tinha adorado. E o motivo tinha nome e sobrenome: TOBOÁGUA GIGANTE! A casa do Astronelson tinha um toboágua gigante! Virei um pinto no lixo. E o lixo, nesse caso, era uma piscina olímpica. Desci de barriga para cima, de barriga para baixo, sentado de frente, sentado de costas, de cabeça para baixo... Eu não queria outra vida. Adoro toboágua!

Ane: Adal, sai desse toboágua um pouco.

Marjorie: É, garoto, vamos embora. Esqueceu que a Lu está correndo risco aqui?

E o pior é que eu tinha me esquecido mesmo. Mas também não queria ir embora. Queria ficar ali para sempre.

Estava tudo perfeito para mim. O Astronelson não devia ser um mau sujeito. Um cara que tem um toboágua gigante em casa não pode ser um mau sujeito!

Contrariando as minhas primas, decidi que ia ficar. E a cada novo pulo, uma nova dificuldade. Até que lembrei da Daiane dos Santos e resolvi dar um duplo twist carpado, cair deitado no toboágua e correr para o abraço. E foi isso que aconteceu. Eu dei um salto que eu juro que era um duplo twist carpado, bati com a cabeça e caí deitado no toboágua e corri para os braços das minhas primas todo ensanguentado.

Como eu não posso ver sangue, desmaiei, claro. Quando acordei, estava com a cabeça enfaixada e com todas as primas em volta de mim.

Adalberto: Onde é que eu estou?

Marjorie: Num hospital, em Cabo Frio.

Ane: Você bateu com a cabeça no toboágua, na casa do Astronelson.

Adalberto: Eu lembro. Só perguntei porque vi a Sara aqui. O que você está fazendo aqui, Sarita?

Sara: Vim te ver, ué.

Adalberto: O Oswaldo te trouxe?

Sara: Não. Vim de ônibus mesmo.

Adalberto: Amore, não precisava.

Lu: Não precisava mesmo, não. Ele não tem consideração com a gente... Eu morrendo de medo de ficar naquela casa e esse garoto brincando de toboágua. Francamente, né, seu Adalberto!

Ane: Só levando umas porradas mesmo.

Marjorie: Merece.

Adalberto: O importante é que ficou tudo bem. Conseguimos tirar a Lu daquela casa com um motivo nobre.

Marjorie: Isso é verdade. Se não fosse esse garoto bater com a cabeça, a gente não ia ter desculpa para sair de lá.

Ane: Isso é verdade. Ele queria porque queria que a gente ficasse até amanhã para o churrasco que ele ia fazer.

Lu: A família dele ia toda para lá.

Sara: Há males que vêm para o bem, né, primo?

Adalberto: Concordo. Mas, agora, me tira daqui. Eu já estou bom.

E voltamos para o Rio. Mas, antes, passamos numa loja de uniformes. Fomos para um bloco em Ipanema. Eu era o doente e elas, as enfermeiras. As melhores que eu poderia ter.

As nossas fantasias são sempre complementares.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Festa surpresa, em pleno carnaval, vira o samba do crioulo doido

Ontem, foi aniversário do meu pai e, um dia antes, eu sugeri para as primas de fazermos uma festa surpresa para ele no meu apartamento.

Lu: Ih, estou fora.

Ane: Ah, primo, eu queria ir para um bloco de carnaval.

Sara: As nossas festas surpresa nunca dão certo.

Marjorie: Eu fui convidada para um camarote na Bahia. Ia para lá amanhã.

Nada do que elas falaram pesou mais do que a minha chantagem emocional. E, ontem, estávamos todos aqui arrumando as coisas da festa.

Sara: Olha, eu virei a noite fazendo bolo doce, bolo salgado, salgadinho, docinho... Não consigo fazer nada com os trigêmeos acordados. Estou morta. O tio Beto vai ficar me devendo essa.

Lu: E eu virei a noite com o vocalista do Samba Molecada. Nem queria mais ficar com aquele cara. Tudo por um show de graça.

