sábado, 27 de abril de 2013

Ane se mete em furada cristã ou Habemus furadam

Ontem, eu voltei do trabalho mais cedo para descansar, mas a Ane veio para a minha casa e acabou com a minha paz.

Ane: Você não vai acreditar.

Já sabia que era bomba.

Ane: Eu vou me hospedar na casa de um gatinho para o JMJ amanhã.

Adalberto: O que é JMJ?

Ane: Jornada Mundial da Juventude.

Adalberto: Ué, esse não é o que a minha mãe e o meu pai se cadastraram para receber gente?

Ane: Esse mesmo.

Adalberto: E para que você se cadastrou, se vai ser no Rio? Fora que é só lá para o meio do ano, não é?

Ane: Porque a Lu me contou desse gatinho lá da igreja dela. Aí, eu me cadastrei no site, ela perguntou para ele se ele podia me ajudar, e ele aceitou.

Adalberto: O cara não teve a brilhante ideia de perguntar por que você não podia ficar na casa da Lu, não?

Ane: Ele perguntou. Mas ela disse que está fazendo uma obra em casa e que está ficando na casa de uma amiga.

Adalberto: Meu Deus, vocês não valem nada.

Ane: É a vida...

Adalberto: Que vida nada! Sossega um pouco. E quando você menos esperar, alguém bacana vai aparecer.

Ane: Duvido. Quem espera nunca alcança. Eu estou correndo atrás. Amanhã, eu tenho certeza, vai ser o dia mais feliz da minha vida. Eu vou conhecer o meu amor.

Adalberto: Mas você já vai mesmo amanhã?

Ane: Vou. Eu disse que precisava vir ao Rio antes para conhecer a cidade. Falei umas besteiras, de que comentam que é muito perigoso, blablablá e que eu vou ver com os meus próprios olhos e decidir se trago a minha vozinha comigo para o JMJ ou não. Fiz a pudica, primo.

Adalberto: Com esse seu sotaque de carioca?

Ane: Mas que sotaque de carioca. Eu sou do interior.

A Ane falando igual a uma pessoa do interior ficou péssimo. Parecia que ela estava falando outro idioma.

Adalberto: Bom, como qualquer coisa que eu te falar não vai adiantar nada, liga para mim se der merda.

Ane: Obrigada. Vai dar tudo certo. Vou te ligar para falar do meu casamento.

Hoje, às 10h, ela me ligou. Me acordou!

Adalberto: Quando é o casório?

Ane: Vem me tirar daqui pelo amor de Deus, primo.

Adalberto: Ué, não gostou? Não encontrou o amor para a vida toda?

Ane: Para de deboche, por favor. O Edelvaldson não mora sozinho. Mora com a mãe, pai, cachorro, avó, avô, um monte de primo. Não sei por que ele anunciou vaga para o JMJ, se o único espaço que sobrou para eu dormir foi o corredor da sala.

Adalberto: Cristão, meu bem. O rapaz tem coração. Até o corredor da sala da casa dele serve para acolher. Que bonitinho...

Ane: Você vem me buscar?

Adalberto: Vai desistir mesmo do gatinho?

Ane: Ele até é gatinho mesmo, mas tem uma hérnia na barriga maior do que a minha cabeça. Quando ele me abraça, aquele negócio me empurra. Me dá um nervoso isso... Fora que ele beija o cachorro sujo dele na boca. Que nojo!

Que furada!

Adalberto: Beleza. Eu só vou terminar de limpar o meu quarto e te pego. Me passa o endereço por mensagem.

Ane: Não faça isso comigo! Eu acordei às seis da manhã, rezei um terço com a família dele, varri casa, cortei grama do jardim, fiz comida, almocei, lavei louça e já querem rezar outro terço às seis da tarde. Você tem meia-hora para chegar aqui. Ou esquece que eu existo!

E eu fui. Óbvio.

Como esquecer que ela existe, se a existência dela - e das outras  primas - me diverte tanto? Nunca!

domingo, 21 de abril de 2013

Primo ajuda Lu a adotar um gatinho (#soquenao)

Ontem, eu estava me arrumando para encontrar com uns amigos na praia, quando a Lu me ligou.

