No sábado passado, eu acordei cheio de dores no
corpo, febre e dor de garganta. Era a minha gripe pós-carnaval, desejando feliz
Ano Novo.
Eu não pretendia fazer nada o dia inteiro, além de
ficar tomando paracetamol de oito em oito horas. Até que eu resolvi atender uma
ligação da Ane.
Ane:
Primo, você precisa me salvar.
Adalberto:
Ane, eu estou doente. O médico me
deu atestado para três dias.
Ane:
Primo, eu vim com a Aninha trocar o
vestido de casamento dela aqui no Centro
e, agora, tem um bloco de carnaval passando aqui na rua. Não te como a gente
passar.
Adalberto:
É que hoje, na verdade, é como se fosse o segundo sábado de carnaval, né?
Ane: Pois
é, e a gente tem que sair daqui agora.
Adalberto:
Mas por quê? Para onde vocês estão indo com tanta pressa?
Ane:
Para o casamento da Aninha!
Adalberto:
Como assim? Ela resolveu trocar o vestido no dia do casamento?
Ane:
Foi. A gente tinha chegado na igreja antes do noivo. Aí, fomos nos esconder num
bar, justamente, onde ele estava. Ele acabou vendo o vestido.
Adalberto:
E qual o problema disso?
Ane: Dá azar. Fora que perde a graça da
surpresa.
Surpresa? Até hoje eu não vi um único noivo que, de
cima do altar, ficasse boquiaberto com o vestido escolhido pela mulher. Imagina
só...
Noivo: Caraca,
amor, você escolheu o vestido que eu usaria se eu fosse você.
Isso não existe!
Adalberto:
Ane, o que você quer que eu faça?
Ane: A
gente não pode chegar atrasada no casamento.
Adalberto:
Não?
Ane:
Não. O padre Léo é superchato. Ele
não admite atrasos.
Adalberto:
Eu já acho que ele está certo. Aliás, acho que todos os casamentos deveriam ser
celebrados por esse padre.
Ane: Adal, só você pode salvar a gente.
Adalberto:
Ah, eu? A Aninha não me convidou
para o casamento dela e eu tenho que salvar vocês?
Ane: Adal, a lista foi muito enxuta, ela
teve que cortar vários nomes. Você sabe que ela não tem muita grana. Ajuda a
gente, primo.
Adalberto:
E o que você quer que eu faça? Que eu vá buscar vocês aí de helicóptero? Eu não
tenho helicóptero e a única pessoa que eu conheço que tenha um é o Luciano Huck. Mas ele não fala comigo.
Ane: Por quê, Adal?
Adalberto: Porque a gente não se conhece, ué.
Ane: Por quê, Adal?
Adalberto: Porque a gente não se conhece, ué.
Ane: Ah, que susto... Olha só, deixa eu falar. A gente precisa que você leve mil reais e entregue
para o padre Léo na Igreja de São Judas Tadeu.
Adalberto:
Vocês acertaram com ele esse valor pelo atraso?
Ane:
Não. Isso vai ficar por sua conta. Mil reais está bom, né?
Adalberto:
Ane, eu não posso subornar um padre.
E esse dinheiro você vai me pagar quando?
E a ligação caiu. Tentei de novo. E nada. Tentei
dormir e abstrair o problema da Aninha.
E nada. Peso na consciência. Me arrumei e fui atrás do padre Léo. Eu não sabia o que fazer. Mas estava certo de que não iria subornar o cara. Vai contra os meus princípios.
O pessoal da cerimonial deve ter achado que a noiva
tinha chegado, quando eu parei com o meu carro em frente à igreja. Uma pequena
orquestra iniciou a marcha nupcial, todos os convidados ficaram de pé, o noivo
e os padrinhos de cima do altar ansiosíssimos... E eu sem ter cara de sair do
carro.
Mas é na hora do desespero e medo que a
criatividade vem. Saí do carro sob o olhar assustado de todos e disfarcei o
nervosismo, enquanto passava pelo tapete vermelho. Tomei o microfone do padre e
comecei.
Adalberto:
Boa noite, pessoal. Eu não vim aqui casar com o Ataulfo.
O sorriso de aprovação das pessoas foi a deixa para
eu começar o meu show.
Adalberto:
Quem aqui nunca atrasou para chegar no dia do seu casamento? Isso é tradição.
Mas é chato, não é? Enquanto se espera a noiva, uns olham o celular, outros
fumam um cigarrinho, tiram uma melequinha do nariz... E a mulherada? Mulher
gosta de competir, né? Gente, isso aqui é uma igreja, não é um ringue de luta! Já vi um monte aqui olhando de rabo de olho
para o penteado de uma, para o vestido da outra... Com umas caras do tipo “a
trança embutida dela ficou melhor que a minha, que ódio!”.
