sábado, 31 de julho de 2010

Truque da babá quase perfeita acaba em private ao som de Madonna

Eu estava me preparando pra sair num domingo, que eu não me lembro quando foi, mas a campainha tocou, só pra frustrar a minha programação:

Adalberto: Jojô?

Marjorie: Eu. Vim fazer uma surpresa pra você.

Adalberto: Amoreca, tem como deixar essa surpresa pra depois do almoço? Tô indo comer com umas amigas do Martins.

Marjorie: Quem são essas mocreias?

Adalberto: A Tatá, a Bibs, a Paty e a Lu Giesta. As Amigas do Adalberto. Acho que isso dá um bom título de livro. E dos bons.

Marjorie: Sem graça. Adal, eu marquei de almoçar com um cliente aqui perto, mas eu esqueci meu cartão de débito em casa. Me ajuda?

Adalberto: Claro. Duzentos reais tá bom?

Marjorie: Tá. Mas eu queria que você fosse comigo.

Adalberto: Por isso que você veio aqui? Interesseira.

Marjorie: Para, cachorro. Não é nada disso.

Adalberto: Então, o que é?

Marjorie: É que só você pra fazer uma boa propaganda de mim pro Gildevan.

Adalberto: Esse nome dá medo.

Marjorie: Para.

Adalberto: É pior do que Adalberto.

Marjorie: Não é nada.

Adalberto: Ah, não? Então, eu não vou. Como é que uma pessoa quer que eu faça propaganda positiva dela, se ela acha o meu nome mais feio do que Gildevan? Não pode.

Marjorie: Adalberto é infinitamente mais bonito do que Gildevan. Tá bom assim?

Adalberto: Tá.

Marjorie: E agora?

Adalberto: Você vai levar o Gildevan pra comer no mesmo lugar, que eu vou encontrar as minhas amigas. Vamos todos ficar na mesma mesa.

Marjorie: De jeito nenhum. E eu vou dar mole de botar o homem que eu estou a fim no meio do fogo cruzado.

Adalberto: Que fogo cruzado? A Bibs e a Lu Giesta são casadas. E a Tatá e a Paty não fazem parte de nenhuma facção criminosa. Não vai ter fogo cruzado nenhum.

Marjorie: Ah, não. Desmarca com elas.

Adalberto: Não. Vamos todos pro mesmo lugar, mas lá, eu vou fazer como o Robin Williams em "Uma babá quase perfeita". Vou ficar me revezando de uma mesa pra outra. Só você que vai saber disso. As meninas já estão tentando marcar esse almoço comigo há mais de um mês. Não tem como eu desmarcar.

Marjorie: Tá bom. Vamo logo.

Adalberto: Partiu.

No caminho para o restaurante, o celular da Marjorie tocou. Era uma chamada com número restrito.

Marjorie: Odeio chamada com número restrito. Deve ser alguém muito mal resolvido. Alô. Oi, Kleberson. Tudo bem? Cabala? Não sabia que eu conhecia outro seguidor da Cabala, além da Madonna. Ah, a rave... Esqueci que Cabala também é nome de rave. Não querido, obrigada. Estou indo almoçar com uns amigos. Já tô velha para essas coisas. Beijo.

Adalberto: Será que, na verdade, a Madonna é a maior rata de rave?

Marjorie: Adal, dá pra você acelerar? O Gildevan já deve estar cansado de esperar.

Adalberto: Problema é dele. Quem vai pagar a conta dele sou eu.

Era pra ser uma brincadeira, mas acho que pegou mal. A Marjorie ficou calada até a gente chegar ao restaurante.

Adalberto: Já vi as meninas do Martins daqui. Vou fazer o seguinte: vou lá sentar com elas, peço uma entrada, como, digo que vou ao banheiro e encontro vocês. Depois, volto para ficar com elas, peço a minha comida, como, digo que vou ao banheiro e encontro vocês de novo. E, por fim, já na mesa delas, peço a sobremesa, como, digo que vou ao banheiro e encontro vocês. Volto pra pagar a minha conta, me despeço delas e fico com vocês para todo o sempre. Está bom assim?