Lu: Está podendo falar?

Adalberto: Eu estou me arrumando para ir à praia, mas vai falando.

Lu: Eu estou me sentindo muito sozinha, carente, primo.

Adalberto: Sério? Eu vejo você, a cada semana, saindo com um carinha diferente... Achava que solidão não fosse o seu problema.

Lu: Eu saio com carinha diferente toda semana para, um dia, encontrar a pessoa certa.

Ótima justificativa!

Lu: Primo, eu preciso de um bichinho.

Adalberto: Como assim?

Lu: De um animal, ué. Eu quero alguém que seja só meu.

Adalberto: Alguém? Bicho não é gente, Lu!

Lu: Não é mas é como se fosse. Aliás, tem muito bicho melhor do que gente. E eu quero um para mim.

Adalberto: A cachorrinha de um amigo acabou de dar cria. Ele me ofereceu um filhote. Quer?

Lu: Qual a raça?

Adalberto: Shihtzu.

Lu: Não quero.

Adalberto: Por quê? Não gosta dessa raça?

Lu: Não. Não quero cachorro.

Adalberto: Então, por que perguntou a raça?

Lu: Sei lá.

Adalberto: Lu, vou sair agora. Marquei com uns amigos na praia.

Lu: Primo, eu quero adotar um gato.

Adalberto: Não apoio.

Lu: Por quê?

Adalberto: Você sabe que eu tenho pavor de gatos desde que eu fui atacado por um.

Lu: Mas você era criança.

Adalberto: E daí? Hoje eu sou um adulto, que se caga de medo de gatos.

Lu: Mas vamos comigo num lugar de adoção de gatos?

Adalberto: Existe isso?

Lu: Existe. Uma amiga me deu o endereço.

Adalberto: Lu, eu marquei praia com os meus amigos. Não vai dar para mim.

E para variar, a chantagem emocional da Lu prevaleceu. Quando dei por mim, estava num lugar que tinha uma feira de adoção de gatos, escolhendo o meu futuro sobrinho.

Lu: O que você achou daquele cinza?

Adalberto: Não gostei. Tem o bigode muito grande. Me dá nervoso.

Lu: E aquele marronzinho?

Adalberto: Muito gordo.

Lu: E esse aqui malhado?

Adalberto: Cego de um olho. Vai dar trabalho.

Lu: Adal, eu já te mostrei mas de cem gatos. Todos para você tem um defeito.

Adalberto: E sempre vão ter. Eu não gosto de gato.

Lu: Então, eu vou levar o primeiro que eu gostei.

Adalberto: Faz o que você achar melhor. O bicho vai ser seu, você que vai conviver com ele.

Lu: Então, é isso mesmo. Moça, me vê aquele ali, por favor.

A Lu falou de um jeito, que parecia que ela estava escolhendo uma peça de carne. Só faltou mandar embrulhar.

Moça: Senhora, não é assim. A senhora gostou do gato N1H1-8266T?

O gato da Lu tinha nome de gripe.

Lu: Não sei. Eu não vi o código. É aquele ali.

Moça: É esse mesmo. A senhora pode vir aqui comigo, por favor?

Eu fui atrás. Entramos num lugar, que me remeteu à sala da diretora do colégio de freira, onde eu fiz o meu Ensino Fundamental. Sentei ao lado da Lu e fiquei na minha.

Moça: Todo mundo que adota um gato tem que passar por uma entrevistinha. É para a gente saber se a pessoa tem condição de adotar um animal.

Lu: Beleza.

E depois de passar todos os dados pessoais, incluindo número de RG, CPF, título de eleitor, carteira de trabalho e passaporte, vieram perguntas mais específicas.

Moça: A senhora tem passagem pela Polícia?

Lu: Não. Assim, eu tive um ex que me bateu e eu dei parte dele na Polícia. Mas nada por coisa que eu tenha feito, sabe?

Moça: Entendi.

Lu: Já roubei balinha das Lojas Americanas, quando eu era criança. Quem nunca, né?