E por aí foi. Quando dei por mim, eu já estava há duas
horas falando baboseiras naquela igreja. O padre Léo passava mal de tanto rir. Com certeza, ele ia preferir o meu show aos mil reais que a Ane sugeriu. Eu já estava me achando o Rei do Stand Up Comedy. As pessoas já
tinham esquecido da existência da Aninha...
Quando ela chegou.
Ninguém mais tinha clima para assistir a uma
cerimônia tradicional de casamento. Nem o próprio padre. Quando a orquestra
voltou a tocar a marcha nupcial, todos vaiaram.
Aninha: Gente,
o que é que está acontecendo aqui?
Ane: Adal!
Adalberto:
Ué, eu só estava fazendo a minha apresentação. Gente, a Aninha me contratou para isso e já esqueceu. Como é que pode? Olha,
Ataulfo, se eu fosse você não casava
com ela, não. Mulher de memória fraca... Sabe como é, né?
E a essa altura, qualquer coisa que eu falava, as
pessoas se escangalhavam de rir.
Adalberto:
Vamos lá, gente. Chega de palhaçada. Agora, a orquestra vai voltar a tocar a
marcha nupcial e vocês não vão vaiar, a Aninha
vai entrar, as melhores amigas dela vão disputar para ver quem consegue chorar,
derramando a maior quantidade de lágrimas em mililitros e o padre vai ter um
minuto para celebrar esse casamento.
Ninguém iria aguentar uma hora de blablabá. Três
minutos depois, eu já estava no meu carro, levando o pessoal do cerimonial para
o local da festa.
Menina do
cerimonial: A gente precisa chegar antes dos convidados. Você pode ir mais
rápido, por favor?
Adalberto:
Claro.
Ultrapassei o sinal vermelho e bati com o carro.
Menina do cerimonial: Não acredito!
Adalberto:
Nem eu. Você vai pagar a franquia do seguro do carro.
Menina do
cerimonial: Eu? Você faz a barbeiragem e eu que pago o pato?
Adalberto:
Claro. Se não fosse por você, eu não teria ultrapassado o sinal vermelho.
Menina do
cerimonial: Ah, então, se eu pedir para você se jogar na linha do trem,
você vai fazer isso?
E, depois de uns quinze minutos em que ficamos
gritando um com o outro, a Ane me
ligou.
Ane: Adal, cadê você com o pessoal do
cerimonial?
Adalberto:
Ane, eu bati com o carro.
Ane: O
quê? Garoto, está todo mundo aqui. O cerimonial precisa começar. A Aninha está uma pilha.
Adalberto:
Faz o seguinte: liga a câmera do seu celular, que eu vou ligar a do meu.
Ane:
Como assim, garoto?
Adalberto:
Eu vou fazer uma apresentação daqui.
Ane: Eu
não sei conectar o celular no telão.
Adalberto:
Você, não. Mas o técnico de som, sim. Vai lá falar com ele, anda.
E em poucos minutos, eu estava apresentando o meu
reality show.
Adalberto:
Gente, eu estou aqui com o pessoal do cerimonial. Bati com o carro. A culpa foi
minha no acidente. Mas eu só avancei o sinal vermelho, por causa desta senhora
aqui. Agora, eu estou aqui nesta avenida esperando a Polícia para fazer o boletim de ocorrência. Eu estou muito nervoso,
como vocês podem ver. Mas, para levantar o astral, eu vou pedir para os noivos
subirem ao palco e dançarem o Gangnam
Style. Com vocês, Aninha e Ataulfo! Aplausos, por favor!
Eu continuei com a transmissão do meu reality,
depois da dança do casal. Isso fez passar um pouco a minha tensão pela batida
do carro.
Os convidados da Aninha e do Ataulfo
acompanharam ao vivo a chegada da Polícia
ao local do acidente, o reboque do meu carro e uma pequena discussão, que eu
tive com a menina do cerimonial. Entre um evento e outro, eu pedi para o DJ tocar
um funk bem baixo nível para os padrinhos dançarem, chamei a valsa dos pais dos
noivos e dirigi o momento da Aninha
jogar o buquê.
A minha chegada ao salão de festas foi o momento
mais aguardado. Os convidados foram ao delírio, quando me viram pelo telão e em
carne e osso, na frente deles. Fui ovacionado por todos de pé. Fiquei maluco
com aquilo tudo. Tinha até me esquecido que estava gripado.
Apesar de não ter sido convidado para esse casamento,
acho que roubei a cena.
Espero que a Aninha
e o Ataulfo tenham gostado.