Marjorie: Tirando a parte do pra todo o sempre, tá ótimo. Depois do almoço, a gente vai prum lugar em que você não vai ser bem-vindo.

Adalberto: Ah, claro. O meu pra todo o sempre tem prazo de duração, babe.

Marjorie: Então, tá. Vai lá ficar com as mocreias. Até daqui a pouco.

Adalberto: Beijo.

No primeiro balão que eu dei nas minhas amigas do Martins, tudo correu conforme o script. A Marjorie e o Gildevan ainda estavam numa conversa meio fria. Sorrateiramente, ela foi ao banheiro e eu fiquei falando bem dela pelas costas.

Adalberto: Muito responsável, determinada, séria com o trabalho, criativa, engraçada, blablablá, blablablá, blablablá... Sabe aquela pessoa que todo mundo gosta de ter como amiga?

Gildevan: Sei, claro.

Marjorie: Licencinha.

Adalberto: Licencinha, digo eu. Preciso atender uma ligação lá do trabalho. Só um instantinho.

Mentira. Eu precisava voltar pra outra mesa.

Adalberto: Voltei.

Lu Giesta: Estava cagando, Adalba?

Adalberto: Não.

Tatá: Como assim, não? Você ficou horas no banheiro fazendo o quê?

Adalberto: Ai, gente, eu não gosto de falar dessas coisas. Perco o apetite.

Bibs: Ah, que bobagem. Eu não tenho essas coisas.

Paty: Eu também, não.

Adalberto: Sorte de vocês. Posso chamar o garçom?

Tatá: Pode. Tô morrendo de fome.

Enquanto almoçava, percebi uma música ao vivo ao fundo.

Adalberto: Ué, tem música ao vivo nesse restaurante?

Lu Giesta: Qual restaurante no Recreio que não tem música ao vivo hoje em dia?

Ainda bem que eu estava de boca cheia. Eu jamais saberia responder a essa pergunta. Engoli a comida toda em segundos e disse que ia ao banheiro novamente. Fui pra mesa da Marjorie e, quando tudo parecia correr bem, um imprevisto: o cantor da bandinha que estava tocando no restaurante me chamou ao palco:

Estranho: Vem pra cá, Adalba. Vem relembrar os tempos do colégio.

Adalberto: Gente, eu conheço esse menino. É o Estranho. Ele estudou comigo no Martins.

Marjorie: Ai, que vergonha, primo.

Vergonha, não. Pior. Que merda. As meninas também reconheceram o Estranho e ficaram, da mesa, tentando ver onde eu estava. E eu tentando fazer a ema e enterrar minha cabeça no chão.

Estranho: Vamo lá, gente. Me ajuda a chamar o Adalba. Adalba, Adalba, Adalba...

Caralho! O restaurante inteiro gritando o meu nome. Como diria um primo meu de Madureira: fudeu, playboy.

Fui.

Cantamos "Se", do Djavan, porque, na minha opinião, esse negócio de música ao vivo em restaurante é meio brega. E nada mais brega do que cantar "Se", do Djavan, enquanto um monte de gente almoça.

As meninas do colégio, levantaram e ficaram dançando de longe, meio que tirando sarro da minha cara, enquanto a Marjorie e o Gildevan sentiam vergonha de mim. Ao fim da apresentação, o show só estava começando.

Estranho: Fala, pra mim, Adalba, com quem que você veio almoçar?

Adalberto: Que pergunta difícil.

Estranho: Como assim, difícil?

Adalberto: Ah, Estranho...

Ouvi gente rindo da cara do meu ex-colega de colégio. Eles não deviam saber que o apelido dele, além de estranho, era engraçado.

Adalberto: Gente, eu não consigo chamar ele pelo nome. Pra mim, vai ser sempre Estranho.

Estranho: Fala, pra mim, com quem você veio.

Adalberto: É muito difícil responder a essa pergunta.

O constrangimento estava gritando. Nem as minhas amigas nem o Gildevan podiam saber da armação.

Estranho: Por quê? É só você falar com quem você veio almoçar, ué.

Porra, que cara inconveniente!

