quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Ane recebe reparos da Net

A Ane me ligou ontem cedinho. Eu tinha acabado de sair da academia:

Ane: Primo, você tá fogante.

Adalberto: Eu estava fazendo esteira.

Ane: Ah, bom. Já estava pensando besteira.

Adalberto: Menina, falando em besteira, sabe aquela recepcionista do condomínio do tio Vavá, que tinha morrido?

Ane: Sei. Aquela fofa. Eu fiquei três noite sem dormir, com medo do espírito dela.

Adalberto: Então, ela tá viva.

Ane: Como assim, se ela morreu?

Adalberto: Ela não morreu. Quem morreu foi uma outra.

Ane: Quem?

Adalberto: Nem quis saber.

Ane: Melhor. Você vai fazer o que agora?

Adalberto: Nada. Tô atrás de um programa de índio. Detesto ficar em casa sem fazer nada. Alguma sugestão?

Ane: Me faz companhia pra esperar o carinha da Net?

Putz, esperar o carinha da Net faz parte da minha listinha de exceções. É o tipo de programa de índio que ninguém merece.

Ane: Você vem?

Adalberto: Vou.

Quando cheguei lá, tinha um saco de Serenata do Amor me esperando. Que covardia!

Ane: Pra você.

Adalberto: Ah, não. Eu não vou jogar minha meia-hora de esteira no lixo.

Ane: É pra te agradecer. Pela sua companhia.

Adalberto: Então, me dá um inibidor de apetite. Depois do Natal, é tudo o que eu mais preciso.

Ane: Cala a boca. Será que o carinha da Net vai demorar muito?

Adalberto: Todas as vezes que eu precisei de algum técnico da Net fui atendido no fim do dia. A única vez que eles chegaram cedo foi quando eu precisei sair.

Ane: Jura?

Adalberto: Juro. Mas, normalmente, eles deixam a gente esperando o dia inteiro.

Ane: Pelo menos, eu tenho companhia.

Adalberto: É.

Que saco. Passei o dia inteiro na casa da Ane. Almoçamos, dormimos, acordamos e nada do carinha da Net. Depois de muita resistência, ataquei o saco de Serenata do Amor, que eu tanto reneguei.

Enquanto me deliciava com o último bombom, uma gritaria no prédio.

Ane: Que barulho é esse?

Adalberto: Sei lá, os vizinhos são seus.

Alguém gritava que ia se jogar. Era uma voz de mulher.

Ane: Quem é a louca que vai se matar a dois dias do Ano Novo?

Adalberto: Sei lá, mas eu acho que eu quero ver esse suicídio. Vamos lá fora?

Ane: Seu maluco.

Adalberto: Não aguento mais ficar trancado nesse apartamento sem fazer nada, esperando o carinha da Net. Preciso de fortes emoções.

Ane: Vamos oferecer ajuda, então. Se eu presenciar essa morte, vou ficar a vida inteira sem dormir.

Adalberto: Deixa de bobeira. Vamos logo.

Quando chegamos ao apartamento da suicida, a nossa surpresa: era a recepcionista do prédio do tio Vavá. A que a gente achou que tinha morrido.

Recepcionista: Gente, eu quero me matar. O meu namorado chegou aqui com uma marca de batom na camisa.

Ane: Ué, você mora aqui?

Adalberto: Garota, não lembra da gente, não? Lá do prédio do tio Vavá. Você desapareceu de lá...

Recepcionista: Oi. Claro que lembro. Eu fui expulsa da casa dos meus pais no mês passado. aí, tentei me matar cortando os pulsos, mas acabei sobrevivendo. Voltei a trabalhar só ontem.

Adalberto: O tio Vavá já tinha dado você como morta.

Ane: Eu também. Aliás, fiquei três dias sem dormir por sua causa. Para com essa palhaçada de querer se matar por qualquer besteira e desce dessa janela. Vem cá, anda!

Levamos a recepcionista pro apartamento da Ane. Ela contou a história da vida dela toda, enquanto saboreava uma garrafa inteira de Absolut de pera.

Ane: Impressionante, né?

Recepcionista: É. Absolut de pera é realmente incrível.

Ane: Eu estou falando da sua vida.

