quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Sara faz a escolha de Sofia no Natal mas, no fim, tudo acaba bem

Esse ano, o Oswaldo bateu o pé e fez a Sara levar os trigêmeos para passar o Natal na casa dos pais dele.  A Sara nunca passou a data nos sogros e estava odiando a ideia. Eu e as outras primas iríamos passar com os meus pais, estava tudo certo. Até a Sara aparecer no dia 24, em cima da hora, com uma chantagem emocional.

Sara: Vocês vão ter a coragem de me deixar sozinha nessa?

Marjorie: Lógico.

Lu: Fui eu que casei com o Oswaldo?

Ane: Você sabe que a gente não tem a menor afinidade com aquela gente.

Sara: Adal, só você pode me ajudar. Vamos comigo?

Adalberto: Sarita, eu já combinei com as meninas de passar na casa dos meus pais. Se elas toparem ir para a casa dos pais do Oswaldo, eu até vou também. Mas sozinho eu não vou, não.

Sara: Vamos não vai estar sozinho. Vai estar comigo.

Adalberto: Você não conta. Você é, praticamente, da família.

Sara: Beleza, então. Já que ninguém vai comigo, eu também não vou. E digo mais: estou me separando do Oswaldo, vou largar as crianças com os meus sogros e vou morar em Nova York.

Marjorie: Conta outra, Sara.

Ane: Você não vai ter coragem de fazer uma coisa dessas.

Lu: Eu duvido.

Sara: Duvida? Pois não duvide de mim, meu bem. 

Adalberto: Sara, isso não é verdade, a gente sabe.

Sara: Não? Então, tudo bem. Eu vou ligar agora para o Oswaldo e dizer que não vou à casa dos pais dele, que decidi, de última hora, ficar por aqui e que é para ele arrumar as crianças e ir para lá. 

Ane: Como assim?

Sara: Ele vai ficar fulo da vida comigo, vai falar meia-dúzia de grosserias, eu vou responder com paus e pedras, ele vai dizer que quer o divórcio, como ele faz sempre que a gente briga, eu vou aceitar e, na semana que vem, embarco para Nova York.

Lu: Beleza. O problema teu.

Marjorie: Sarita, faz o que você achar melhor.

Sara: Claro. O chato é que vai ficar ruim para vocês de ver os trigêmeos na casa dos meus sogros, né? É porque o Oswaldo trabalha, então, eles vão ficar lá. E se vocês não podem passar o Natal lá, que é uma data em que as pessoas se toleram mais um pouco, imagina visitar as crianças numa outra data qualquer...

Que chantagista! Pior é que a gente cedeu. Não passava pelas nossas cabeças ficar sem ver os nossos afilhados.

Fomos para a casa dos pais do Oswaldo e ainda levamos meu pai, minha mãe, minha irmã, meu cunhado e meu sobrinho.

Marjorie: Adal.

Adalberto: Oi.

Marjorie: Viu a cara de nojo que a mãe do Oswaldo fez, quando a gente chegou?

Adalberto: Vi mas fingi que não vi.

Ane: O pai dele nem é má pessoa. Só cai no meu conceito por deixar ser manipulado pela megera da mulher.

Lu: Merece levar na cara para acordar para a vida.

Adalberto: Quem? Ele ou ela?

Lu: Ele. Mas ela também.

Ane: Ela merece levar uma surra bem dada para vê se para de fazer aquela cara de bunda e passa a fazer cara de dor.

Marjorie: Sentindo dor ela ia ficar mais bonita.

Adalberto: Mudando de pau para cacete, meu pai está irado porque não vai se vestir de Papai Noel esse ano. Ele gosta, né?

Lu: Coitadinho do tio Beto.

Adalberto: É. Ele só gosta do Natal, por causa desse momento. Um tio do Oswaldo vai se vestir. 

Marjorie: Ele trouxe a fantasia dele?

Adalberto: Está lá no carro.

Ane: Não pode ter dois?

Adalberto: Claro que não. O Diego sabe que Papai Noel só existem um. Se aparecem dois, ele vai desconfiar. Os filhos da Sara, não, porque só tem um aninho, mas o Diego já tem cinco, é mais esperto.