Adalberto: O meu pai adora o Samba Molecada, vai ficar muito feliz. Obrigado, prima. Aliás, obrigado a todas.

Ane: Ah, bom, porque eu também virei a noite, procurando foto antiga e decorando o apartamento para a festa.

Marjorie: E eu virei a minha conta bancária de cabeça para baixo, para comprar esse cordão para ele. Olha, gente.

Adalberto: Jojô, que cordão lindo. Meu pai adora cordão de ouro. E esse deve ter a soma das nossas idades em quilates.

O Marjorie riu e eu percebi que tinha falado a maior burrice dos últimos tempos.

Adalberto: Não ri. Eu não compro ouro como quem comprar arroz e feijão para botar na dispensa de casa.

A bem da verdade é que eu não fazia a mínima ideia de até quantos quilates poderia ter uma peça de ouro.

Marjorie: Garoto, o ouro puro tem vinte e quatro quilates.

Adalberto: Obrigado, professora.

Ane: Esse cordão é de ouro puro?

Marjorie: É.

Sara: Ele é lindo, prima.

A campainha tocou. Eram os integrantes do Samba Molecada.

Depois que eles terminaram de montar os equipamentos e se posicionaram, eu tive dúvidas sobre se ainda caberia mais alguém na minha sala.

Lu: Gente, agora não falta mais nada. Vamos ligar para o tio Beto?

Marjorie: Adal, é com você.

Liguei e ele não atendeu. Tentei de novo e, quando o meu pai disse "alô" com um samba gritando ao fundo, eu gelei. Como eu pude me esquecer que ele ia ver os desfile do Grupo de Acesso no Sambódromo?

Cancelei a ligação e simulei uma conversa com o meu pai. Fiz todo um drama.

Adalberto: O quê? Eu não estou acreditando nisso. Pai, que coisa horrível! Não, nem vem aqui. Pode ser arriscado. Se o médico disse repouso, o senhor tem que repousar. Nossa, eu estou aqui imaginando o susto que foi. E minha mãe? Imagino, coitada. Olha, agora sou eu é que não quero que vocês venham. Eu estou ligando só para te desejar parabéns... Em meu nome e em nome das primas. Elas estão todas aqui. Não, vieram aqui só para a gente bater papo mesmo e tomar uma cervejinha. Nada demais. Vai lá, descansa, sim. Te amo. E se cuida, hein. Nada de sair de casa amanhã também. Beijo.

As primas estavam fizeram caras de preocupadíssimas durante a minha "conversa"com o meu pai. Isso era um bom indício.

Marjorie: O que é que houve com o tio Beto?

Adalberto: Foi assaltado, reagiu, o assalto virou um sequestro relâmpago, ele ficou em cárcere privado e só chegou em casa agora.

Sara: E a tia Neide?

Adalberto: Estava com ele. Não está conseguindo nem falar, assustadíssima.

Marjorie: Adal, vamos lá na casa deles agora.

Ane: Lógico.

Adalberto: Gente, não! O Samba Molecada está aqui. A gente não pode deixar eles aqui em casa sozinhos.

Lu: A gente cancela esse show. Eu não paguei por isso mesmo.

Sara: É, Adal, vamos lá.

Adalberto: Não. Meninas, o meu pai já está dormindo a essa hora. Eles ligaram para o médico, que disse que eles devem ficar em repouso absoluto.

Lu: Que mané repouso absoluto? Eu vou lá ver os meus tios e eu quero ver um médico me impedir.

Adalberto: Lu, a minha mãe não quer ninguém lá em casa. O meu pai disse. Por ele, a gente até ia lá agora, mas a minha mãe não quer. Vocês sabem como é a minha mãe. Ela não vai gostar nada se a gente for lá, sem ela querer receber visita.

Marjorie: É, gente, vamos amanhã, então.

Lu: Está bem. A gente dorme aqui e, quando a gente acordar, já mete o pé para lá.

Adalberto: Boa.