Recepcionista: Ah, é? Você acha a minha vida impressionante?

Ane: Acho.

Adalberto: Eu também acho. Dá um livro.

Recepcionista: Sério?

Adalberto: Arrã.

Recepcionista: Que bom ouvir isso. Tô até me sentindo melhor.

Adalberto: Bom mesmo.

Recepcionista: Agora, deixa eu te fazer uma pergunta?

Adalberto: Qual seria um bom final pra esse livro?

Adalberto: Qualquer coisa, contanto que a mocinha não se mate no final.

Ane: Um final bom para esse livro é a mocinha enfiando a porrada no cara de pau do namorado, que apareceu com a mancha de batom.

Recepcionista: Sério?

Ane: Sério. Liga agora pra ele, pede desculpas, diz que você está arrependida e que quer vê-lo. Vamos armar uma cilada pra esse cachorro.

Nisso, a nossa campainha toca. Era o carinha da Net.

Ane: Ai, finalmente, Adal. É o carinha da Net que está subindo.

Adalberto: Ufa! Já tinha até mês esquecido disso.

Quando ele entrou no apartamento da Ane, deve ter se arrependido por não ter demorado mais para chegar.

Recepcionista: Seu cretino!

A recepcionista foi com tudo para cima do carinha da Net. Primeiro, eu achei que ela estava descontando a raiva que tem pela empresa que ele trabalha. É o que todos querem fazer. Mas, depois que ela disse que não queria mais saber de um cara, que não sentia vontade de transar todo dia, percebi que a relação entre eles era menos burocrática.

Consegui segurá-la a tempo de evitar que ela enfiasse um canivete no rosto do pobre coitado, mas não a tempo de impedir que ela quebrasse o aparelho da Net novinho, que o carinha ia trocar pelo que não estava funcionando da Ane. Não acreditei naquilo. Senti uma vontade imensa de tomar o canivete da mão dela e rasgá-la dos pés à cabeça.

Perdi a minha tarde inteira ali, devo ter engordado uns dez quilos, depois de ter comido sozinho um saco inteiro de Serenata de Amor para nada...

Ane: Eu vou matar você, sua vagabunda. Você não presta. Por isso que ele te trai!

A Ane terminou de quebrar o aparelho da Net na cabeça da recepcionista. Fomos parar na delegacia. Para variar. Depois de duas horas lá e muita baixaria, fomos liberados. A Ane disse que não se importava em voltar de táxi para casa. Ainda bem. Eu ia me importar muito se tivesse que levá-la. Fui direto para a minha casa tomar um banho bem gelado e esquecer aquela baixaria toda.

Hoje, quando acordei, liguei para saber como ela estava.

Ane: Estou ótima. O carinha da Net deu um jeito na minha carência.

Adalberto: Como assim? Cadê ele agora?

Ane: Foi ao trabalho buscar o aparelho para trocar e já está voltando. Ele vai atrasar os outros reparos que tem para fazer hoje, só para passar o dia comigo. Lindo, né? Acho que estou apaixonada, Adal.

Agora eu já sei o que eles fazem, enquanto a gente espera...

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sara dá empurrãozinho de Natal

Natal na casa da Sara implica em ter que aturar a família mala do Oswaldo. E isso era tudo o que eu menos queria para esse ano. Aliás, para todos os anos em que eu existir.

A gente sempre passa a data na casa dos meus pais e, dessa vez, não foi diferente. Aliás, foi diferente, sim. A Sara não foi. O Oswaldo quis fazer a ceia na casa deles, que teve como ilustres convidados os seus pais, todos os seus primos e primas em primeiro, além de mim e das outras primas. Eu pulei fora dessa. E a Ane, a Lu e a Marjorie embarcaram na minha.

Marjorie: Ai, nada a ver, né, Adal?

Adalberto: Eu fico meio assim em dizer não, por causa Sara.

Ane: Acho que ela entendeu. Ela sabe que a gente não suporta a família do Oswaldo.

Adalberto: Eu até suporto.

Lu: Mas não no dia do Natal, né?

Adalberto: Não.

Marjorie: Será que ela ficou chateada?

Lu: Não. Ela sabe que, todo ano, o Natal da gente é na casa do tio Beto.