Marjorie: Fala para o tio Beto ver o lado positivo dessa situação. Pela primeira vez, ele vai ver o neto recebendo os presentes do Papai Noel.

Adalberto: Não adianta. Ele prefere ser o Papai Noel.

Papo vai, papo vem e fomos surpreendidos por um bandido, que invadiu a casa dos sogros da Sara.

Bandido: Todo mundo com a mão para cima e sem fazer barulho. Tem criança nessa casa?

Sara: Tem. Mas estão todas dormindo num quarto.

Bandido: Melhor assim. Detesto criança. Grita muito. Passa tudo o que vocês têm de valor.

Passamos nossos celulares, dinheiro, jóias e... A roupa de Papai Noel do tio do Oswaldo.

Bandido: Ouvi barulho de carro de polícia. Vou descer fantasiado de Papai Noel com uma criança no colo. Me dá a mais quieta de todas. Se eu sentir qualquer suspeita, eu mato. Anda, pega uma criança, antes que eu mate vocês aqui.

Como o Diego estava brincando na casa do vizinho, a Sara teve que decidir entre um de seus filhos. Parecia "A escolha de Sofia". Não conseguimos identificar a criança que ela entregou, porque estava toda enrolada numa manta. 

O bandido saiu com a criança no colo, despistou os policiais, deixou o trigêmeo ainda incógnito para nós com uma vizinha e saiu cantando pneu.

Os policiais desconfiaram e foram atrás.

Sara: gente, eu vou lá embaixo buscar a boneca da Liana.

Adalberto: Ué, você não entregou um dos seus filhos?

Sara: Claro que não. Está maluco?

E veio até o meu ouvido cochichar um comentário maldoso.

Sara: Se fosse para entregar alguém para o bandido, não seria um filho meu. Seriam os meus sogros. Deixa eu ir lá pegar a boneca da Liana. Ela só dorme agarrada com essa boneca.

Meu pai desceu com a Sara. Mas ele foi pegar outra coisa.

Nesse ínterim, um vizinho bateu à porta. Ficamos assustados com a força com que ele esmurrava, mas, finalmente, era por uma boa notícia.

Vizinho: Os policiais conseguiram pegar o bandido numa rua sem saída. Ele já está na delegacia daqui do bairro e deve ser levado para um presídio amanhã.

Lu: Eu vou lá agora arrebentar a cara desse covarde!

Adalberto: Você não vai a lugar nenhum. Quieta!  

Lu: Me solta, Adal! Eu vou matar aquele cretino. Eu quero matar aquele bandido!

A Lu caiu em prantos.

Marjorie: Gente, pega uma água com açúcar para ela. Vocês não estão vendo que ela não está bem? Está nervosa.

Uma meia-hora depois, quando a poeira havia baixado e a Sara já estava de volta, meu pai nos surpreendeu, entrando na sala vestido de Papai Noel. Isso emocionou a todos os corações ainda semi-aflitos.

Adalberto (pai): Ho, ho, ho! Feliz Natal, família que eu amo. Ho, ho, ho!

Como todo ano, ele deu presentes para o Diego, para os trigêmeos, para mim , para a minha mãe, para a minha irmã, para o meu cunhado, para a Ane, para a Lu e para a Marjorie. Na vez da Sara, além de entregar o presente, ele falou baixinho no ouvido dela.

 Adalberto (pai): Você mostrou que é muito corajosa. O titio está muito orgulhoso de você. Mas, no ano que vem, por favor, não vamos inovar. O Natal vai ser lá em casa, como sempre foi. Te amo.

Falou e disse! Esse Papai Noel é o cara.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Calendário Maia falha e ninguém vai com Deus

Como o mundo não acabou no dia 21 de dezembro, segundo previa o calendário Maia, eu me acabei com a minha família, no sábado, na quadra da Mangueira. Mas enquanto ainda não tínhamos certeza sobre o nosso dia de amanhã, tentamos viver tudo o que havia para viver no dia 20, que começou com uma ligação da Sara.

Sara: Estava dormindo?

Adalberto: Ainda estou.

Sara: Como assim? Amanhã o mundo vai acabar e você está dormindo? Deixa para dormir depois que morrer.

Até que ela não estava errada.

