sábado, 9 de outubro de 2010

Filha de ex-namorado da Ane deixa aprendizado para a vida

Eu cheguei meio atrasado pra almoçar com a Ane no shopping, mas ela estava tão compenetrada numa conversa com uma menina de, no máximo 13 anos, que fiz o máximo para não incomodar:

Adalberto: Licença.

Ane: Peraí, Adal, não atrapalha.

Apesar disso, me sentei à mesa com elas, porque eu não sou palhaço e não saí de casa à toa.

Lia: Tipo assim, cara, você tem que se valorizar mais.

Ane: Eu sei, mas como?

Lia: Eu não fico ligando pro Andrei toda hora. E, quando eu quero falar com ele, eu dou um toque no celular dele e ele me retorna. Eu não vou ficar gastando cartão do meu celular pré-pago pra falar com homem.

Ane: Mas o meu celular é de conta.

Lia: Amiga, com homem a gente tem que se impor. Não importa se o celular é de conta ou de cartão.

Eu fiquei tão embasbacado com o que estava ouvindo, que até esqueci de pedir a comida.

Adalberto: Vou pedir uma saladinha.

Ane: Adal. Um segundo.

Adalberto: Tá. Um segundo. Passou. Garçom!

Fiquei comendo, enquanto ouvia os conselhos da mais nova amiga de infância da Ane:

Lia: Eu acho que ele gosta de você, sim, mas a partir do momento que você impede ele de ser ele mesmo, você impede que ele goste de você.

Ane: Como assim?

Lia: O meu pai gosta de você de verdade, mas é do jeito dele. Ele não vai abrir a porta do carro pra você, não vai te dar flores, não vai pagar a conta do motel sozinho, não vai lavar a louça da tua casa, não vai te ajudar a fazer compras de mês, não vai te levar pra jantar em restaurante legal, não vai querer ter filhos com você, não vai querer morar na tua casa...

A cara de decepção da Ane era nítida.

Ane: Mas eu tenho como inverter essa situação? Não dizem por aí que o amor transforma?

Lia: Cara, Ane, o teu problema é que você já tem muito definido pra você o que é o amor. O amor é "eu tô contigo, gosto de você e tamo junto pro que der e vier". É claro que o meu pai tem como virar um paga-pau teu. Tem. Mas isso é com o tempo, cara. Vocês só estão há duas semanas juntos.

Ane: Mas você acredita nisso?

Lia: Cara, o meu pai já é homem calejado. Mas, assim, você tem que ser a água mole na pedra dura.

Ane: Ai, Liazinha, eu quero mais objetividade. Por exemplo, ele não fala comigo desde ontem. E, ontem, só falou, porque eu liguei. Eu ligo pra ele?

Lia: De jeito nenhum. O Andrei ficou um dia sem me ligar e sabe o que eu fiz?

Ane: O quê?

Lia: Fiquei o recreio inteiro, conversando com os meninos da minha turma. Ele ficou pra morrer. E eu caguei solenemente pra ele.

Ane: Mas eu não estudo com o seu pai. Não tem como eu fazer isso.

Lia: Amiga, vai pro bar da esquina lá de casa, fica conversando com os bêbados. Quando o meu pai passar, ele vai morrer de ciúme. Aprende com quem sabe.

E a Ane fez isso. Fomo eu e ela prum bar lá no Irajá, na esquina de onde o Ediuéliton mora. Estava rolando um pagode e ela era a mais rebolativa de todas. A Lia se encarregou de subir e botar o plano em prática: contar pro pai que viu a Ane, se acabando no samba na esquina do prédio deles.

Quinze minutos, meia-hora, uma hora, uma hora emeia. Duas horas e nada.

Ane: Adal, não aguento mais sambar. O meu salto já tá gasto, o meu tornozelo foi prosaco e cadê esse homem?

Adalberto: Eu tô achando engraçado. Por tudo o que eu tô vendo aqui, pra mim, já valeu o programa.

As calças com tarracha prata, os apliques de cabelo, as unhas com o esmalte descascando, os blusões abertos na metade, os sapatos brancos, os cordões de ouro, os os cordões de prata, os dentes de ouro, as obturações de dente prata... era tudo muito bom!

Ane: Eu preciso ir embora. Aquele coroa barrigudo.

Adalberto: Qual? O que estava dançando com você?

Ane: Isso. Ele acabou de dizer que só vai embora daqui, quando me comer.

Adalberto: Um bom motivo pra você ligar pro Ediuéliton. Ele pode te tirar dessa.

Ane: Você acha?

Adalberto: Claro. Liga pra ele.

Ane: Meu celular tá descarregado. Me empresta o teu?

Adalberto: O meu tá sem área aqui. Nextel é uma bosta.

Ane: Vamo lá na casa dele?

Adalberto: Acho que, aí, já é demais.

Ane: Vamo comigo, Adal. Eu preciso dizer pra esse homem que eu o amo.

Adalberto: Bora, então.

Lá, demos de cara com a Lia.

Ane: Amiga, não aguento mais esperar. Preciso dizer pro teu pai que eu o amo. Você falou com ele?

Lia: Falei.

Ane: E ele?

Lia: Ele quer matar você. Ligou pra favela e parece que tem um cara armado indo lá pro bar dar tiro em geral.

Ane: Como assim? E você não me avisa?

Lia: Eu dei um toque no teu celular, mas deu desligado.

Adalberto: Vambora daqui!

A Ane ficou sem palavras, a Lia ficou com a cara de idiota que ela já tem e, que fiquei morrendo de medo de morrer, puxei minha prima pelo braço e descemos pela escada do sexto ao térreo. Até agora me pergunto por que não fomos de elevador. Seria bem mais rápido.

Nunca mais tivemos notícias do Ediuéliton. Chegamos a comprar um jornal popular no dia seguinte, pra ver se tinha alguma notícia de assassinato em massa num bar de Irajá. E nada.

Outro dia, estávamos conversando sobre isso:

Ane: O Ediuéliton não acrescentou nada na minha vida, né, Adal?

Adalberto: Ele, não. Mas, graças à filha dele, você aprendeu que, com homem, é preciso se impor. Não importa se o celular é de conta ou de cartão.

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