Meu Deus!

Moça: Eu nunca.

Lu: Não? Você não teve infância, então, me desculpa.

Moça: Senhora, eu vou voltar para a entrevista. A senhora mora em andar alto?

Lu: Moro.

Moça: A senhora faz tratamento no cabelo com produto químico?

Lu: Faço. Escova progressiva. Tem formol, né?

Moça: A senhora corta as unhas com tesourinha ou cortador de unha?

Lu: Tesourinha. Odeio cortador de unha!

Moça: A senhora usa salto alto?

Lu: Sempre.

Moça: O salto faz muito barulho, quando bate no piso da casa da senhora?

Lu: Faz. É taco, né?

Moça: A senhora costuma sair e chegar tarde em casa.

Lu: Todo fim de semana.

Moça: A senhora costuma levar terceiros para a sua casa?

Lu: Terceiros sempre vão para o meu quarto.

Jesus!

Adalberto: Não liga, não. Isso é uma piada. Era para rir.

Moça: Eu vou aqui fora e a minha assistente vai voltar para dar um feedback para vocês. Com licença.

E em menos de um minuto, uma menina com cara de fofinha apareceu na sala onde estávamos.

Menina: Com licença.

Lu: Oi. E aí?

Menina: A senhora foi reprovada e não vai estar podendo adotar um animal da família dos felídeos na nossa unidade.

Tudo isso para dizer que a minha prima não podia adotar um gato.

Lu: O quê? Eu vou quebrar tudo aqui dentro, então! Vou levar aquele gato nem que eu saia daqui direto para a cadeia! Eu não fiquei aqui que nem uma palhaça, dando entrevista para aquela rabugenta, para nada!

Menina: Senhora, por favor.

Lu: Por favor, não. Só a Marília Gabriela e o meu analista podem me fazer tanta pergunta. Eu estou com raiva! Quero bater naquela desgraçada!

E quando a Lu levantou, a menina fofinha virou sargento.

Menina: Seguranças! Levem essa louca daqui! Agora!

E fomos colocados para fora do local.

Lu: Eu estou com ódio mortal de você!

Adalberto: Por quê?

Lu: Você não fez nada para me ajudar!

Adalberto: Lu, eu sou um. Você viu o tamanho desses caras.

Lu: Eu estou falando na entrevista. Você podia ter me ajudado a responder.

Realmente podia. Estava na cara que, pelas respostas que ela deu, ela não iria conseguir adotar gato algum naquele lugar. Nem o mais feio, caolha e sem pelos daquela feira. Mas eu fiz de propósito. Não quero gatos na casa das minhas primas!

Adalberto: Vamos para casa?

Lu: Eu não vou com você. Vou de ônibus. Pode ir.

Adalberto: Lu, por favor, para de bobeira.

E não precisei falar mais nada. Furiosa, ela atravessou a rua sem ver um malabarista, que usava bastões com fogo nas pontas, que foi se apresentar no sinal. A Lu deu um encontrão com o cara e, se eu não fosse rápido, ela teria virado churrasquinho de gato.

Fomos para a minha casa no meu carro.

Adalberto: Lu, vai tomar banho. Você está com cheiro de fumaça.

Lu: Claro. Foi praga de alguém. Queimei o meu vestido. Que raiva!

Adalberto: Lu, às vezes, não era para ser. Esquece essa coisa de ter um bicho.

Lu: Não vou esquecer nada. Eu vou no Jóquei, no Campo de Santana, mas não vou ficar sem meu gatinho. Eu quero.

Adalberto: Então, vai.

Lu: Vou mesmo. E eu vou agora, com esse vestido todo queimado mesmo. Tchau.

E saiu batendo porta.

Adalberto: Tchau.

Duas horas depois, eu tinha acabado de chegar à praia para encontrar com os meus amigos, que estavam me esperando há horas, quando ela me ligou.

Lu: Onde você está?

Adalberto: Acabei de chegar na praia.

Lu: Primo, eu estou aqui no Campo de Santana, toda lanhada.

Adalberto: O que aconteceu?