Adalberto: Eu vou tomar banho, então, e vou lá pular de asa delta.

Sara: Você é louco. Morre de medo de altura e vai pular mesmo de asa delta, garoto?

Adalberto: É uma maneira de eu tentar superar um dos meus limites.

Sara: No seu último dia de vida, Adal? Não era melhor fazer uma coisa que te deixasse mais feliz, sem medo.

Adalberto: Era. Mas aí ia parecer um fim de semana. Eu quero ousar no meu último dia.

Sara: Então, beleza. Eu vou com os trigêmeos e o Oswaldo agora para um parquinho aqui perto de casa. Quero que eles morram se divertindo.

É horrível o que eu vou dizer, mas eu achei isso lindo da parte dela.

Sara: Não quer mesmo vir com a gente?

Adalberto: Não, Sarita, obrigado. Detesto clima de despedida. Vou ligar para as meninas rapidinho, tomar banho e sair. Beijo.

E, antes que ela se despedisse de mim, lembrei de falar uma coisa, até então, jamais dita por mim.

Adalberto: Fica com Deus.

Sara: Obrigada, primo. Mas o mais sensato, agora, é dizer: "vai com Deus", né?

Adalberto: Verdade. Vai com Deus. Nos vemos lá.

Falei "lá" porque não sabia para onde eu iria e, ainda que eu não fosse para o mesmo lugar que a Sara, o que eu acho muito improvável, eu esperava conseguir vê-la em algum lugar.

Sara: Com certeza, primo. Nos vemos no céu.

Fiquei calado para não falar merda à beira da minha morte.

Sara: Um beijo.

Adalberto: Outro.

Liguei para a Marjorie.

Marjorie: Oi, primo.

Adalberto: E aí? Preparada?

Marjorie: Nada, garoto! acredita que eu não pensei em roupa?

Adalberto: Não. Você é estilista, esqueceu?

Marjorie: Garoto, casa de ferreiro, espeto de pau. Vou ao shopping gastar todo o meu dinheiro, comprar tudo o que eu puder, até lotar o meu carro, e depois eu vou ficar brincando de experimentar peça a peça aqui em casa. Vou fotografar tudo e colocar no Facebook. Vocês reclamam que eu não posto nada no Facebook... Preparem-se! Vou postar umas combinações esdrúxulas. Não tenho mais nada a perder mesmo, além da vida...

Adalberto: Mas vai morrer cafona?

Marjorie: Claro que não. Vou comprar alguma coisa arrasadora para morrer. Mas, até lá, vou ficar brincando de combinar coisas nada a ver.

Adalberto: Legal. Vai ser engraçado ver você cafona. Assim que você postar me avisa. Quero muito ver isso antes de morrer.

Marjorie: O Bruno que perdeu com isso, né?

Adalberto: Você não vai mais ter uma última noite com ele?

Marjorie: Com que tempo? Não vai dar. Fora que ele não merece, Adal. Nunca me deu valor.

Adalberto: Eu sei que não, mas ia ser uma história legal. Ele foi o seu primeiro e ia ser o seu último homem.

Marjorie: Pois é, ia. Mas eu vou terminar fazendo o que eu amo: inventando moda.

Adalberto: Está certa. Deixa eu ir lá. Falta falar com a Ane e a Lu. Ih, tem alguém me ligando... Ó, foi só falar nelas. É a Ane. Deixa eu atender, amore.

Marjorie: Vai lá, primo. Beijo.

Adalberto: Beijo. E olha: vai com Deus, prima.

Marjorie: Ah, até parece...

Essa ia para o mesmo lugar que eu.

Adalberto: Alô, Anita!

Ane: Meu primo que eu amo!

Adalberto: Fala, gata garota! Como estão os preparativos?

Ane: Adal, vem para cá agora brincar de Carrinho Bate-Bate!

Adalberto: Como assim?

Ane: Esqueceu que o meu pai é dono de uma agência de aluguel de carros, baby?

Adalberto: Não. Ele pode te demitir por isso, sabia?

Ane: É para rir? A gente vai morrer!

Adalberto: Eu sei. Mas ninguém merece tomar um esporro do pai um dia antes de morrer.

Ane: Não estou nem aí.