Adalberto: É. Eu não sei se meu pai também ia gostar da ideia de ir pra outro lugar.

Ane: Por isso, que eu nem cogitei de ir para a casa da Sara.

Adalberto: Se bem que ela disse que esse ano será especial, por alguma razão que ela só vai contar para quem for lá.

Marjorie: Então, nós vamos ficar na curiosidade.

Adalberto: Ou seja, vamos ficar no lucro.

Lu: Que horas são, hein?

Ane: Onze e quarenta e cinco.

Adalberto: Ih, está na hora do meu pai descer para colocar a fantasia de Papai Noel.

Marjorie: O Diego vai ficar louco, né?

Adalberto: Vai. Ele adora Papai Noel.

Marjorie: Tio!

Adalberto (pai): Oi, meu amor.

Marjorie: Tá na hora.

Adalberto (pai): Neide, vamos lá me ajudar.

Enquanto minha mãe ajudava meu pai a se trocar, nós ficamos distraindo o Diego. E foi difícil, porque ele não queria deixar os avós.

Lu: Calma, Dieguinho. A vovó foi limpar o vovô, que foi fazer cocô.

Adalberto: Ai, Lu. Não tinha uma desculpa antisséptica pra dar, não?

Ane: Na cabeça dela só tem merda.

Marjorie: Gente a Sara tá me ligando. Atendo ou não?

Ane: Não.

Lu: Não.

Tive a certeza de que o Natal é uma data que mexe com a gente, quando acabei com a brincadeira de dizer não.

Adalberto: Sim.

E a minha ordem foi atendida.

Marjorie: Alô.

Sara: Poxa, fiquei tão triste que vocês não vieram me ver. Disse que esse ia ser um Natal especial, que era importante reunir a minha família e a do Oswaldo. Nem assim vocês vieram.

Marjorie: Mas a gente avisou que não ia dar, prima. O tio Beto podia ficar chateado. Ele faz todo ano a festa aqui.

Sara: Ele falou que não viria, mas que não se importava se vocês não viessem pra cá.

Marjorie: É... Deve ter sido pra não te magoar. No fundo, ele prefere ficar aqui.

Sara: Tudo bem. Deseja feliz Natal a todos aí, dá um beijo na Camila, no Eduardo, na tia Neide, e no tio Beto por mim.

Adalberto: Está bom.

E para você, para o Adal, para a Ane e para a Lu eu desejo muito amor para vocês possam dar para os afilhados de vocês... Vou desligar porque a gravidez me deixou mais chorona do que eu já sou. Essa era a surpresa.


Marjorie: Gente!

Adalberto: O quê?

Marjorie: A Sara tá grávida. Vamos pra casa dela agora.

Ane: Como assim?

Marjorie: Ela tá grávida e nós somos os padrinhos.

Adalberto: Pô, mas quantos filhos ela tá esperando? Um pra cada?

Marjorie: Não sei. Deve ser. Ela fazia tratamento. Vamos!

Adalberto: Cara, eu não tenho condições de dirigir. Bebi pra caramba.

Lu: Eu também.

Ane: Eu também.

Adalberto: Todo mundo bebeu pra caramba.

Foi quando o meu pai apareceu vestido de Papai Noel.

Marjorie: O tio Beto não bebeu. Esqueceu que a tua mãe fez promessa pra ele não beber, se o carro dele fosse achado?

O carro do meu pai tem seguro, mas a promessa da minha mãe é infalível. Traz qualquer coisa de volta em até três dias úteis. Ainda bem, porque só o carro dele tem espaço de sobra para levar a família inteira.

Fomos todos pra casa da Sara levados pelo Papai Noel. O Diego adorou isso.

Chegamos quando todos os parentes sem noção do Oswaldo já tinham ido embora. Melhor impossível.

Adalberto: Amoreca!

Sara: Adal, me abraça!

Ane: Que bom que você está grávida, prima.

Sara: É, consegui.

Lu: Sarita, eu tinha esquecido que você estava fazendo tratamento. Você, uma vez, comentou que ia parar...

Sara: Falei mas não parei. Ter filho era um sonho.

Marjorie: Estou tão feliz por você.

Sara: Obrigada.

