sábado, 30 de março de 2013

Boca maldita da Lu entra em jogo e tira time de campo

Na terça-feira, enquanto eu almoçava tranquilamente, a Lu me ligou desesperada.

Lu: Adal, o Engenhão foi interditado e o Alfrenísio terminou comigo.

Adalberto: Que cara louco! Então, a culpa pela interdição do estádio é sua?

Lu: Pior que é.

Senti um frio na espinha daqueles.

Adalberto: Como assim, Lu? O que é que você andou aprontando?

Lu: No domingo, quando ele me deixou em casa mais cedo para ir ver jogo de futebol com os amigos, eu esbravejei com ele. Eu disse que, se ele fosse mesmo me deixar por causa de um grupo de onze homens tocando bola de um lado para o outro, que o Engenhão ia desabar. E, agora, a cobertura do estádio está perigando cair.

Adalberto: Ah, Lu, mas isso não é culpa sua. Foi só uma triste coincidência.

Lu: Triste coincidência? Está bem. Que o seu prédio exploda, se foi mesmo só uma triste coincidência.

Adalberto: Lu, vira essa boca para lá! Essa sua boca é maldita.

Lu: Ah, viu? Adal, eu preciso que você me ajude. 

Adalberto: O que você quer que eu faça, Lu?

Lu: Vai ter uma manifestação em frente à Assembleia Legislativa do Rio. Eu tenho certeza que ele vai estar lá. Vamos comigo?

Adalberto: De jeito nenhum. Eu não vou me embrenhar no meio de uma manifestação para procurar um homem, que está te desprezando.

Lu: É? Então, que o seu prédio exploda!

E um estampido forte veio de fora. Era de uma obra, que está acontecendo no imóvel ao lado. Mas fiquei com medo da boca maldita da Lu.

Adalberto: Eu vou com você. Mas, antes, quero que diga que nada vai acontecer com o meu prédio.

Lu: Está bem. Nada vai acontecer com o seu prédio. Ele nunca irá explodir. A não ser que...

Adalberto: A não ser nada. Tchau.

E bati com o telefone na cara dela.

Fomos os primeiros a chegar ao Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

Lu: Que estranho isso, primo. Manifestante costuma chegar com horas de antecedência. Faltam quinze minutos para começar e nada. Ninguém.

Adalberto: Está estranho mesmo.

Mas eu estava adorando.

Lu: Vou pedir informação ali na banca de jornal.

E o jornaleiro informou que a manifestação seria na próxima terça.

Adalberto: Eu sabia que tinha alguma coisa de errado.

Lu: E agora, Adal?

Adalberto: Espera até terça-feira que vem, ué.

Lu: Óbvio que não. Primo, eu tenho que resolver a minha vida. Não posso esperar uma semana. 

Adalberto: E o que você pretende fazer?

Lu: Amanhã vai ter jogo do Flamengo lá em Volta Redonda e ele vai. E nós também.

Adalberto: Mas o Alfrenísio não é Fluminense?

Lu: É mas essa praga vai em tudo o que é jogo. Ele torce contra, faz análise de jogo, anota os pontos fortes dos times... Um saco!

Adalberto: E é isso que você quer para a sua vida? Imagina você casada com um homem desses. Você quer um marido ou mesa redonda? 

Lu: Adal, ele não vai ser assim para sempre. Eu tenho fé em Deus e, agora, na minha boca.

Boca maldita!

Lu: Então, você vai comigo amanhã?

Adalberto: Eu vou ter que inventar alguma desculpa nova para não ir ao trabalho. Você me ajuda?

Lu: Ajudo. Sou mestre em contar histórias tristes.

E, no dia seguinte, estávamos nós a caminho de Volta Redonda, quando uma amiga da Lu ligou.

Lu: Adal, volta.

Adalberto: Como assim, Lu? A gente está no meio do trajeto.

Lu: Adal, o pai da Edilmara morreu. Eu tenho que ficar com ela.

Adalberto: Sério?

Lu: Sério. Ela nem era tão amiga, assim, do pai. Mas pai é pai, né, primo?

Adalberto: E o Alfrenísio?

Lu: Ele vai voltar. Por galinha de casa não se corre atrás.

Que louca! Por que ela não chegou a essa brilhante conclusão, antes de me fazer sair de casa?

Enfim, voltamos para a casa. A Edilmara foi encontrar com a Lu no meu apartamento. Nem parecia que ela tinha perdido o pai. Estava com um salto altíssimo, um vestido curtíssimo e uma maquiagem fortíssima. Ela era o superlativo em pessoa.

Lu: Amiga, que Deus te abençoe nesse momento. Saiba que, de onde quer que o seu paizinho esteja, ele está olhando por você e que...

Edilmara: Amiga, chega. Já chorei muito no enterro. O meu rímel não é à prova d´água.