Lu: Eu fui pegar um gatinho para levar para casa, mas acho que ele não gostou de mim.

Adalberto: Está muito arranhada?

Lu: Estou. Quando o bicho me arranhou, eu fui bater nele. Aí, vieram outros para defender. Eu preciso de um banho de mertiolate no corpo. Não quero mais saber de gato! Vem aqui me buscar?

É claro que eu não ia. Não sou palhaço para ela me destratar e, depois, vir como um gatinho, roçando o rabo na minha perna para me conquistar.

Lu: Por favor, primo. Eu te amo tanto.

E não precisou dizer mais nada. Coloquei a bermuda que eu mal tinha acabado de tirar e fui buscar a minha prima. Meus amigos ficaram fulos da vida comigo e disseram que não vão me chamar mais para nada.

Não estou nem aí para eles.

Faço tudo pelas minhas primas.

Ane, Lu, Sara e Marjorie são meus bichinhos de estimação. Minhas gatinhas.

sábado, 13 de abril de 2013

Semelhança com bandido rende colchão novo

Na quinta-feira passada, eu decidi faltar ao trabalho, porque precisava fazer três coisas urgentes: cortar as unhas, cortar o cabelo e cortar os pelinhos do nariz. Não me julguem! Arrumar tempo para fazer isso durante a semana é muito difícil. A vida é muito corrida.

Eu ainda estava na sala, vendo um filme e me preparando psicologicamente para começar um dos cortes, quando a campainha tocou. Era a Lu com a Polícia e um cara que parecia meu irmão gêmeo.

Lu: Ele é o culpado pelo roubo na fábrica de chocolates. Prendam-no!

Adalberto: Como assim?

Foi a última coisa que eu falei, antes de ir preso.

Na cadeia, eu tive direito a ligar para um advogado, mas, como eu não tenho grana, eu liguei para a Marjorie. Só ela poderia resolver o meu problema. Em meia-hora, ela apareceu lá para me ver.

Marjorie: E aí?

Adalberto: A Lu surtou, né?

Marjorie: Não exatamente, coitada. Eu entendo ela.

Adalberto: O que aconteceu?

Marjorie: O Ariedson é o carinha que ela foi apaixonada na quarta série.

Adalberto: E daí?

Marjorie: Daí que ele só sabia chamar a Lu de cabelo duro. Como a gente sofreu por ter nascido antes da escova progressiva, né? Hoje em dia, nenhuma menina passa por isso.

Adalberto: Marjorie, o que eu tenho a ver com isso?

Marjorie: Você é cara dele.

Adalberto: Eu percebi.

Marjorie: Se você visse o retrato-falado... É você, praticamente.

Adalberto: Sai para lá! Está maluca?

Marjorie: O Ariedson está sendo procurado pela Polícia, por ter roubado uma fábrica de chocolates na semana anterior à Páscoa.

Adalberto: E?

Marjorie: E aí que ele resolveu dar uma chance para a Lu. Mas esse foi o preço.

Adalberto: Eu fui o preço?

Marjorie: É... Mas ela me prometeu que vai desfazer isso e entregá-lo para a Polícia. Ela sabe que ele só quer usá-la.

Adalberto: E ela acha isso legal?

Marjorie: Ela não está nem aí. Ela só quer usá-lo.

Meu Deus, que baixaria na minha família!

Adalberto: E quando é que eu vou sair daqui?

Marjorie: Amanhã ela vai desfazer a mentira. Fica tranquilo.

Adalberto: Eu? Ficar tranquilo nesse lugar sujo?

Marjorie: Eu trouxe um saco de Serenata de Amor para você.

E eu me vendi por pouco. Topei passar a noite na cadeia, enquanto a Lu se esbaldava com um carinha, por quem ela foi apaixonada na quarta série, por causa de um saco de bombons que eu adoro.

No dia seguinte, a Ane, a Sara e a Marjorie foram à cadeia me ver.

Ane: Como é que você está?

Adalberto: Com mau hálito. Comi um saco de bombom ontem e não escovei os dentes. Sai de perto.