Ane: E o que a gente faz com essa festa montada para o tio Beto? Cancela?

Sara: Eu não tenho espaço em casa para guardar as coisas que eu fiz, não. E tem coisa ali que estraga, se ficar muito tempo fora de geladeira.

Adalberto: Gente, vamos convidar alguém que faça aniversário hoje.

Marjorie: Como assim, garoto?

Sara: Está maluco, Adal?

Lu: Vamos fazer a nossa festa, então. Nada de chamar alguém para cá, para se aproveitar da festa que a gente montou para o meu tio.

Ane: É, também acho.

Adalberto: Meninas, sejam espertas. Vamos chamar alguém influente, da grana, que vai querer retribuir a surpresa para a gente, dar um presente bom nos nossos aniversários, convidar a gente para um camarote incrível no carnaval do ano que vem, pagar uma viagem dos sonhos para a gente...

Ane: Boa ideia, primo.

Eu sabia que a Ane não ia me decepcionar.

Sara: Chamar alguém aqui só para isso?

Adalberto: Só para isso? Sara, pensa alto. Já que o meu pai não pode vir, vamos transformar essa festa numa moeda de troca. Pensa alto. Você tem três filhos pequenos. O que você tem vontade de dar para eles que o dinheiro não permite?

Lu: Sabe que eu já estou começando a achar isso uma boa ideia?

Sara: Ah, por mim, vocês fazem o que quiserem.

Adalberto: A gente precisa, agora, olhar no Facebook quem faz aniversário hoje.

Lu: Eu vou olhar no meu.

Adalberto: Lu, o seu, não. A gente sabe que a única pessoa aqui, que conhece gente que tem bala é a Marjorie.

Marjorie: Ah, não.

Ane: Eu já fiquei com um carinha que é dono de um lava a jato. Acho que ele faz aniversário hoje.

Adalberto: Ane, o dono de um lava a jato não pode fazer nada por nós, além de dar uma geral nos nossos carros. É para pensar alto. Jojô, ajuda a gente.

Marjorie: Adal, eu não vou usar os meus amigos para ter algum retorno.

Adalberto: Não usa um amigo, usa um cliente. Cliente não é amigo. Cliente a gente finge que é amigo.

Marjorie: Cara, sabe que você me deu uma ideia. O Carlandro Moneró está para fechar com a minha fábrica uma coleção de bolsas.

Ane: Ele é o quê?

Marjorie: Dono de uma rede de lojas.

Adalberto: E o aniversário dele é hoje?

Marjorie: É. Hoje não é dia nove?

Adalberto: Não! Hoje é dia oito, aniversário do meu pai, esqueceu?

Marjorie: Putz, é mesmo. O do Carlandro é amanhã.

Adalberto: Não tem problema. A gente liga para ele às onze e chama ele para cá. Até ele chegar aqui, já vai ser meia-noite. Ele vai ficar eternamente grato a você e vai fechar com você uma coleção de bolsas, vai fechar com uma agência de viagens as nossas passagens para o Taiti, vai fechar o trânsito para a gente passar e muito mais!

Às onze em ponto a Marjorie ligou para o Carlando Moneró. O cara estava acordado e aceitou na boa. O nosso plano estava indo muito bem.

Quando ele chegou, fizemos coro de parabéns com o grupo Samba Molecada. O Carlando caiu aos prantos de emoção e eu tive a certeza de que marcamos um baita gol.

Adalberto: Querido, esse é o nosso presentinho para você! Meus parabéns!

Dei o cordão de ouro puro, que a Marjorie tinha comprado para o meu pai.

Adalberto: Olha, a Marjorie fala muito bem de você. Tão bem que a gente resolveu preparar essa festinha surpresa especialmente para você.

Carlandro: Obrigado, Marjorie. Não precisava disso tudo. Até grupo de samba. Deixa eu te dar um beijo.

E depois que ele cumprimentou todas as primas, veio a bomba.

Ane: Gostou mesmo, Carlando?