Adalberto: São pessoas muito especiais, que eu não quero expor. Gente, eu tô morrendo de vergonha. Deixa eu ir embora daqui.

Saí correndo pro meu carro e só parei quando cheguei em casa. Achei que essa seria a solução pro meu problema. Só que eu ainda tinha que pagar a conta da Marjorie e do Gildevan, além da minha parte na mesa com as meninas do colégio. Mas, depois de mico que eu paguei, eu não sabia nem mais quem eu era.

A cara de pau da Marjorie foi pedir dinheiro pras meninas, que ficaram putas, quando souberam que eu estava almoçando com dois grupos ao mesmo tempo.

Depois de uns três meses, sem ter a coragem de atender às incessantes ligações da Marjorie e das minhas amigas do Martins, resolvi tomar coragem:

Adalberto: Alô.

Tatá: Decidiu me atender é, seu cantor desafinado. Ó, tô aqui com a Paty, a Bibs, a Lu Giesta e o Estranho. A gente tá indo pra Cabala encontrar com a Marjorie. Bora?

Ué, que estranho. Elas, agora, andando com o Estranho. Disfarcei:

Adalberto: Ué, eu não sabia que eu conhecia outras seguidoras da Cabala, além da Madonna.

Tatá: É a rave, seu animal.

Adalberto: Eu sei. Já até imagino com quem a Marjorie vai.

Tatá: Com o Kleberson, ué.

O carinha que ligou pra ela, quando estávamos indo pro famigerado almoço no Recreio. Sabia!

Fiquei com ciúme tanto das minhas amigas quanto da minha prima. Elas me trocaram por alguém de nome Kleberson. Será que esse Kleberson era mais legal do que eul? Como é que ele conseguiu conquistar a exigente da Marjorie? E as minhas amigas? Será que, agora, elas só vão querer saber de Kleberson e Marjorie?

E o Estranho? Elas não gostavam dele na época do colégio. Será que elas só me chamaram para a Cabala para me provocar? O que mais pode ter acontecido nesses três meses que eu sumi?

Essas e outras questões ficaram me intrigando por todo o sempre. Mas como o meu todo o sempre tem prazo de duração de, no máximo quinze minutos, eu tomei uma atitude. Comprei um monte de cerveja, uns belisquetes, dei uma calibrada no som e chamei todo mundo pra uma private na minha casa.

Os vizinhos nem reclamaram da música alta. Ainda bem, porque eu eu, Estranho, Marjorie, Kleberson, Tatá, Bibs, Paty e Lu Giesta nos acabamos ao som de Madonna.

Bem melhor do que a Cabala.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Assunto sobre vídeo com goleiro Bruno e Pânico na TV é coisa muita séria

Quando o meu telefone tocou, ontem, às 6h30m, achei que ainda era a função soneca do despertador que estava ativada. Ledo engano. Era a Sara com uma voz meio aflita:

Adalberto: O que a senhora faz acordada a uma hora dessas?

Sara: Tá podendo falar?

Adalberto: Tô dirigindo pro trabalho.

Sara: Já leu o jornal de hoje?

Adalberto: Não. Ganhou na mega-sena?

Sara: Desde quando sorteio de mega-sena acontece na terça?

Adalberto: Sei lá. Não entendo dessas coisas.

Sara: De mais a mais, se fosse pro resultado sair hoje no jornal, o sorteio teria que ter acontecido ontem.

Adalberto: E qual é o dia do sorteio da mega-sena?

Sara: Quarta e sábado. A Camila e o tio Beto jogam sempre. Era pra você saber.

Adalberto: É. Minha irmã vive me pedindo seis números de 1 a 60. Não pode me ver. Meu pai já não me pede tanto.

Sara: Ai, Adal, vamo deixar um pouquinho a mega-sena de lado? Depois, eu te explico como se joga. Eu tô desesperada.

Adalberto: O que é que aconteceu?

Sara: Lembra da Lelê e da Aninha?

Adalberto: Não.

Sara: As meninas que estudaram comigo pro concurso de delegado lá em Minas.

Adalberto: Garota, tô pra te falar isso mó tempão. São elas que estão conduzindo o caso do goleiro Bruno.