Marjorie: Anta, a gente quer saber se você ficou bem aqui nesse lugar.

Adalberto: Então, fora o mau hálito, eu até que gostei de ficar aqui.

O colchão da cadeia era melhor do que o da minha casa. Será que eles deixariam eu levar o colchão para casa? Deveriam. Eles me prenderam sem eu ter culpa. Eu merecia esse brinde!

Sara: Primo, você já vai sair daqui. Está feliz?

Eu tinha gostado dali. Fiquei numa cela só para mim, porque tenho nível Superior, dormi num colchão confortável e tinha alguém que fazia as minhas refeições. Eu acho que eu queria ficar ali para toda a vida. Estava pensando seriamente em cometer um crime daqueles, só para eu ser condenado por uma vida inteira. Eu só ia precisar de uma TV por assinatura, mais bombons e de um telefone celular...

Adalberto: Sara, posso ser sincero?

Sara: Claro, primo.

Adalberto: Eu quero ficar.

Ane: Como assim?

Adalberto: Eu quero ficar aqui para sempre. Não tem como a Lu não desfazer a mentira? Aqui, eu tenho horário até para o banho de sol. Isso é muito chique. Quando que, em pleno dia de semana, eu vou ter tempo para tomar banho de sol? Eu achava que isso era coisa que só rico podia fazer. Nada! Nós presos também fazemos.

Marjorie: Adal, por favor, não começa.

Adalberto: Ai, acho que vou roubar uma fábrica de chocolate de verdade...

Sara: Está maluco, garoto?

Adalberto: Será que é melhor roubar uma fábrica de cerveja? A pena é maior?

Ane: Cala a boca.

Adalberto: É sério.

Marjorie: Olha, você, por favor, não vai me estragar tudo.

A Lu disse à Polícia que foi obrigado a mentir, senão seria morta pelo Ariedson, que foi preso no meu lugar. Morri de inveja dele.

Cheguei em casa arrasado. Estava com saudade da minha celinha linda, do meu colchão confortável, da minha comidinha gostosa... As quatro primas tentaram me consolar.

Ane: Aqui fora você tem a gente.

Adalberto: E daí?

Lu: Aqui fora você é livre.

Sara: Aqui fora você pode ver os seus três afilhadinhos.

Marjorie: Aqui fora você tem a praia.

Nada me deixaria mais feliz do que, no mínimo, trinta anos de prisão na minha celinha, que eu tanto amei.

Lu: Garoto, vive tendo atentado nesses lugares. As pessoas jogam bomba.

Falou em bomba eu me cagou de medo. Quando eu era criança, meu pai não deixava eu brincar nem com estalinho em época de festa junina. Bombinha, então... Achava perigoso demais. Eu desenvolvi um pavor de tudo que explode.

Mudei de ideia. Não queria mais voltar para a cadeia. Mas não podia entregar os pontos tão facilmente.

Adalberto: Vocês me convenceram. Eu não volto para lá. Mas com uma condição.

Marjorie, Sara, Ane e Lu: Qual condição?

Adalberto: Eu quero um colchão igualzinho ao que eu tinha lá na minha cela.

E ganhei um colchão muito mais confortável do que o que eu tinha na minha cela.

Passamos o fim do dia tomando cerveja, sentados na minha cama (com colchão novo!). Eu estava como um pinto no lixo. Na verdade, a minha coluna estava como um pinto no lixo. Ela não aguentava mais o colchão antigo.

Até que valeu a pena ter sido preso.

sábado, 6 de abril de 2013

Dia da Mentira com quadradinho de oito

No domingo passado foi Páscoa e a Marjorie ficou de levar um ovo de chocolate para mim no dia seguinte. Nem fui trabalhar só para ver qual ovo ela tinha comprado para mim. E quando ela chegou a minha casa, a triste surpresa.

Marjorie: Primeiro de abril!

Adalberto: Como assim primeiro de abril?

Marjorie: Hoje é dia primeiro de abril. Dia da Mentira, ué.

Adalberto: Mas o que você fez não é certo. Você começou uma mentira ontem, na Páscoa, um dia santo. Você pode ser castigada por isso, sabia?