Carlandro: Gostei e queria muito poder retribuir isso a vocês.

Lu: Mas você pode retribuir, fica à vontade.

Sara: Eu tenho que te apresentar os meus trigêmeos. Eles são lindos.

Adalberto: Carlandrão, relaxa. Nada que uma viagem maneira não resolva. E você ainda pode vir com a gente.

Carlandro: Vocês não sabem o que aconteceu comigo.

Marjorie: O quê?

Carlandro: Eu perdi a sociedade lá da grife. A minha ex-mulher me denunciou para a Polícia. Eu prefiro nem entrar muito em detalhes. O fato é que eu não sou mais dono de nada. Não tenho mais nada. Só dívidas para pagar.

Marjorie: Mentira.

Carlando: Sério. Por isso que eu não te liguei. Eu queria fechar com você aquela coleção de bolsas, mas não vai mais rolar. O meu sócio cancelou todos os contratos que eu tinha fechado e disse que não vai fazer mais nada com os meus fornecedores.

Marjorie: Me ferrei nessa.

Carlandro: Eu nem posso ficar muito tempo aqui. Amanhã, tenho mudança para fazer. Estou vendendo o meu apartamento para quitar umas dívidas. Eu estou cheio de dívidas. Se vocês não se importarem, eu vou vender esse cordão de ouro para me ajudar a pagar umas outras contas pendentes.

Adalberto: Claro que me importo. Aliás, me dá aqui esse cordão. Ele já tem dono.

Lu: Queridão, foi muito bom te conhecer, mas acho que está mesmo na hora de você ir embora.

Ane: É, vai nessa, Carlandro.

Sara: Tchau, muito prazer.

Marjorie: Beijo, Cacá. Boa sorte. E se precisar de alguma coisa...

E depois que ele fechou a porta ela completou.

Marjorie: Não conte comigo!

A festa recomeçou e o samba voltou a comer solto. Por volta das sete horas da manhã, ainda estávamos de pé. O Samba Molecada já tinha parado de tocar há horas, mas a cerveja parecia nunca acabar.

A campainha tocou novamente. E, para a minha surpresa, era o meu pai com a minha mãe. Puxei um parabéns e, enquanto as primas cantavam, disse ao pé do ouvido dele que montamos uma festa para quando ele chegasse do desfile, mas a fome era tanta, que não conseguimos esperar.

A minha mãe ouviu.

Neide: Vocês deviam ter esperado.

Adalberto (pai): Tudo bem. Tem alguma coisa para eu comer? Estou morrendo de fome.

Não tinha mais uma única coxinha para contar a história.

Adalberto: Tem lasanha congelada. Serve?

Adalberto (pai): Claro.

Adalberto: As coisas, que a Sara fez para a festa, acabaram todas.

Adalberto (pai): Não tem problema, meu filho. O que vale é a intenção.

Adalberto: Que bom. Toma aqui esse cordão de ouro, que a gente comprou para o senhor.

E, no fim da contas, deu tudo certo.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

A revolta contra a Moma Maluca

Ontem, no fim da tarde, a Sara, a Lu e a Ane foram para a minha casa. A Marjorie, não, porque tinha um compromisso com o novo namoradinho. Ficamos conversando, rindo, comendo e bebendo. E quando já não tínhamos mais nada para fazer, decidimos ver um filme.

Ane: O que você tem aí de bom, Adal?

Adalberto: Quase nada. O que vocês querem ver? Romance, terror, comédia, drama...

Sara: Comédia.

Ane: Romance.

Lu: Terror.

Adalberto: E eu quero drama. Portanto, como estamos na minha casa e, aqui, quem manda sou eu, vamos ver um drama.

Ane: Nada disso.

Lu: Eu vou embora, então.

Adalberto: Está bem, tchau.

Ane: Não. Se ela for, eu também vou.

Adalberto: Tchau para você também. Só não esquece de fechar a porta.

Sara: Assim, não, Adal. A gente veio aqui para passar a tarde com você.