Adalberto: Cadê o Oswaldo?

Sara: Bebeu todas e foi dormir. Cadê o tio Beto, a tia Neide, a Camila, o Eduardo e o Diego?! Eu tô com o presentinho dele aqui.

Adalberto: Garota, meu pai veio vestido de Papai Noel pra cá. Foi tudo tão às pressas, que não deu nem tempo dele se trocar. E aí você imagina como é que o povo da tua rua ficou, quando viu Papai Noel chegar... Ele mal saltou do carro e as crianças não o deixam andar. Ele adora.

Sara: E o resto do pessoal?

Adalberto: Minha mãe ficou fazendo companhia ao meu pai. a minha irmã, o Eduardo e o Diego também.


Na verdade, a minha irmã e o meu cunhado não subiram, porque estava evitando a família do Oswaldo.

Sara: Ai, meu Deus...

Marjorie: Mas fala da gravidez.

Ane: Pois é, tô morrendo de curiosidade.

Lu: Tem quantos bacuri aí nessa barriga?

Sara: Então, tem três lindos bebês.

Adalberto: Gente!

Sara: É só isso que eu sei por enquanto sobre eles. Mas... Eu falei com o Oswaldo e ele não se incomodou, porque sabe que a família dele é um pouco ausente, interesseira e sem noção. Então, escolhemos três primos dele pra consagrar as crianças...

Padrinho de consagração, apesar da minha mãe negar veementemente, é mó prêmio consolo, né?

Sara: E vocês quatro vão ser os padrinhos de batismo.

Marjorie: Ai, que lindo, prima. Vou chorar.

A Lu e a Ane já estavam chorando. A Marjorie começou logo em seguida. Eu, apesar de bastante feliz com a notícia, ainda precisava de empurrãzinho. Fiquei até um pouco constrangido por ser o único a não chorar com a notícia. Mas, pra despistar essa minha falha e quebrar o silêncio, inventei alguma coisa para falar.

Adalberto: Mas vai faltar padrinho de batismo. Se são três crianças, elas vão precisar de três madrinhas e três padrinhos. Ainda tem vaga pra mais dois.

Lu: Vaga, seu insensível? Você está falando mesmo de batizado ou de emprego?

Adalberto: Desculpa. Me expressei mal.

Sara: Olha, pro seu governo, as meninas vão ocupar as vagas de madrinha. E você, seu cachorrinho, vai ocupar as três vagas de padrinho.

Recebi o empurrãozinho que faltava.

Abri o berreiro automaticamente depois da notícia. Chorei copiosamente. Sem parar.

E valeu muito a pena cada lágrima.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Viagem sem sal ao Uruguai rende bons frutos curriculares

Acabei de voltar do shopping. Fiz minhas compras de Natal, com o dinheiro que recebi de uma companhia aérea, por ter extraviado as minhas malas. Aliás, mesmo tendo passado apenas uma semana de que voltei do Uruguai, ainda estou cansado. E olha que o horário de lá é como o daqui. Ou seja, não tenho nem como dar a desculpa do fuso. Se bem que passar seis dias com a Ane, a Lu e a Marjorie já é o suficiente. Se a Sara não tivesse perdido o vôo, talvez a viagem tivesse sido mais regrada:

Adalberto: Não acredito.

Sara: Pois é. O Oswaldo esqueceu que o Rio de Janeiro virou um canteiro de obras. Chegamos com cinco minutos de atraso.

Adalberto: Putz.

Sara: Onde você ta agora?

Adalberto: No Punta Shopping. Aqui em Punta.

Sara: É legal?

Adalberto: Legal é. Mas não um puta shopping.

Sara: Cadê as meninas?

Adalberto: A Lu ta usando o quarto com o Pablito, por isso que eu to aqui fazendo hora; a Ane ta dormindo, porque saiu ontem e deve ter chegado tarde; e a Marjorie tá numa lan house trabalhando. Deu alguma merda lá na fábrica.

Sara: Poxa, Adal, que pena que não deu pra eu ir. Eu seria sua companhia.

Adalberto: É... Pelo menos, aqui em Punta, se não fosse a chuva, teria mais coisas pra se fazer do que em Montevideu, que é, praticamente, um Campos dos Goytacazes.