Sara: Não são mais.

Adalberto: Como assim? Eu vi na televisão Alessandra Wilke e Ana Maria Santos. Não é isso?

Sara: Não são mais. Tá no jornal. Elas foram afastadas do caso.

Adalberto: Por quê?

Sara: Por causa de mim.

Adalberto: Como assim? Você ainda tem contato com elas?

Sara: Não tinha mas reativei. Queria agradar o Oswaldo.

Adalberto: Ai, meu Deus... Medo.

Sara: Você sabe que o Oswaldo é fã número 1 do Bruno, né?

Adalberto: Sabia que ele gostava do Bruno. Mas o que foi que você fez?

Sara: Eu pedi pras meninas gravarem um vídeo durante a transferência do Bruno pra Minas.

Adalberto: E elas fizeram isso?

Sara: Fizeram. Eu falei que não estava muito bem com o Oswaldo e queria fazer uma suspresa pra ele.

Adalberto: E a surpresa era um vídeo de um suspeito por um assassinato horrendo?

Sara: Para. Não fala assim do Bruno. Não consigo sentir raiva dele.

Adalberto: Sara, você é uma louca. E mais louca do que você são essas delegadas. Como é que pode uma coisa dessa? Elas achavam que ninguém ia descobrir?

Sara: Mas ninguém ia descobrir. A culpa foi do Marcão.

Adalberto: Qual Marcão?

Sara: Marcão. Daqui, do 607.

Adalberto: Ah, tá. O que é que tem ele?

Sara: O Oswaldo contou pra ele do vídeo, mas ele não acreditou.

Adalberto: O Oswaldo também tem merda na cabeça. Aprovou essa tua insanidade?

Sara: Aí, ele mandou pro Marcão e a besta encaminhou pra Deus e o mundo.

Adalberto: O vídeo?

Sara: É.

Adalberto: Que merda.

Sara: Pois é.

Adalberto: Eu nunca ia descobrir esse vídeo. Não sou desbravador de internet.

Sara: Mas o vídeo saiu no Fantástico no domingo, Adal. Não viu?

Adalberto: Não. Eu estava vendo o Pânico na TV, mas não fala pra ninguém.

Sara: Francamente, né, Adal. Um cara inteligente como você, assistindo a esse programa bobo na hora do Fantástico?

Fiquei sem ter o que falar por meio segundo.

Adalberto: Sara, e você que, em vez de se ocupar com coisa séria, fica pedindo vídeo de assassino?

Sara: Mas isso é coisa séria.

Realmente. Aliás, era coisa muito séria.

Adalberto: É séria mas, também, arriscada!

Sara: Mas era o meu casamento que estava em jogo. Isso é sério.

Adalberto: Sara, eu vou entrar na garagem da empresa. Vai cair o sinal.

Mentira. Faltavam ainda uns cem metros pra eu chegar, mas eu já não estava mais aguentando ouvir aquilo tudo. E depois ainda de ser chamado a atenção por assistir ao Pânico na TV, em vez do Fantástico, eu não conseguia mais me articular direito. Na verdade, acho que era isso que estava me intrigando mais.

Passei a acompanhar o caso pelos jornais. Não pegou nada pra Sara nem pro Oswaldo nem pro Marcão do 607. Aliás, falando em Marcão do 607, tomara que ele nunca descubra que, às vezes, na hora do Fantástico, eu troco de canal pra assistir ao Pânico na TV. Isso é muito sério.

sábado, 17 de julho de 2010

Lu nem precisou chamar o síndico...

Eu estava andando meio perdido pelo Centro da Cidade num desses dias de folga, que a gente trabalha mais do que em dias normais, quando esbarei, sem querer, em alguém:

Lu: Porra!

Adalberto: Lu!

Lu: Adal! Tá fazendo o que aqui?

Adalberto: Tô de folga hje. Vim resolver umas coisas.

Lu: Tá indo almoçar?

Adalberto: Tá na hora do almoço?

Lu: Em que planeta você tá garoto?

Adalberto: Mercúrio. Acabei de pagar um monte de conta e já tô no vermelho de novo.