Adalberto: Já passou das seis, já é noite. Obrigado pela companhia.

Lu: Esse garoto é muito grosso.

Adalberto: Grossa é você.

Ane: Vamos, gente. Deixa ele aí sozinho.

Sara: Primo, você tem que entender que a gente viver numa democracia.

Adalberto: Fora da minha casa. Aqui dentro é do jeito que eu quero, ditadura.

Lu: Ridículo!

Ane: Vamos, gente. E, a partir de agora, a gente não pisa mais aqui nessa casa.

E como eu ia viver sem elas?

Adalberto: Não! Eu estava brincando. Calma! Sara, dá uma ideia. Como a gente faz para escolher a filme, que a gente vai ver? Sorteio, não sei, dá uma ideia.

Sara: Vamos fazer zerinho ou um, como a gente fazia quando era criança?

Adalberto: Tudo bem. Ane, Lu, não vão embora, não. Eu amo vocês.

E elas ficaram, claro. Elas não resistem a minha chantagem emocional barata.

A Ane ganhou no zerinho ou um e eu me dei conta de que não tinha nenhum filme de romance na minha casa.

Ane: Ah, escolhe aí qualquer coisa, então, Adal.

E eu, que tinha plantado toda aquela discórdia para ver um drama, escolhi "A noiva do Chucky", uma comédia. Não tenho vergonha na cara mesmo.

Lu: Só rindo...

No meio do filme, a campainha tocou.

Sara: Adal, você está esperando alguém?

Adalberto: Não.

Ane: Ai, Sara, que perguntinha mais novela das oito essa sua, hein.

Adalberto: Isso é muito pergunta  "nada a ver" de novela.

Lu: Muito! Eu vou ter que contar para os autores, que o porteiro, o entregador de flores e o religioso, que distribui livrinho, não marcam hora com a gente?

Ane: Mas você  já viu que, quando são essas pessoas que tocam a campainha nas novelas, ninguém pergunta nada?

Adalberto: Verdade... Deve ser porque, para isso, não precisa suspense. Enfim, isso merece um estudo mais profundo, mas agora, deixa eu abrir a porta, antes que o porteiro, o entregador de flores ou o religioso, que distribui livrinho, vá embora. Dá um pause aí no filme.

Era a Marjorie.

Marjorie: Surpresa!

Adalberto: Isso não é uma surpresa. Aconteceu alguma coisa, fala logo.

Marjorie: Ai, primo, eu quero chorar.

Adalberto: Vem cá, minha flor, me dá um abraço. A gente está na metade de um filme, mas pode começar de novo, se você quiser.

Marjorie: Adal, eu mal tenho tempo para esse seu abraço. Vocês precisam me ajudar agora.

Sara: O que foi que aconteceu?

Marjorie: Eu contei para vocês que o Deucleciano coleciona bonecas?

Lu: Não. Coisa ruim, a gente esconde.

Marjorie: Mas nem é isso. Eu ia contar para vocês. Não tive tempo.

Adalberto: Marjorie, o teu namorado coleciona boneca? Como assim?

Marjorie: Ele é filho único e, desde bem novinho, queria ter uma irmãzinha. A mãe dele não queria mais filho e deu para ele uma boneca de presente de Natal e disse que era a irmãzinha, que ele tanto pedia.

Ane: Quando isso?

Marjorie: Ah, sei lá. Ele era pequeno.

Lu: E como é que ele começou a colecionar boneca?

Marjorie: Ele começou pedindo outra irmãzinha e outra, e outra, e outra e por aí vai... Fora que, às vezes, ele estragava uma boneca, que para ele era uma irmãzinha, e a mãe tinha que repor.

Sara: Que coisa de doido, né?

Marjorie: É... Ele cresceu e, quando se deu conta de que as bonecas não era suas irmãzinhas, já era tarde. Ele já estava apegado a todas elas. E não para de aumentar o acervo.

Adalberto: Mas qual é o motivo do teu desespero?

Marjorie: A Moma Maluca.