Que insensível! Era o pai dela que tinha morrido!

Edilmara: Vamos comigo para o Forró do Tota?

Lu: Hã?

Até a Lu, que é meio sem noção, ficou surpresa com o despojamento da amiga.

Edilmara: Amiga, eu preciso de você nesse momento. O Sergelandro terminou comigo na semana passada. E disse que não tinha mais volta. Com a morte do meu pai, eu tenho certeza que ele vai se sensibilizar e vai voltar para mim.

Lu: Amiga, eu não acho que...

Edilmara: Você é minha amiga incondicionalmente?

Odeio essas chantagens!

Lu: Sou. 

Edilmara: Então, vamos comigo.

Lu: Adal, você vem com a gente?

Adalberto: Não, muito obrigado. Vão com Deus. Ah, Edilmara...

Edilmara: Oi?

Adalberto: Nada não.

Eu ia falar que estava muito sentido pela morte do pai dela. Mas aquele não era o momento para isso.

Edilmara: Não vem mesmo? Vai ser bonzão.

Adalberto: Não, querida. Vou ficar por aqui. Quero dormir cedo.

Edilmara: Está bem. Azar o seu. Beijo.

Que descarada!

Eles ficaram nó forró até tarde da noite. Na verdade, a festa acabou quando o Alfrenísio apareceu por lá, todo feliz pela derrota do Flamengo, com uma menina. Ele voltou para uma ex, que mora em Volta Redonda. A Lu ficou possessa com a Edilmara. Ela precisa atribuir a culpa em alguém. 

Lu: Por causa de você ele voltou para aquela safada!

Edilmara: Por causa de mim? 

Lu: Claro. Você mandou eu voltar.

Edilmara: E você voltou porque quis. Eu te peguei pelo braço?

Lu: Não. Você usou o psicológico, que é bem pior. Fez chantagem!

Edilmara: Ah, garota, sai daqui!

Lu: Saio mesmo. Com você, eu não quero mais nada.

Edilmara: Tchau, recalcada!

Lu: E que o Sergelandro nunca maios queira saber de você.

E, mais uma vez, a bolca maldita da Lu fez efeito. Mas ela muito colaborou para isso. Quando ela saiu do forró, não pensou duas vezes. Ligou para o Sergelandro, marcou de sair e, de quarta-feira para cá, ele virou o amor da vida dela. 

A Edilmara ficou uma arara quando soube. Mas a Lu não está nem aí. Está feliz pelo namorado e, principalmente, pela vingança contra e ex-amiga sem noção. 

O único problema é que o Sergelandro é viciado em vôlei. Hoje, ele saiu da casa da Lu cedo para ir ao Maracanãzinho, torcer por um grupo de seis homens que se matam para acertar uma bola na quadra do adversário, por um time que tem nome de empresa de sabão em pó.

Já estou esperando a boca maldita da Lu entrar em ação...

quarta-feira, 27 de março de 2013

Enxugar gelo dá dinheiro e eu não sabia

Na sexta-feira, quando eu cheguei em casa, o porteiro do meu prédio perguntou o que eu achava dele pedir um aumento à síndica. Eu achava uma péssima ideia, claro. Isso ia onerar ainda mais o valor do meu condomínio, que já é caro.

Adalberto: Severino, eu não acho que esse seja um bom momento. Espera mais um pouco.

E foi só eu entrar no meu apartamento, que ele me interfonou.

Adalberto: Severino, eu já falei com você...

Severino: A sua prima, a dona Marjorie está aqui. Posso mandar subir?

Adalberto: Ah, claro. Não precisa interfonar, quando for as minhas primas. Você sabe disso.

Severino: Eu sei. Mas eu tenho que ser profissional. Só um profissional, que cumpre regras, é valorizado e merece aumento.

Fiquei calado. Ele estava certo.

A Marjorie também estranhou a atitude do Severino.

Marjorie: O que houve com o Severino?

Adalberto: Não sei. Não deve estar num bom dia.

Marjorie: Gosto tanto dele. Às vezes, é insatisfação. Vocês já pensaram em dar um aumento para ele?

Adalberto: Marjorie, isso é uma decisão, que tem que ser tomada com todos os moradores. Eu vou falar sobre isso na próxima reunião.

De jeito algum!

Adalberto: Mas o que foi que você veio fazer aqui?

Marjorie: Vim saber se vocês está a fim de ganhar uma graninha extra? Apareceu uma oportunidade legal e, como você é funcionário público e sempre consegue dar uns perdidos no trabalho, pensei que você poderia gostar.

Adalberto: Já gostei. Amore, para ganhar uma grana extra, eu topo até enxugar gelo.

Marjorie: A safada da Lu já te falou?

Adalberto: Não. Como assim? O quê?