Marjorie: Ah, eu estou morrendo de medo.

Adalberto: Eu faltei ao meu trabalho, só por causa do ovo que você disse que ia me trazer, sabia?

Marjorie: Você faltou ao trabalho, porque qualquer coisa é um motivo para você não ir trabalhar.

Pior que é verdade.

Adalberto: Mentira! Eu não sou assim. Eu até gosto de trabalhar.

Marjorie: Arrã, quer enganar quem?

Adalberto: Marjorie, não muda de assunto, não. Você vai ter que comprar um ovo de Páscoa para mim. Esse seu primeiro de abril não vale.

Fora que, se eu estivesse grávido, o meu filho ia nascer com cara de ovo de Páscoa, tamanha era a minha vontade.

Marjorie: Ai, garoto. Ovo de Páscoa é barato. Vai à rua e compra um.

Adalberto: Eu não quero qualquer um. Eu quero um daqueles que você sempre me dá. Você é rica e pode pagar caro em ovo de Páscoa. Eu é que não posso pagar caro em ovo de Páscoa, se na minha geladeira nem ovo de galinha tem.

Marjorie: Adal, eu até comprei o seu ovo, mas como hoje é dia primeiro de abril, eu quis pregar uma mentirinha em você.

Fiquei mais tranquilo.

Adalberto: Você não vale nada.

Marjorie: Nem você.

Adalberto: Agora, eu não sei se a Ane vem aqui para casa hoje. Quando eu falei com ela ontem, que não iria trabalhar, porque você ia me trazer um ovo de Páscoa, ele disse que vinha almoçar comigo. Será que ela vem mesmo ou será que ela aderiu à moda de primeiro de abril antecipado?

Marjorie: Eu não falei com ela ontem.

E, do corredor da sala, surgiu a Ane.

Ane: É claro que eu viria.

Adalberto: Ué, você estava onde?

Ane: No quarto de hóspedes.

Adalberto: Você dormiu aqui?

Ane: Dormi. Tem problema? Se tiver, fala que eu devolvo a chave.

Adalberto: Não. Eu te dei a chave para isso. Mas eu gosto de ser avisado, quando as pessoas dormem na minha casa.

Ane: Pois é, mas, hoje em dia, está tão difícil de passar um primeiro de abril em você, que a minha maneira de te enganar foi dizer que viria hoje para cá e, em vez disso, vim ontem. Uma mentirinha boba.

Adalberto: Uma mentirinha boba, que também começou ontem, na Páscoa. E, assim como a da Marjorie, está invalidada. A mentira tem que começar e terminar no Dia da Mentira.

Marjorie: Essa é a sua regra?

Adalberto: É. Se quiser mentir para mim, tem que ter regra. Isso mesmo.

E a campainha tocou.

Adalberto: Já vai! É alguém conhecido, o porteiro não interfonou.

E, quando abri a porta, era a Sara.

Sara: Oi.

Adalberto: Como assim oi? Você me ligou ontem de Cabo Frio. Você estava lá com o Oswaldo e os trigêmeos. E ia passar a semana toda, porque o Oswaldo está em folga no trabalho. Já sei: essa foi o sua singela mentirinha de primeiro de abril, que também começou no dia anterior?

Sara: Não. A gente ia, realmente, passar a semana toda lá no hotel, em Cabo Frio. Mas eu não aguentei a menina do quarto ao lado do nosso, que não parava de olhar para o Oswaldo. A gente ia tomar café e ela ia atrás. A gente ia para a piscina e ela ia atrás. A gente ia almoçar e ela ia atrás.

Marjorie: Não acredito que você voltou só por isso, prima. Jura?

Sara: Claro que voltei por isso. Vocês sabem que eu não sou tão bem resolvida assim. Fora que a menina tem metade da minha idade e está com tudo em cima. Vocês acreditam que a mãe dela não vê, que ela é uma safadinha?

Ane: Acredito.

Sara: Não vê malícia em nada da filha. Ria de tudo o que a filha fazia. Para criar filho assim, é melhor nem ter. Eu acho...