Ane: O quê? Ele tem uma Moma Maluca?

Marjorie: Tem. Quer dizer, tinha. É por isso que eu estou aqui.

Adalberto: O que aconteceu?

Marjorie: A gente já está saindo há umas duas semanas direto. Ele levou umas roupas para deixar lá em casa e umas bonecas. E a Moma Maluca estava entre elas. Gente, eu não conseguia dormir com a Moma Maluca no meu quarto. Parecia que ela estava olhando para mim.

Lu: Eu tenho pavor da Moma Maluca.

Adalberto: Eu também.

Sara: Gente, vocês me falaram na época, mas eu não consigo acreditar nessa história de que a Moma Maluca vinha com uma faca dentro.

Ane: Sara, se você não tem medo, vai num antiquário comprar uma Moma Maluca para as suas filhas.

Sara: Eu,. não.

Ane: Então, pronto. Gente, eu morria de inveja, quando ia brincar com a Camilinha, porque ela era a única que tinha uma Moma Maluca.

Sara: A Camilinha é a filha da Selma?

Ane: Isso.

Sara: Como é que ela está, hein.

Ane: Está bem, parece que vai casar daqui há duas semanas. Mas deixa eu falar da Moma Maluca!

Lu: Fala!

Ane: Um dia, ela me emprestou a Moma Maluca para levar para casa. E o meu egoísmo e a minha inveja me fizeram descobrir, que a quela boneca vinha com um facão dentro. Eu cortei a Moma Maluca da Camilinha toda e, quando vi aquele facão dentro da barriga dela, chorei de medo.

Lu: Eu lembro disso, deu o maior rolo lá na rua, ninguém acreditou em você. Minha tia teve que comprar outra Moma Maluca para a Camilinha...

Marjorie: Gente, essa boneca é maldita, não foi à toa que ela foi um boom de vendas. Mas, agora, eu preciso falar. Eu estou desesperada, eu preciso da ajuda de vocês.

Adalberto: Fala!

Marjorie: Eu abri a Moma Maluca do Deucleciano.

Ane: Mentira!

Lu: E aí?

Marjorie: Tinha um facão dentro, eu morri de medo e joguei aquela boneca fora.

Nessa hora, o olhar da Marjorie mirou a televisão e ela viu a imagem congelada da noiva do Chucky.

Marjorie: Ai, gente, desliga essa televisão. Só de olhar essa boneca, me dá arrepio.

Eu desliguei.

Sara: Mas o que você quer que a gente faça?

Marjorie: A gente precisa achar essa Moma Maluca. O Deucleciano me ligou todo nervoso, perguntando por ela, que ela é a irmãzinha que ele mais ama.

Ane: E aí?

Marjorie: Eu disse que fui levar a irmãzinha dele para passear, que ela fica muito dentro de casa, precisava pegar um ar, ver as modas...

Adalberto: E isso colou?

Marjorie: Claro. Ele vive levando a Moma Maluca para passear. Antes da gente começar a namorar, ele saía muito com ela.

Lu: Que cara retardado!

Sara: Doido!

Ane: Ele precisa de um psicólogo.

Marjorie: Eu sei, mas depois, a gente vê isso. Agora, eu preciso encontrar essa Moma Maluca.

Adalberto: Impossível. Vamos fazer o que a Ane sugeriu para a Sara. Vamos num antiquário e compramos uma. Aí, você coloca lá no teu quarto de volta.

Marjorie: Não dá. A Moma Maluca dele é toda estilizada, tem tatuagem, piercing, cabelo pintado de roxo...

Eu e as outras primas estávamos perplexos.

Adalberto: Marjorie, corre desse homem! Ele é tão perigoso quanto a Moma Maluca!

Marjorie: Gente, eu não vim aqui para ficar ouvindo conselhos. Vocês podem me ajudar ou não?

E fomos para o aterro sanitário para onde todo o lixo do Rio de Janeiro é depositado. Por sorte, a Ane já tinha ficado com o melhor amigo do gerente de lá, que era louco para ficar com a Lu, que foi a nossa moeda de troca.