Marjorie: É que ela estava tomando café comigo ontem, quando o filho de um estilista, que é cliente lá da fábrica, peguntou se eu conhecia alguém que fosse ágil e tivesse força. Aí, eu falei de você.

Adalberto: Agilidade e força para enxugar gelo?

Marjorie: Isso. O Brasil está montando uma seleção de curling para as Olimpíadas de 2016. Sabe como é, o país sede tem que competir em todas as modalidade. E eles estão precisando de um varredor.

Adalberto: Eu não sei nem que esporte é esse.

Marjorie: Curling é um esporte coletivo, praticado numa pista de gelo. O objetivo é lançar pedras de granito o mais próximo possível de um alvo.

Adalberto: E onde eu entro aí?

Marjorie: Os varredores, que são os caras que enxugam gelo, facilitam o deslizar das pedras. Eles ficam passando uma vassourinha no gelo durante o trajeto da pedra.

Adalberto: E você acha que eu vou ficar enxugando gelo para uma pedra deslizar até um alvo?

Marjorie: Eu acho uma boa. É uma grana extra.

Adalberto: Marjorie, que grana extra? Eu não vou enxugar gelo. Está maluca? Onde já se viu?

Marjorie: Ué, Adal, você disse ainda há pouco que, por uma graninha extra, até gelo você enxugaria.

Adalberto: Eu disse. Mas não foi isso que eu quis dizer. Isso é uma expressão conhecida. Eu não pretendo enxugar gelo por dinheiro. Não estou morrendo de fome. Tenho o meu trabalho. Imagina, e a minha reputação? Eu tenho uma imagem a zelar. Não, de jeito nenhum.

Marjorie: Beleza. Foi só uma ideia.

Adalberto: Péssima ideia.

No domingo, encomendei um almoço de um bufê para receber as primas. A comida parecia deliciosa. pena que a Ane levou um peguete para azedar o que parecia perfeito.

Ane: Gente, esse aqui é o Crocelson.

E eu não fui com a cara dele.

Adalberto: Muito prazer, queridão. Olha, essa menina é muito cara. Vê lá onde você foi se meter...

Ane: Dinheiro para ele não é mais o problema. Ele entrou para a seleção brasileira de curling, que fechou um patrocínio ótimo. Ele vai até dar entrada numa casa.

Adalberto: Curling não é aquilo que você falou comigo, Jojô?

Marjorie: É. Que coincidência! Você entrou para uma vaga de varredor?

Crocelson: Isso. Comecei ontem. E só por assinar contrato com a seleção, já ganhei uma nota preta. Nem trabalhando um ano inteiro, eu conseguiria juntar o que eles me pagaram.

Eu não queria acreditar no que ouvi. Fiquei com ódio mortal de mim mesmo.

Sara: Poxa, que bom. Parabéns.

Explodi.

Adalberto: Parabéns? Está maluca? O cara rouba a minha vaga e você dá parabéns para ele?

Eu estava numa ponta da mesa e o Crocelson na outra. Como não tinha como eu acertar um soco na cara dele, arremessei toda a comida que vi pela frente sobre ele. E ele não ficou por baixo. Fez o mesmo. E nós parecíamos Fernando Montenegro e Paulo Autran naquela cena antológica de Guerra dos Sexos.

As primas ficaram histéricas, mas não conseguiram impedir que desperdiçássemos toda a comida que comprei na minha guerrinha com o Crocelson. E quando acabou a comida, acabou a guerra. O Crocelson saiu batendo porta. A Ane foi atrás.

E eu chorei copiosamente. Pela comida cara que paguei à toa e, principalmente, pela oportunidade que perdi de ficar rico enxugando gelo.

Lu: Bem feito. Isso é para você aprender a não jogar fora uma oportunidade boa.

Sara: Não tem que jogar fora nada. Nem oportunidade boa nem comida.

Marjorie: Primo, agora, relaxa. Já foi. Não adianta ficar assim.

Adalberto: Eu quero me matar! Eu vou me jogar dessa janela!

Lu: Está maluco? Aí, você vai morrer e não vai ter mais oportunidade de enxugar gelo. Corre atrás do prejuízo. Tenta falar com o amigo da Marjorie, sei lá.

Adalberto: Gente, faz o seguinte. Alguma de vocês, por favor, liga para a Ane, vê se ela está com o Crocelson e me diz onde. Eu vou tirando o carro da garagem. Eu vou pedir desculpas para ele. É isso que eu precisa fazer agora. Estou muito arrependido.

Mentira. Eu ia arrebentar o Crocelson. Ele ia ficar sem poder andar e eu ia assumir a vaga dele na seleção brasileira de curling. Ganhar dinheiro enxugando gelo virou ideia fixa na minha cabeça.