Lu: Então, vamo almoçar comigo e com o Pitombo. A gente paga pra você.

Adalberto: Tá.

Eu nem lembrava que Pitombo era o cara que ela estava "conhecendo". Eu estava estranhamente aéreo e só consegui ligar o nome a pessoa, despretensiosamente, quando chegamos à porta da empresa em que ele trabalha.

Adalberto: A gente vai subir?

Lu: Lógico. Tenho que marcar território.

Adalberto: Ah...

Quando saímos do elevador, senti um clima horrível no andar. Um povo com cara de defunto. A atendente, que parecia apreensiva, disse que o Pitombo pediu pra que aguardássemos na sala de espera.

Lu: Fico puta com isso.

Adalberto: Ele deve estar ocupado.

Lu: Caguei. A mulher tem que vir primeiro na vida de um homem, depois o trabalho. Eu, hein...

Adalberto: Já, já você coloca isso na cabeça dele.

Quando a Lu ia abrir a boca pra falar alguma coisa, começou uma gritaria na sala do Pitombo. Era ele aos berros:

Pitombo: Eu não vou aceitar mais essa porra! Caralho, você é muito burra! Burra! Burra! É isso que você é? A minha vontade é matar você. Faz tudo errado. Eu odeio trabalhar com gente incompetente. Sai daqui da sala agora e refaz tudo!

Eu lembro que a Lu me disse alguma coisa de que esse Pitombo era um fofo.

Adalberto: Coitada de quem tomou esse esporro.

Lu: É.

Quando a porta se abriu, uma menina linda saiu de dentro. A Lu olhou pra ela de cima a baixo.

Lu: Coitada nada. Olha a cara de piranha dela. Não deve fazer nada direito.

Adalberto: Olha o recalque...

A atendente pediu pra quenós entrássemos na sala. Parecia que o Pitombo tinha feito uma aula yoga emergencial pra lidar com pessoas que não têm nada a ver com o seu dia de cão. Era uma outra pessoa:

Pitombo: Oi, paixão. Estava com saudade de você.

Lu: Tudo bem, linduxo? Esse aqui é o meu primo, Adalberto.

Adalberto: Oi, prazer.

Pitombo: A Lu fala muito de você.

Isso eu já sabia, mas fiz cara de honrado, trocamos mais meia-dúzia de palavras e descemos pra almoçar. Eu, definitivamente, não conseguia imaginar aquele cara gritando com alguém, mesmo que fosse a funcionária mais incompetente do mundo, que nem sei se é o caso da menina bonitona. No restaurante:

Pitombo: O que vocês querem comer?

Lu: Escolhe você.

Pitombo: Escolhe você.

Lu: Escolhe você.

Pitombo: Escolhe você.

Antes de mais um "escolhe você", eu decidi.

Adalberto: Eu gosto desse peixe assado no forno. Vou pedir.

A Lu fez uma cara de "como assim, seu louco", mas eu fingi que não era comigo:

Adalberto: Garçom!

O silêncio reinou em absoluto durante o almoço na nossa mesa, até que o Pitombo encontrou um fio de cabelo no peixe dele. Ele chamou o garçom e deu um daqueles esculachos no rapaz. Depois disso, o silêncio reinou em absoluto no restaurante inteiro. No dia seguinte, o silêncio reinou em absoluto no relacionamento dele com a Lu. Ela me ligou pra explicar o porquê:

Lu: O cara é um louco. Me levou pra dormir na casa dele, que é cheia bugiganga de quebrar, que a mãe dele, que já morreu há dez anos, deu pra ele. Não sei como é que duraram tanto tempo.

Adalberto: Hum, você quebrou alguma coisa?

Lu: Alguma coisa, não. Quebrei tudo. Acordei no meio da noite, com tudo escuro, morrendo de vontade de fazer xixi, com o olho semi-aberto, cheio de remela... Não enxergava nada direito.

Adalberto: E aí?

Lu: Lembra do esporro da secretária?

Adalberto: Perfeitamente.

Lu: E o do garçom?

Adalberto: Pô...

Lu: Aquilo não foi nada.

Adalberto: Jura?