Depois de três horas revirando lixo, a Sara foi a primeira a desistir.

Sara: Gente, eu não aguento mais.

Adalberto: Na boa, nem eu. Não tenho talento para catador de lixo. Isso aqui fede muito.

Ane: Eu também estou morta.

Marjorie: Gente, não para, por favor. Eu preciso encontrar essa Moma Maluca.

Adalberto: Marjorie, é quase impossível. Fora que é desumano procurar uma boneca no meio dessa montanha de lixo. Vamos embora. Diz que a Moma Maluca foi sequestrada. Da mesma maneira que ele acreditou que você tinha ido levar a boneca para pegar um ar, ele vai acreditar que alguém é capaz de querer sequestrar aquilo.

Marjorie: Será?

Ane: Claro que sim.

Voltamos para a minha casa sem a Lu, que ficou de namorico com o gerente do aterro sanitário. No caminho, a Marjorie ligou para o Deucleciano fingindo que estava chorando e pediu para ele ir lá em casa.

Quando chegamos, ele já estava na portaria. Já estava tudo combinado. Só que eu ainda não estava preparado para chorar. Eu precisava de tempo para ficar com o olho arregalado até que ele começasse lacrimejar, mas não dava. O Deucleciano chegou muito rápido. Minha alternativa foi fingir que chorava com a mão no rosto.

A princípio, a Marjorie foi a única que conseguiu chorar. Mas, àquela hora, era de verdade. Era de medo.

Marjorie: Amor, eu estou arrasada dessa vida.

Deucleciano: O que foi que aconteceu?

Marjorie: Eu fui levar a Moma Maluca para passear com os meus primos e dois caras chegaram em cima de mim, me apontaram uma arma e levaram a tua irmãzinha. O Adal ainda conseguiu tomar a arma deles, a Sara e a Ane me ajudaram a tentar pegar a boneca, mas eles bateram na gente.

Eu queria rir. Eu jamais tomaria uma arma de dois bandidos.

Deucleciano: E por que você não atirou neles?

Adalberto: Eu?

Eu não sabia o que dizer e, quando disse, esqueci de chorar junto da fala.

Adalberto: Porque eu não vou atirar num bandido, por causa de uma boneca.

Deucleciano: Mas a Moma não é só uma boneca! É a minha irmãzinha!

O Deucleciano chorou copiosamente e a Sara e a Ane se emocionaram de verdade. Foi uma cena patética, mas até o porteiro do meu prédio chorou.

De repente e inesperadamente, um carro lindo para em frente ao meu prédio, buzinando para nós. Era a Lu com o gerente do aterro.

Lu: Você não vão acreditar. Assim, que vocês saíram, chegou um caminhão do lixo e despejou essa Moma Maluca lá no aterro. Eu vi na hora e peguei. Só pode ser a do namorado da Marjorie. Ela tem o cabelo roxo, tem piercing e tatuagem... Ó, salvei tua vida.

O Deucleciano correu para fora para pegar a Moma Maluca com a Lu. Ele abraçava e beijava muito a boneca. Ela estava imunda de lixo. E ele nem aí.

Deucleciano: Meu amor, minha vida. Eles abriram você. Que gente maldita! Coitadinha.... Ah, vida cruel! Eu quero matar quem te matou! Eu quero matar! Matar!

Adalberto: Ah, ela morreu? Não dá para mandar costurar a barriga dela e fingir que ela está viva? Não vai mudar muita coisa.

Pela cara do Deucleciano, parecia que eu tinha falado o maior absurdo.

Deucleciano: Como? Ela está morta! Não tem mais jeito! Eu só queria saber quem matou a minha irmãzinha. Eu ia torturar essa pessoa. Não ia matar de uma vez, não. Ela ia ver a desgraça antes de morrer.