Saí como um louco da garagem. Estava tão cego de raiva, que não vi um caminhão de gelo que passava na rua e acabei com o meu carro. E com o meu joelho.

Resumindo: fiquei sem ter como andar. Ou seja, o feitiço virou contra o feiticeiro.

Ane ficou sem falar comigo, porque o Crocelson terminou com ela, depois da confusão na minha casa. Ela fez falta, mas ainda bem que eu tenho as outras primas. Elas cuidaram de mim, colocando uma compressa com gelo no meu joelho, que o Severino emprestou. Na próxima reunião de condôminos, eu juro, vou sugerir um aumento para o meu porteiro querido.

E depois de tudo isso, qualquer assunto relacionado a gelo me dá calafrios...

sábado, 16 de março de 2013

Ane atropela sem atropelar e quase vai presa

Na quinta-feira, eu contei uma história triste para o meu chefe e não fui trabalhar. Precisava descansar um pouco. Fiquei em casa a manhã inteira na cama, pensando na desculpa que contaria no dia seguinte para também não trabalhar na sexta. Mas estava sem criatividade. Já tinha usado todas as minhas desculpas para o mês de março nos quinze primeiros dias do mês.

Se fosse pela preguiça, eu ficava em casa deitado o resto do dia, mas eu tinha que almoçar e, na minha dispensa só tinham coisas desconexas, como um pote de milho, pó de café, mostarda escura e aveia. É... Não dava para matar a fome com isso.

E quando eu ia dar a primeira garfada no meu PF, a Ane me ligou.

Ane: Primo, você precisar vir aqui, agora, me socorrer.

Adalberto: Ane, eu estou almoçando. Me liga daqui a um minutinho?

Ane: Garoto, eu estou indo presa. E a Marjorie acabou de desmaiar. Levaram ela para um hospital.

Adalberto: O quê? Como assim?

Ane: A gente estava indo passar o fim de semana em Búzios. Mas, aqui na altura de Itaboraí, uma moto com duas meninas e dois bebês foi ultrapassar um carro na contramão e bateu no meu. Detalhe: as meninas são menores de idade, estavam sem capacete e a moto é roubada.

Adalberto: Alguém morreu?

Ane: Não. Só sofreram pequenos arranhões. 

Adalberto: Foi uma batida leve, então? 

Ane: Foi. Aqui está meio engarrafado, o carro não estava em alta velocidade, tanto que só arranhou um pouquinho na lateral. As meninas e os bebês estão bem. Só eu e a Marjorie mesmo que nos ferramos nessa. Ela desmaiou de nervosismo e bateu forte com a cabeça no chão. E eu estou indo presa.

Adalberto: Meu Deus! Mas a menina que pilotava a moto estava toda errada e você é quem vai presa?

Ane: Elas são mulheres de bandido e, quando a polícia estava a caminho para fazer o registro de ocorrência, a comunidade inteira sumiu com a moto e as crianças. 

Adalberto: E aí?

Ane: Aí, que eu fui obrigada a dizer que atropelei as meninas e estou indo presa.

Adalberto: E você está falando isso na frente dos policiais?

Ane: Não. Eles estão terminando de preencher o registro de ocorrência e eu vim aqui para frente falar com você. Vem para a delegacia de Itaboraí agora e traz a Lu. O bandido, que é marido de uma das meninas que bateu, no meu carro é Jordson, que traiu ela com a Fabriciana, lembra?

Adalberto: Claro. Esse cara não vale nada.

Ane: Só a Lu pode me tirar dessa. Vem para cá com ela, primo, por favor. Tenho que ir. Presa. Beijo.

Isso não me fez, exatamente, perder a fome. Mas deixei o meu prato intacto para tirar uma prima de uma encrenca.

A Lu estava saindo do salão onde trabalha, quando eu cheguei para buscá-la.

Lu: Que coisa mais chique! Meu chofer veio me buscar.

Coitada. Mal sabia o que a esperava.

Lu: A que devo a honra dessa surpresa?

Adalberto: A problemas com um bandido chamado Jordson, lembra?

Lu: Aquele cretino! O que aconteceu?

Adalberto: Entra no carro, que eu te conto no caminho.

Enquanto isso a Marjorie acordava no hospital,sem saber onde estava. E ninguém soube explicar como ela havia chegado ali. Aos poucos, ela foi recordando o acidente, perguntou para as pessoas pela Ane, mas ninguém sabia responder. Saiu do hospital sem rumo.

A delegacia estava cheia. O Jordson tinha ido acompanhar a mulher. A Ane já estava sozinha e com medo. Já havia passado duas horas, que o acidente tinha acontecido e nada de chamarem eles para prestar depoimento. 

Enquanto isso, eu chegava em Itaboraí causando. Tentei ultrapassar um sinal vermelho, quando uma pessoa atravessa a rua.