Sara: Jura? Ainda bem que eu não fui.

Adalberto: É... Eu já te falei que a comida daqui é completamente sem sal?

Sara: Não.

Adalberto: A comida daqui é completamente sem sal.

Sara: Primo, que furada.

Adalberto: Furada é pouco, babe.

Naquela tarde, eu iria visitar a Casapueblo, do artista plástico Vilaró sem a vitalidade. Mal sabia que esse programa ia valer a minha viagem semifrustrante. Antes, além da triste notícia de que tinha perdido a Marjorie para uma lan house, fui surpreendido por mais dois problemas, quando cheguei ao hotel:

Lu: O Pablito veio aqui pra me contar, que tá namorando. Nem quis me comer. Tô arrasada.

Adalberto: Ou seja, o motivo da sua viagem te trocou por outra.

Lu: Desculpa, primo.

Adalberto: Por quê?

Lu: Eu inventei essa droga de viagem só por causa dele.

Adalberto: Ah, relaxa, Lu. Eu vim porque quis. Até que tá legal.

Mentira. Estava um saco. Nem praia a gente pôde aproveitar, porque só chovia.

Lu: Vai fazer o que hoje?

Adalberto: Não sei. Estava pensando em dar um pula na Casapueblo. Vamo?

Lu: Vamo.

Adalberto: Ih, a Ane tá me ligando. Alô... Mentira! Você é muito ingênua. Como é que você leva um cara, que você nem conhece?

Ane: Ele disse que era jogador de futebol, rico, famoso, que ia jogar na Libertadores.

Adalberto: Imagina. Se ele fosse isso tudo ele não estaria passando férias aqui.

Ane: Mas ele é daqui, Adal.

Adalberto: Mais um motivo. Já não chega ter nascido nesse lugar ermo?

Ane: Eu preciso ir a um shopping comprar um Iphone pra Marjorie urgente.

Adalberto: Ele roubou o celular da Marjorie?

Ane: Arrã.

Adalberto: Vamo na delegacia dar parte desse cara agora!

Ane: Não!

Adalberto: Por que não?

Ane: Porque eles vão pedir as imagens do hotel e a multa que eu vou pagar, por ter trazido gente pro meu quarto todos os dias, vai ser bem maior do que o valor do Iphone da Marjorie.

Caramba!
E caramba foi a única coisa que veio a minha mente.

Adalberto: Tá. Te encontro na porta do seu hotel em 15 minutos. A Lu também vai.

Quando saímos do shopping, fomos direto à lan house, onde a Marjorie estava internada a trabalho.

Ane: Seu presente de Natal antecipado.

Isso ela falou com a cara mais lavada desse mundo.

Marjorie: Como assim?

Ane: Abre.

Marjorie: Um Iphone? Eu já tenho o meu.

Ane: Prima, o seu não tá mais entre nós.

A explicação do celular roubado rendeu duas telas de LCD quebradas e um mouse, que serviu como chicote, destruído. Essa foi uma das poucas vezes, que eu vi a Marjorie perdendo a cabeça. Ainda bem que o prejuízo foi um Pesos Urugaios. Tanto da lan house, como da fiança que ela teve que pagar pra ser liberada da cadeia.

No dia seguinte, era o dia de voltarmos para o Brasil. E de eu realizar um dos maiores sonhos da minha vida: ir embora do Uruguai. Mesmo com o horário apertado, fui à Casapueblo. Precisava ir a algum lugar turístico pra fazer foto. Até então, nada naquele lugar valera um registro. O meu Facebook não podia passar incólume por essa viagem. Deixei de tomar café no hotel, que não era lá essas coisas, pra poder dar tempo. Lá, fui recebido por um senhor, que foi tão solícito comigo, que chegava a irritar:

Carlos: É brasileiro? Eu também falo português. Tenho uma neta que mora em São Paulo.

Adalberto: Eu sou do Rio.

Falei isso porque queria, de alguma forma, deixá-lo constrangido. Mas não consegui. Vai ver ele não sabe da rivalidade entre Rio e São Paulo. A neta dele não devia ser tão próxima assim. Talvez isso explicasse a carência dele.