A Marjorie soou frio só de imaginar se o Deucleciano descobrisse a verdade. Ele ficou a noite toda chorando. A Marjorie, que estava morta e não tinha o menor envolvimento afetivo com a Moma Maluca, dormiu a noite toda.

Há mais ou menos uma hora, cheguei em casa com a Ane e a Sara. Mais cedo, estávamos no enterro da Moma Maluca do Deucleciano com a Marjorie. A Lu também foi  com o gerente do aterro sanitário, que até agora, eu não sei o nome. De lá, eles foram para Cabo Frio. A Marjorie foi para casa e disse que precisava ficar sozinha.

Nós só fomos ao enterro para dar tempo para o meu pai e minha mãe juntarem todas as roupas e bonecas do Deucleciano, que estavam na casa da Marjorie, tirar de lá e trocar a fechadura.Alguém precisava fazer isso sem ele lá dentro.

No fim do enterro, as tralhas do Deucleciano já estavam todas dentro da mala do carro da Marjorie. No carro, ele estranho o caminho que ela tinha pegado para ir para casa.

Deucleciano: Por que você não pegou o viaduto?

Marjorie: Porque eu vou te deixar na tua mãe. Nessas horas, é de um bom colo de mãe que a gente precisa.

Na porta da casa da mãe do Deucleciano, ela contou que estava muito confusa, que ia ter que fazer uma viagem longa a trabalho e que precisava de um tempo. Entregou a bolsa com todas as coisas dele e disse que o procuraria quando voltasse.

Deucleciano: Você não falou nada dessa viagem antes?

Marjorie: Eu tinha medo de te decepcionar.

Deucleciano: Mas decepcionou.

Mas, àquela hora, já era tarde. Ele já tinha decepcionado ela muito mais. E a mim também.

Marjorie: Eu lamento. Lamento muito. Vou orar muito pela Moma Maluca.

Ela podia ter dormido sem essa.

Deucleciano: Eu acredito em Deus e sei que, de onde ela está agora, ela está muito bem. Ela era uma boa pessoa.

Oi? Eu ouvi pessoa?

Marjorie: A gente se fala quando eu voltar. Tchau.

E se beijaram pela última vez.

Enquanto isso, eu a Sara e Ane recomeçamos a ver "A noiva de Chucky" de onde havíamos parado ontem. E no finzinho do filme, a campainha toca.

Sara: Você está esperando alguém, Adal?

Ane: Sara, não começa você com essa pergunta de novela de novo, não, por favor.

Adalberto: Esqueceu que o porteiro, o entregador de flores e o religioso, que entrega livrinho, não marcam hora?

Eram a Marjorie e a Lu.

Adalberto: Ué, uma disse que queria ficar sozinha e a outra, pelo que eu sei, ia para Cabo Frio com o novo namoradinho. O que aconteceu?

Lu: Ah, aquele cara é um idiota. Sugeriu de levar outra mulher na viagem. Ele teve a cara de pau de me dizer se eu não topava transar com ele e mais uma, que era o sonho dele.

Ane: E aí?

Lu: Eu disse que não, né? Terminei com esse idiota. Fiz ele parar o carro na subida da Ponte, desci, peguei minhas coisas e fui para a casa da Marjorie.

Adalberto: Caramba, você terminou com o cara e eu ainda nem sei o nome dele.

Lu: Nem precisa mais. Para que saber o nome daquele encosto?

Ane: É... Virou passado.

Adalberto: Então, agora, eu tenho as quatro primas só para mim? Lu, você, que não quis fazer a três, agora, vai ter que fazer a cinco. Vamos beber muito a cinco, que tal?

Marjorie: Ótima ideia, primo. Tem cerveja aqui ou quer que eu compre lá embaixo?

Adalberto: Te muita cerveja aqui. Mas, quando acabar, a gente desce e compra mais lá embaixo.

Sara: Mas e o final do filme? A gente não vai ver? Já estava no finzinho...

Adalberto: Esquece esse filme. Já estou legal de histórias de bonecas malditas.

E bebemos até achar graça da Moma Maluca.