Lu: Não faz isso! Está maluco! Aquela doida, ali, vai atravessar a rua. 

Dei um freio, que chamou a atenção de toda a cidade.

Adalberto: Foi mal. É a pressa. 

Lu: A gente não pode atropelar ninguém nesse lugar. Sem atropelar, eles já dizem que a gente atropelou...

Adalberto: Ué, a doida que eu ia atropelar é a Marjorie. Jojô!

Marjorie: ai, não acredito! O que vocês estão fazendo aqui?

Adalberto: Entra no carro. A gente está com pressa.

Chegamos à delegacia na hora que a Ane foi chamada para prestar depoimento. A Lu parecia que tinha saído de um filme.

Lu: Senhores, eu tenho confissão a fazer.

E ninguém olhou para ela. Afinal, aquilo não era um filme. Era a realidade dura de uma delegacia de Itaboraí.

Lu: Jordson, seu canalha, você vai contar a verdade no seu depoimento.

Jordson: Cala a boca!

Lu: Não calo, não. A tua mulher faz a cagada e a minha prima que assume? Nã, na, ni, nã, nã! Você me traiu com a Fabriciana e eu já não te perdoava por isso. Agora, quer sacanear a vida da minha prima? De jeito nenhum, seu calhorda!

Jordson: Fica quieta para você não se dar mal também.

Lu: Eu me dar mal? Quer que eu conte para a Polícia, que você é o Totonho Valeta? Braço direito de bandido, quer? Aí, você já fica logo por aqui também. De vez.

Jordson: Sai daqui, senão, eu te mato.

Lu: Então, mata! Mata, se tu é homem!

Nunca desafiem um bandido. O cara sacou uma arma da cintura e deu um tiro na direção da Lu. Mas a arma não estava carregada. Para a nossa sorte.

Mas a histeria foi grande. Um corre-corre, quando o Jordson tirou a arma da cintura... Todos os esforços se voltaram para pegar esse bandido, que correu como um louco, quando viu que a arma não estava carregada. Uma confusão só.

Eu fui com as minhas primas para fora.

Adalberto: Vamos embora desse lugar. Você tem condições de dirigir?

Ane: Garoto, eu tenho que prestar depoimento. A minha identidade está lá com eles. 

Adalberto: Naquela confusão, eu consegui pegar os seus documentos.

Ane: E o documento do carro?

Adalberto: Está aqui também.

Ane: Mas, no registro de ocorrência, tem as minhas informações. Eles vão ter como me achar.

Adalberto: Eu também peguei o registro de ocorrência. Esse atropelamento não existiu. Vamos!

Lu: Arrasou!

Em terra de ninguém é assim. Qualquer brecha pode ser uma oportunidade.

Ane: Primo, eu te amo!

Adalberto: Ama nada. Nem me chamou para ir com você para Búzios. Aliás, você e dona Marjorie. Estão na minha lista negra. Mas vamos logo, antes que a gente seja preso por fuga. Estou morrendo de fome. Larguei meu PF intacto para vir salvar vocês.

Ane: Para onde vamos?

Marjorie: Para a casa da Sara. Eu liguei para ela contando tudo. Disse que vai fazer um jantar para a gente.

Adalberto: Partiu, então.

O jantar estava ótimo. Comi até esquecer que estava com fome. E bebi até esquecer que o atropelamentou-que-não-existiu existiu.

sábado, 9 de março de 2013

#XATIADO

Na quinta, à noite, a Lu aproveitou que a Sara e a Ane estavam jantando na minha casa e saiu mais cedo do trabalho para nos encontrar. Ela parecia meio irritada.

Sara: O que é que aconteceu?

Ane: Que cara é essa? 

Adalberto: Quer comer alguma coisa?

Lu: Não. Eu quero matar Ezilvânio.

Adalberto: O carinha que a Marjorie está saindo?

Sara: Eles estão namorando, Adal. Ela me contou ontem.

Lu: Vocês não têm visto o que ele está fazendo com as nossas fotos nas redes sociais, não? 

Ane, Sara e Adalberto: Não.

Ela não disse mais nada. Apenas nos entregou o celular.

Ane: Meu Deus, a foto da gente fazendo aquelas caretas medonhas...

Sara: Jesus, a foto da gente fingindo que estava tirando meleca...

Adalberto: Meu Deus e Jesus, a foto que a gente tirou levantando a camisa e estufando a barriga para parecer que estava com vermes...

Lu: Todas aquelas fotos que a gente tirou, quando a Marjorie trouxe ele aqui para apresentar para a gente, ele colocou na rede social.

Adalberto: Ele não podia ter feito isso. A gente estava brincando, de palhaçada. Ele mesmo disse que eram fotos impublicáveis.

Ane: Como é que eu não vi isso? 

Lu: Porque ele não te marcou na foto.