Adalberto: Meninas, eu estou com fome. E não tem nada aqui em casa, além de orégano, sorvete de flocos e molho shoyo. Topam comer num lugar aqui perto? Vocês pagando a minha, claro.

Ane: Como assim a gente pagando a sua?

Adalberto: Pelas mentiras infames de vocês. Quem mente errado paga o almoço. Essa é a regra.

Marjorie: Você é um ridículo, sabia?

Adalberto: Não, minha mãe diz que eu sou lindo e eu acredito. Vamos?

Sara: Não. E a Lu?

Adalberto: A Lu foi a única de vocês, que tentou me passar uma mentira de maneira certa. No Dia da Mentira. Mas é tão surreal, que eu percebi que era mentira, mas fingi que acreditei para não acabar com a graça da prima. Ou seja, ela não vem. Vamos?

Marjorie: Vamos. Eu também estou morrendo de fome.

E quando abri a porta, dei de cara com a Lu, um homem mal encarado e umas meninas muito estranhas.

Lu: Eu não falei que eu vinha?

Adalberto: Como assim, Lu? Essas são as meninas do...

Lu: Bonde das Maravilhas. São! E você vai fazer o quadradinho de oito com elas.

Adalberto: Mas nem cremado! Meninas, vocês me desculpem, eu achei que ela estava de onda com a minha cara, porque hoje é o Dia da Mentira.

Lu: Eu nem lembrava do Dia da Mentira.

Adalberto: Pois é, mas hoje é o Dia da Mentira, sim. Meninas, então vamos deixar para uma próxima? Hoje, eu estou com a minha coluna doendo, dormi de mal jeito, sabe? A gente marca outro dia e vocês vêm aqui com calma me ensinar a fazer essa dança.

Lu: Adal, elas vieram de longe. Elas vão entrar e descansar um pouco aqui na tua casa, pelo menos.

Contanto que não fizessem o quadradinho de oito, tudo bem.

Adalberto: Está bem.

Lu: Esse aqui é o Admilson. Ele é irmão de uma delas.

Quando ele riu para mim, seus dentes de ouro reluziram. Eram muitos. Eu, que tenho fotofobia, quase fiquei cego.

Adalberto: Muito prazer.

Admilson: Então, você não acreditou que a Lu conhece gente famosa?

Não era bem isso. Eu não tinha acreditado que a Lu ia ter a coragem de trazer o Bonde das Maravilhas na minha casa.

Adalberto: Pois é... Agora, vê... O Bonde das Maravilhas na minha casa. Que orgulho!

Admilson: Pô, se você quiser, no teu aniversário, chamar as meninas para fazer um show, pode chamar. Elas te dão de presente o show. Você é um cara maneiro.

De jeito nenhum. Imagina eu, no meu aniversário, com os meus amigos, e, de repente, chega o Bonde das Maravilhas. Eu me jogo da janela mais próxima. Fato!

Adalberto: Obrigado, queridão. A gente vê isso mais para frente.

Admilson: Fechado.

Enquanto ias meninas do Bonde das Maravilhas dormiam no meu quarto e a Lu ficou namorando o Admilson no quarto de hóspedes, tive a brilhante ideia de comprar umas cervejas e uns petiscos, já que não dava mais para sair para almoçar.

Marjorie: Ué, a gente não vai mais sair para almoçar?

Adalberto: Não, Jojô. Nós temos visitas ilustres dormindo na minha casa. Não vou abandonar a minha casa, com gente que eu nem conheço dentro. Ainda mais... Deixa para lá.

Marjorie: É, você está certo.

E depois da décima garrafa de cerveja, já nem sabíamos mais quem éramos. Eu, particularmente, fiquei muito torto.

O pior é que foi exatamente nessa hora que as meninas acordaram. Elas estavam com toda a disposição do mundo. E, maliciosas que só, aproveitaram que estávamos bêbados, colocaram o CD do grupo para tocar e, quando dei por mim, eu estava de cabeça para baixo (segurado por elas, claro) fazendo o quadradinho de oito.

Tomara que ninguém tenha filmado isso.