Carlos: Vem cá que eu vou te apresentar a minha filha.

Agora entendi... Ele me achou um bom partido e, vai ver, quer desencalhar a filha solteirona. Que saco. Não conseguia me desvencilhar dele. O pior é que todo mundo ficava olhando para ele e sorrindo. Vai ver sabiam da furada que ele estava aprontando pra mim.

Carlos: Essa aqui é minha filha. Aqueles quadros foram todos pintados por ela.

Como assim? Eu to louco ou ela é a filha do Carlos Paez Vilaró? Eu to mais louco ainda ou esse cara, que, até pouco tempo era o mala do século, é o Carlos Paez Vilaró?

Agó: Muito prazer.

Adalberto: Prazer.

Eu estava tão constrangido, que o que eu disse pareceu um pedido de desculpas. Mas, depois de 15 minutos, e uma cachaça maravilhosa, que eu tomei com os Vilaró, já parecia um deles. Tirando a minha falta de habilidade pras artes plásticas, claro.

Falamos da guerra da polícia do Rio contra os bandidos da Vila Cruzeiro, do governo do Lula, do Pelé, do Oscar Niemeyer, das praias do Rio de Janeiro, das nossas famílias, das nossas vidas. Menos de São Paulo. E não foi por falta de tentativa deles.

Esse encontro valeu a viagem. Suplantou todos os problemas que aconteceram e os que ainda vieram a acontecer – a perda das minhas malas – na viagem.

Agora, tenho dois amigos pra botar no currículo.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Ida ao Engenhão faz mal à audição

No domingo, fui com a Ane de ônibus para a porta do Engenhão. Ela marcou de encontrar um carinha, que ela estava pegando no fim do jogo. Eu aproveitei pra visitar uma amiga, que mora ali perto:

Ane: Nada a ver ter medo de vir de carro pra cá.

Adalberto: Não é medo exatamente.

Ane: É o que, então?

Adalberto: Sei lá, receio.

Ane: Na torcido do Fluminense só tem playboyzinho, Adal. Ninguém ali ia querer o seu carro popular.

Adalberto: Acho que isso é um pouco de lenda. De mais a mais, eu não conheço a índole da torcida do Guarani.

Ane: Imagina. Povo do interior de São Paulo não é capaz de fazer mal a uma mosca.

Adalberto: Ane, você devia ter consertado o seu carro, em vez de ficar aí falando.

Ane: Não tive tempo pra isso.

Adalberto: O quê?

Ane: Não tive tempo pra isso.

Adalberto: Não entendi.

Ane: Garoto, tu tá surdo?

Adalberto: Não. Se bem que, segundo o teste de audiometria lá da empresa, se eu perder mais um pentelésimo da minha audição do ouvido direito, eu já posso ser considerado deficiente auditivo.

Ane: Mentira.

Adalberto: Sério.

De repente, uma música de louvor começou a tocar dentro do coletivo. Engraçado que esse é o tipo de coisa que, em vez de me trazer paz, só me causa aflição.

Ane: Não acredito que a gente vai ter que ouvir isso daqui até lá.

Adalberto: Nem eu.

Ane: Acho que vou incorporar a Lu e fazer um escândalo com ele. Isso é falta de respeito.

Adalberto: Não ouvi.

Mentira. Ouvi, sim. Mais me prevaleci da minha quase deficiência auditiva pra não dar o empurrãozinho, que a motivação da Ane precisava pra jogar o celular do cara pela janela.

Ane: Tem horas?

A Ane, agora, falava comigo fazendo gestos.

Adalberto: Não.

Ane: Porra, tu não ouve, não tem horas, não quis vir de carro... Hoje, você tá uma negação.

Adalberto: Não. Não acho.

O celular de um homem, nitidamente, bêbado tocou. Ele falava tão alto quanto o louvor. Parecia uma disputa. De quem me irritava mais.

Bêbado: Eu falei pra ela não beber a Coca-Cola toda. Era pra deixar pro irmão dela. Não. Eu já vendi um carro pra fazer festa pra essas crianças, Doroth, não vou ficar fazendo a vontade de Eliandra e Cristóvano, não. Manda tudo pra puta que pariu, porra! Não, quando eu falo com você que não é pra ficar mimando essas criança, tu acha que eu tô de sacanagem. Sabe qual é o problema? Ivoneth se mete, Daysianny se mete, Edilenny se mete Doriaanny se mete, Silmarianny se mete. Todo mundo acha que cria os nossos filhos.