Ane: Ele precisa deletar isso agora!

Sara: Precisa mesmo. Se o Oswaldo descobre que tem foto minha de palhaçada pela internet, ele não vai gostar nada disso.

Adalberto: Ele também não me marcou nas fotos. 

Lu: Nem a mim. Eu descobri isso ontem, quando vi que ele postou umas fotos com a Marjorie num pagode em Irajá. Eu não acreditei quando vi a Marjorie num pagode. Só pode ser o amor. Aí, entrei no álbum para ver se tinha mais fotos e não acreditei quando vi as nossas fotos. Olha essa aqui só com você e ele, Ane.

Ane: Nessa foto, eu fiquei bonitinha. Gostei.

Lu: Gostou? Agora, lê a descrição.

Ane: Hashtag-Ane, hashtag-prima, hashtag-desastrada, hashtag-chatonilda, hashtag-mala-sem-alça, hashtag-instafiltro, hashtag-instanoite, hashtag-instajantar. Eu vou dar na cara dessa filho da mãe.

Sara: Gente, que negócio é esse de hashtag?

Adalberto: É aquele jogo da velha, que agora funciona como hiperlinks. Virou overdose na internet. Tudo, agora, é motivo para uma hashtag, seguida por uma palavra, geralmente, com a grafia errada. Linguagem de internet...

Sara: E isso quer dizer o quê?

Ane: Quer dizer que é coisa de quem não tem o que fazer.

Lu: Concordo.

Ane: Olha, esse namoradinho da Marjorie é um hashtag-idiota, um hashtag-cretino e hashtag-não-deveria-ter-feito-isso-comigo.

Lu: Mas não foi só com você. Olha a sua foto com ele, Adal.

Nem entrei no mérito de julgar se a foto estava boa ou ruim. Fui direto ler as besteiras que ele escreveu.

Adalberto: Hashtag-Adal, ok, hashtag-o-dono-da-casa, ok, hashtag-primo, ok, hashtag-louco, hashtag-sem-noção, hashtag-cara-de-pau, hashtag-palhaçinho, hashtag-tosse-muito, hashtag-instajantar, hashtag-instadivertido, hashtag-instaenchi-a-pança, hashtag-instadei-preju. Que cara idiota.

Lu: Esse cara é um imbecil.

Sara: Ele postou a foto que tirou comigo?

Lu: Postou e também escreveu um monte de besteiras.

Sara: O quê?

Lu: Aqui, quer ver? Deixa eu ler. Hashtag-Sara, hashtag-prima, hashtag-casada, hashtag-metódica, hashtag-neura-em-pessoa, hashtag-doida-pelo-Oswaldão, hashtag-ciumenta-além-da-conta, hashtag-instajantar, hashtag-instaalegria, hashtag-instaalegria-de-viver.

Sara: O Oswaldo não vai gostar disso, não.

Adalberto: E na foto que ele tirou com você, Lu?

Lu: Escreveu um monte de asneira também. Mas eu prefiro nem ler para não sentir mais raiva desse cara.

Adalberto: E o que você está pensando em fazer? Falar com a Marjorie?

Lu: E você acha que a Marjorie vai se importar com isso? Ela, que detestava pagode, tem frequentado um pagode no Irajá toda semana com esse cara. Nem vai ligar para as palhaçadas que ele escreve na internet. Ainda deve achar tudo lindo.

Sara: Senhor, o que esse Ezilvânio fez com a nossa prima?

Ane: Deve ser bom de cama.

Lu: Nada. Deve ser macumba mesmo. Aquela cara de imbecil dele não me engana.

Adalberto: Então, você pensa em fazer o quê?

Lu: Destruir esse relacionamento.

Ane: Como?

Nós conhecemos alguns estilistas, que além de clientes são amigos da Marjorie. Ela mesma nos apresentou a eles. A nossa tática foi simples: organizamos um jantar na minha casa, convidamos três desses estilistas amigos da Jojô e, obviamente, ela e o Ezilvânio.

O Ezilvânio, no contato real, não é má pessoa e sabe se comportar muito bem. Tudo bem que eu censurei o CD do Grupo Bom Gosto na minha casa. Da outra vez, ele colocou e eu achei algumas músicas de péssimo gosto. Fora que, se eu deixasse ele colocar o tal CD, eu temia que ele ficasse dançando, em vez de se ocupar com a sua atividade favorita: tirar fotos.

Ezilvânio: Gente, vamos tirar fotos?

Adalberto: Vamos.

Ane: Eba!

Promovemos todas as análises combinatórias de fotos: Ezilvânio com todo mundo, Ezilvânio com os primos, Ezilvânio com os estilistas, Ezilvânio com cada primo, Ezilvânio com cada estilista, Ezilvânio forever...