Lu: O síndico do prédio dele teve que chamar a polícia. Parecia que ele ia me matar.

Adalberto: E aí?

Lu: Uma confusão só. Fui parar na delegacia. Nem queo lembrar disso, Adal.

Adalberto: Tá, mas e depois disso? Você voltou pra casa na meio da madrugada sozinha?

Lu: Claro que não. E fui pra casa do síndico. Mas eu tenho que ir pro salão agora, Adalzinho. Depois, eu te conto o resto dessa história pessoalmente.

Nem precisava. Pelo sorrisinho que ela deu, antes de desligar o telefone, eu já podia imaginar. Mas é claro que, quando ela me contou o resto da história, eu ainda me surpreendi com muita coisa.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Anti-social é um dos doze da Roda da Skol

Fomos eu, Ane, Lu e Marjorie almoçar na casa da Sara num sábado do mês passado. Tinha um tempinho que ela não nos via e resolveu promover um salmão ao molho de maracujá. Eu não gosto de misturar doce com salgado, não, mas:

Marjorie: Tá uma delícia, prima.

Sara: Aprendi na Ana Maria Braga.

Ane: Muito bom mesmo.

Adalberto: Eu também gostei. Só dispensei o molho de maracujá, porque prefiro sentir o sabor do salmão puro.

Lu: Eu prefiro uma sardinha. Não sei por quê esse peixe é tão caro.

Marjorie: Ai, não fala besteira.

Ane: Sua pobre.

Lu: Tsic.

Sara: Eu também gosto de sardinha. Mas num fim de tarde de domingo, como petisco. E vocês que gostam de uma cervejinha, então...

Lu: Menina, falando em de sardinha em fim de tarde de domingo, no meu fim de semana passado, eu estava com um sereio.

Adalberto: Ih, pronto.

Lu: É sério, Adal.

Marjorie: E cadê esse homem?

Ane: Foi amor de um fim de semana?

Lu: Claro que não. O Gleycon Nunes tá apaixonado por mim.

Adalberto: Gleycon Nunes? Você chama o cara de Gleycon Nunes?

Lu: É o nome dele, ué.

Marjorie: Não. O nome dele é Gleycon. Nunes é o sobrenome dele.

Lu: Você conhece?

Marjorie: Não. Quer dizer, até conheço um Gleycon Nunes, mas é um cara tão anti-social, que jamais namoraria com você, estrovertida desse jeito.

Ane: Aquele, né?

Marjorie: É!

Ane: Ih, nunca mesmo.

Sara: Deixa ela falar do Gleycon Nunes dela, então.

Adalberto: Tá, mas, entre a gente aqui, vamo usar só o primeiro nome dele.

Lu: Ai, Adal, que saco. Eu falo Gleycon Nunes, porque é a maneira que ele se refere a ele mesmo.

Adalberto: Ok. Nós aqui, vamos nos referir a ele só pelo primeiro nome.

Marjorie: Car, pior que o meu Gleyon Nunes, aliás, o meu quase Gleycon Nunes, também se referia a ele mesmo dessa maneira.

Ane: É mesmo.

Lu: Porra, será que essas galinhas já ciscaram no terreno do meu Gleycon Nunes?

Marjorie: Ah, minha filha, eu não duvido nada. Esse mundo é uma Roda da Skol. Só tem doze pessoas.

Ane: O que é que você sabe dele?

Lu: Tudo. Ele me contou a vida dele toda.

Marjorie: Então, não deve ser o mesmo, porque o nosso Gleycon Nunes jamais contaria a vida toda.

Adalberto: Ah! Gleycon! Só Gleycon!

Ane: Não ia mesmo.

Lu: O que é que vocês sabem da vida dele?

Ane: De quem?

Lu: Do Gleycon de vocês.

Marjorie: Ele morou na Tijuca.

Lu: Confere.

Ane: Agora, acho que tá morando em Ipanema.

Lu: Confere.

Marjorie: Tem o cabelo grisalho.

Lu: Confere.

Ane: Deve ter uns cinquenta e poucos anos.

Lu: Confere.

Adalberto: A Lu passou a curtir homens mais velhos?