A ladainha parecia que nunca ia acabar. Nem os nomes mais esquisitos, que eu ouvi na minha vida. As caras da Ane eram as melhores.

E quando a gente acha, que nada mais pode acontecer pra piorar, eis que entra no ônibus um menino com a camisa do Fluminense, vendendo quase que se pode imaginar dentro de um saquinho. Pelo visto, são não tinha a mãe dele, em porção de cinco unidades, pelo preço de um real.

Menino: Boa tarde senhoras e senhores. Desculpe incomodar o vossa viagem.

Acho incrível que, quando eles querem agradar, prezam por uma Língua Portuguesa melhor.

Ane: Vossa viagem...

Adalberto: Viu? Nem a gente fala assim.

Ane: É porque ele é Fluminense. Deve ser um desgarrado de uma família rica.

Menino: Eu podia estar matando, eu podia estar roubando, mas eu eestou aqui, meus senhores, vendendo esta bala, este chiclete, esta bananada, este chocolate, este chup-chup, este confete, esta jujuba, este delicado, este pirulito, este...

Bêbado: Porra, dá pra calar a boca, caralho?! Tô resolvendo uma parada séria com a minha mulher aqui e tud fica aí de palhaçada?

Não, ele não estava de palhaçada. Estava trabalhando. Estava me irritando também, mas, sobretudo, estava fazendo algo de mais útil do que ficar ouvindo louvor nas alturas e berrando no celular.

O menino cagou solenemente pras grosserias do bêbado. Jamais parou de entoar o seu mantra sensacionalista-comercial.

Menino: Meninha mãe amputou uma perna, meu pai está internado numa UTI.

Foi fofo o jeitinho que ele falou UTI.

Menino: Meu irmão mais velho é excepcional, minha irmã mias nova tem síndrome do pânico, por já ter sido estuprada.

Ele falou estuprada corretamente. Só mesmo um vendedor de balas tricolor pra conseguir essa proeza.

Menino: Então, senhoras e senhores, eu ficaria muito grato se vocês pudessem me ajudar.

E a minha quase deficiência auditiva ficaria muito grata se o carinha do louvor, deligasse o celular, se o bêbado também desligasse o celular e se o menino da bala se desligasse. Só por quinze minutos. Até eu chegar ao Engenhão.

A poucos metros do estádio, fomos parados numa blitz. Me assustei com o bolsa, que o menino jogou na minha direção. Na minha cabeça, pensei: os policiais devem cobrar uma certa propina desses de quem pratica o comércio ilegal. Segurei a bolsa, como se fosse minha. O menino desceu do ônibus. E eu achava que aquilo era parte de uma encenação. De fato era. Mas não da maneira, que a minha mente cinematográfica, era capaz de imaginar.

Nisso, um policial que estava revistando os passageiros, pergunta se a bolsa é minha, eu respondo que sim e, meia-hora depois, estava eu sendo preso numa delegacia. A bolsa tinha cocaína, maconha e uma 38. O bêbado e o carinha que estava ouvindo o louvor no celular fizeram questão de ir até a delegacia pra depor a meu favor. Depois de duas horas, consegui me livrar da prisão. Prometi ao carinha do louvor, que iria com ele ao templo, que ele frequentava pra agradecer a Deus, por ter me livardo dessa enrascada. E segui com o bêbado pro primeiro barzinho de esquina, que pudemos avistar.

Ane: Perdi meu peguete, por causa de você.

Adalberto: Tá maluca? Eu não tenho culpa de nada.

Ane: Tem, sim. Você ficou de miserê. Não quis vir de carro.

Adalberto: Que miserê? Fiquei com medo dessa torcida do Fluminense fazer alguma coisa com o meu carro.

Ane: Até parece.

Bêbado: Para de brigar vocês dois. O importante é que a gente tá com saúde.

Pior que é verdade.

E com toda a falta de vergonha na cara do mundo, que eu e a Ane temos, brindamos à vida.