No dia seguinte, ele já tinha postados todas as fotos e e colocado aqueles hashtags-sem-noção nas descrições. A Lu só teve o trabalho de mandar o link das fotos para os estilistas amigos e clientes da Marjorie.

Horas depois, a Marjorie, já estava me ligando.

Marjorie: Primo, terminei com o Ezilvânio.

Yes!

Adalberto: Como assim, Jojô? O que houve?

Marjorie: Cara, ele é louco. Depois de uma noite incrível e divertida como a de ontem, você acredita que ele entrou numa neura chata, na volta para casa, e começou a reclamar, porque você não deixou ele colocar o CD do Grupo Bom Gosto.

Ué, então não tinha nada a ver com as fotos que enviamos para os estilistas?

Adalberto: Ah, Jojô, eu achei que não era ocasião. Um jantar com estilistas...

Marjorie: Claro. Mas ele tem que entender que ele não estava em casa. Na nossa casa, a gente faz o que a gente quer. Na dos outros, não.

Adalberto: Então, foi mesmo só por isso que você terminou com ele?

Eu não estava acreditando que o plano da Lu não tinha feito resultado algum.

Marjorie: Como assim, só por isso? Primo, o cara falou mal de você. Eu não posso aceitar isso de uma pessoa que eu conheço a um mês. Ele sabe que você e as primas são os meus melhores amigos e querem o meu bem acima de tudo. Eu não posso aceitar que ele fale o qualquer coisa de vocês para mim.

Eu queria morrer! A Marjorie terminou com o cara por causa de mim. E eu num complô para estragar o namoro dela, por causa de foto...

Adalberto: Jojô, eu não quero que você termine com o Ezilvânio por causa de mim.

Marjorie: Adal...

Adalberto: Eu não acho justo. Você pode até terminar com ele por outro motivo. Mas por minha causa, não. Isso não é legal.

Marjorie: Agora, já era. Vamos tomar um chopinho com as meninas lá no boteco? Quero brindar a minha solteirice.

Adalberto: Ah, não.

Marjorie: Eu já falei com as meninas. Elas vão.

Adalberto: Ah, é?

Marjorie: Claro. Minhas primas fecham comigo, são minhas parceiras.

Adalberto: Então, eu vou também.

Marjorie: Daqui a uma hora lá, então. Beijo.

Eu fui meio mal. Tinha me arrependido de tudo o que tentamos fazer para estragar o namoro da Marjorie. Mas, depois do terceiro chope, já estava falando besteira, rindo e me divertindo com as músicas que estavam tocando. Mal sabia eu quer era do Grupo Bom Gosto...

No meio da noite, a Marjorie contou que os estilistas disseram viram os links das fotos que a Lu encaminhou para eles, adoraram e mandaram agradecer. Isso meio que lavou a minha alma. O plano da Lu, em que eu entrei de cabeça, jamais daria certo.

Hoje, a Lu entrou na página do Ezilvânio, por curiosidade, e viu que ele postou uma foto sozinho com a descrição hashtag-dor-de-cotovelo.

Fiquei com pena. Mas é melhor assim. Ele bem longe da gente. 

Se o namoro da Marjorie com o Ezilvânio fosse para frente e ele continuasse postando aquelas coisas sem graça em toda foto que tirasse comigo ou com as outras primas, eu iria ficar bastante... Hashtag-chateado.

domingo, 3 de março de 2013

Primas dão bolo no aniversário do Rio

Na sexta-feira, o Rio de Janeiro fez 448 anos e eu resolvi celebrar a data em grande estilo com as primas. Decidimos juntos que invetaríamos uma história triste para faltar ao trabalho e iríamos curtir o dia. O roteiro era o seguinte: café da manhã no Parque Laje, pedalada nas Paineiras com direito a banho de cachoeira para refrescar, fritar na praia até o sol se por (claro!) com muitos aplausos e barzinho na Lapa para fechar o dia com chave de ouro.

Mas nada disso aconteceu.

A primeira a dar desculpas foi a Ane.

Ane: Primo, eu torci o pé ontem e estou usando botinha ortopédica. Nem vai rolar.

Adalberto: E se eu não te ligasse, eu jamais saberia disso?

Ane: Eu sabia que você ia ligar. Você ia passar aqui em casa para me buscar.

Fiquei calado para não dar uma resposta daquelas, que entrega o nosso nível. Baixo, no caso.

Ane: Te amo.

A Lu também não tinha condições de ir, mas o motivo não era nenhuma novidade.

Lu: O Regisvaldo dormiu aqui.

Adalberto: E isso quer dizer que você passou a noite toda em claro e, agora, não vai ter condições de honrar um compromisso, que você havia tratado há uma semana.

Lu: A culpa não foi minha. Eu imaginei que seria uma rapidinha.