Lu: Cala a boca, Adal.

Ane: Adora uma bermuda cargo.

Lu: Confere.

Marjorie: Odeia MC Donald´s.

Lu: Gente, confere total.

Ane: É skatista.

Lu: Porra, fudeu. Confere. E chega. É ele. A gente tá falando do mesmo Gleycon.

Sara: Então, o Gleycon das meninas é o seu Gleycon.

Lu: Como assim Gleycon das meninas? Tá maluca? O Gleycon é meu.

O telefone da Lu tocou. Um doce pra quem adivinhar quem era...

Lu: O Gleycon! Vou fazer a louca. Alô. Alô, quem é? Oi! Não, é que o meu celular é meio doido mesmo. Tudo bem, meu amor? Tô aqui na minha prima almoçando. É? Ai, que lindo. E como é que tá aí? Muito frio? Ai, que lindo. Oi? Ai, que fofa, manda outro pra ela. Posso, posso, sim. Tá bom. Beijo. Gente, para tudo!

Ane: O quê?

Lu: Esse homem quer casar comigo.

Marjorie: Onde que ele tá?

Lu: Na casa da mãe dele.

Ane: Em Petrópolis.

Lu: É. Minha sogra me mandou um beijo, tá?

Marjorie: Mentira! Ele nunca sequer falou da mãe pra mim.

Ane: Eu só sabia que os pais dele moram em Petrópolis. Mais nada.

Marjorie: Tô passada!

Ane: Engomada!

Lu: E eu tô com tudo e não tô prosa, porque aquele homem é tu-do.

Marjorie: É mesmo. Ele é um troféu na vida de um ser humano.

Adalberto: Gente, pelo amor de Deus, vocês falam do cara como se ele fosse a última Coca-Cola Light Plusdo deserto.

Ane: Mas ele é, primo, você não tá entendendo.

Marjorie: É mesmo, Adal.

Lu: É.

Sara: Nossa Senhora!

Adalberto: O Gleycon é o cara.

A Lu recebeu uma mensagem de texto no celular. Tcharam:

Lu: "É só falar com você, que me encho de ternura. Sinto vontade de passar através do aparelho, te agarrar e não te soltar nunca mais. Do seu amor: Gleycon Nunes".

Adalberto: Ai, que brega.

Marjorie: Que fofo.

Ane: Que lindo.

Sara: Queria tanto que o Oswaldo fosse assim comigo...

Adalberto: Bom meninas, eu tenho que ir. Combinei com a Thaiz, aquela minha amiga do Martins, um cineminha. Sarita, abre a porta pra mim?

Saí de lá com o preocupado com a provável desunião que esse Gleycon ia trazer pra minha família. Quando o assnto é homem, as minhas primas são capazes de tudo. Nesse caso, a Lu bem que seria capaz de desaparecer das nossas vidas, só pra não deixar o Gleycon dando sopa pra Ane e pra Marjorie.

Ainda bem que isso não aconteceu! Quando a Lu foi buscá-lo na rodoviária, na semana seguinte, o Gleycon já tinha voltado a ser o cara mais antissocial do mundo. Bem do jeito que a Marjorie e a Ane descreveram. E o pior de tudo: machista toda a vida. Parece que não queria nem mais que a Lu trabalhasse num salão, é mole? Ele disse que salão é lugar de mulher ficar falando de homem. Concordo. Mas e daí? Homem não fala de mulher tomando cerveja em pé-sujo? Não vejo problema nenhum nessas coisas.

Que bom que o Gleycon Nunes voltou a ser assim. Evitou um possível afastamento da minha querida Lu das primas. Eu, agora, até me refiro a ele por Gleycon Nunes mesmo, como forma de gratidão.

No fim de semana seguinte, estavámos nós cinco, tomando cerveja, com exceção da Sara (claro!), e falando mal do Gleycon Nunes. E isso já fez esse namoro relâmpago da Lu valer a pena:

Lu: Cara escroto, mal resolvido, velho, machista, anti-social, babaca, brocha, imbecil. Eu jamais me afastaria das minhas primas, minhas melhores amigas, por causa desse idiota.

Que assim seja.