Adalberto: Lu, eu vou desligar, porque o que eu teria para te falar também não seria nada rapidinho. Mas não vale a pena. Você não tem jeito. Nunca vai aprender.

A Sara, além de também ter seu motivo para não sair de casa, colaborou com uma informação nova.

Sara: Eu estou com uma irritação na pele. E de mais a mais, o tempo está fechado. Vai dar chuva. Você não viu?

O meu apartamento é, praticamente, uma caverna. Todas as janelas ficam fechadas o dia todo e eu, para ver as condições climáticas, acabo apelando para o celular. Dá menos trabalho.

Adalberto: Eu estou com o celular carregando na cozinha e não acessei o aplicativo da meteorologia até agora.

Sara: Ih, está começando a chover aqui.

Adalberto: Aqui também. Estou ouvindo um barulhinho de chuva. Que bosta. Vou ligar para a Marjorie, para desmarcar o nosso programa.

Mas ela também não iria poder me acompanhar.

Marjorie: Garoto, eu até cheguei a me arrumar, mas eu acordei com a ligação de uma cliente e vou ter que ir para São Paulo. Quer ir comigo, Adal?

Adalberto: No dia do aniversário do Rio de Janeiro ir para São Paulo é um pouco demais, não?

Marjorie: Pior é ficar aqui com essa chuva. É o mesmo que estar em São Paulo.

Verdade.

Adalberto: Eu vou com você.

Marjorie: Oba! Depois da reunião, a gente vai para um coquetel de outro cliente meu, em homenagem ao aniversário do Rio. Ele é carioca mas mora em Sampa há uns dez anos. De uma forma ou de outra, a gente vai comemorar a data.

Gastei todas as minhas milhares de milhas, que eu guardava para fazer uma viagem internacional, por uma ida ali em São Paulo.

Marjorie: Não adianta fazer essa cara. Comprar passagem em cima da hora é assim mesmo.

Adalberto: Um absurdo, né?

Mas o programa de índio não parou por aí. Quando o avião já havia decolado e eu achava que aquele era um caminho sem volta, tivemos que retornar. Uma ave infeliz foi atingida pela turbina do avião e acabou com a nossa incrível viagem para São Paulo.

Marjorie: Que falta de sorte a nossa.

Adalberto: Falta de sorte, não. É um aviso. A gente não tem que ir para São Paulo no dia do aniversário do Rio. É contra-sensual.

Marjorie: E só agora você acha isso?

Adalberto: Depois dessa, né? Quer arriscar ir no próximo voo? Eu não vou. Eu amo a minha vida.

Ela também não foi.

No táxi para casa a Lu me ligou.

Lu: Cadê você?

Adalberto: Saindo do Santos Dumont.

Lu: Ai, primo, passa aqui no Largo da Carioca para me buscar. Eu tenho uma surpresinha para você. É das boas, hein...

Falou em surpresa, eu já imagino um carro zero importado, uma cobertura de frente para o mar, um jatinho ou qualquer outra coisa nessa linha. Eu sei que, vindo da Lu, eu não poderia esperar nada disso. Mas, sei lá, eu me encho de esperança e pago para ver.

Adalberto: Jojô, vou pedir para o taxista desviar o caminho para a gente pegar a Lu ali no Largo da Carioca. Tudo bem?

Marjorie: Tranquilo.

Adalberto: Moço, Largo da Carioca, por favor.

Taxista: Está cheio lá.

Minha imaginação viajou... E eu não conseguia esconder a felicidade. A Lu iria me presentear com a casa que ela ganhou numa dessas milhares promoções, que ela participa. Já estava até vendo a minha prima em cima de um palco, recebendo as chaves e dizendo que daria o imóvel de presente para mim.

Marjorie: Ouviu, Adal? Ele disse que está cheio lá.

Adalberto: Ouvi. Não tem problema. Toca para lá, por favor.

E quando chegamos, realmente, estava muito cheio. No começo, eu estava com um sorriso no rosto, que eu não conseguia segurar. Mas, quando fomos chegando perto, e vi que se tratava da distribuição de um bolo gigante para os cariocas, a decepção tomou o meu ser.

A Lu estava em cima de um hidrante acenando para mim, com uma bolsa de mercado cheia de bolo dentro. Eu quero ela em cima do palco, recebendo as chaves da minha casa. Como na minha imaginação...

Lu: Ai, que bom que vocês vieram me pegar. Hoje, os motoristas de ônibus entraram em greve. Foi o maior perrengue vir para cá. Os poucos ônibus, que estão circulando, passam lotados. Eu não queria amassar o meu bolo agora na volta.

Fomos para a minha casa e, depois de tantos bolos que eu tomei ao longo do dia, acabei comendo o bolo do aniversário do Rio de Janeiro.

Pelo menos, a data não passou em branco.