Adalberto: Você e a Lu não iam se casar para evitar de morrer solteiras?

Ane: Íamos mas ela decidiu comemorar o seu The End Day de uma outra maneira.

Adalberto: Ai, meu Deus, qual?

Ane: Não é nada que ela não costuma fazer sempre, mas deixa ela te contar. Ela pediu para eu não te falar.

Adalberto: Tudo bem.

Ane: Você vai vir aqui brincar de Carrinho Bate-Bate depois?

Adalberto: Olha, não vou te garantir. Queria pular de asa delta e, depois, ficar contemplando a natureza até a hora de morrer. Isso se eu não morrer, quando eu olhar para baixo lá do alto.

Ane: Beleza. Vou ficar em casa comendo todos os chocolates que eu não comi o ano todo, por causa de minha dieta eterna. E, se você chegar, a gente brinca de Carrinho Bate-Bate. Se não, boa sorte na tua passagem, primo. Foi muito bom te conhecer.

Senti vontade de chorar. Mas preferi desligar antes de abrir o berreiro.

Adalberto: Amore, eu tenho que ir. Fica com Deus.

Tive o ímpeto de colocar um CD da Whitney Houston e me debulhar no choro. Mas decidi evitar o drama no meu último dia de vida. Coloquei um CD do Sepultura e me acabei de dançar. Destruí o meu sofá de tanto que pulei em cima dele. Me estabaquei no chão, bati com a cabeça, achei que fosse morrer antes da hora e resolvi que era melhor ligar logo para a Lu.

Lu: Que voz é essa, Adal?

Adalberto: Acabei de bater com a cabeça no chão. Estou zonzo.

Lu: Aprontando em casa?

Adalberto: Não. Só estava pulando de um sofá para o outro, ouvindo um CD do Sepultura.

Lu: Você é doido. Eu estou aqui com o Ademárcio e o Zeferino.

Adalberto: Você de A a Z só pensa em homem, né, Luluzita?

Lu: Ai, primo. Esse é o meu vício.

Adalberto: Eles não são os irmãos que se odeiam? Fizeram as pazes?

Lu: Não. Eles fizeram uma aposta. Quem perder morre.

Adalberto: Como assim?

Lu: Não posso entrar em detalhes com você, Adal. Eles estão entrando aqui no quarto agora. Depois, eu te conto.

Adalberto: Depois quando? A gente vai morrer. Lu, uma coisa: você está incentivando mesmo um assassinato? Isso é crime!

Lu: Adal, o que é um crime no dia que o mundo vai acabar?

Adalberto: Lu, um crime é um crime.

Lu: Então, está bem. Muito obrigado pela sua explicação. Agora, deixa eu ir lá, porque a disputa vai começar. Tchau.

Adalberto: Tchau, sua maluca! Vai com Deus!

Lu: Vou, sim! Vou com quem me levar, meu amor. Beijo!

Fui pular de asa delta irado com a Lu. Como pode ser tão inconsequente até no dia de morrer? Enfim, descobri que o meu medo de altura era só uma coisa de que eu me convencia de que tinha, mas que na verdade eu nunca tive. Adorei pular de asa delta. Quero, agora, pular de parapente, paraquedas e de qualquer outra coisa que exista e eu não sei.

Fiquei tão feliz em saber que eu não tinha medo de altura, que precisava contar a novidade para alguém. Fui, então, para a casa da Ane, com o pretexto de que ia brincar de Carrinho Bate-Bate.

Ane: Adal, que bom que você veio! Eu já ia explodir de tanto chocolate que comi.

Adalberto: Eu não podia deixar de vir. E tenho uma coisa para te falar.

Ane: Conta.

Adalberto: Eu adorei pular de asa delta e descobri que não tenho medo de altura! Era tudo drama, prima!

Ane: E você fala isso rindo? Agora, é tarde.

Adalberto: Antes tarde do que nunca. Pelo menos eu provei do gostinho de ficar a 50 metros do chão e não me cagar todo.

Ane: Quem bom, primo! Mas, agora, vamos brincar.

Brincar de Carrinho Bate-Bate, realmente, é uma experiência incrível. Melhor ainda foi que o mundo não acabou à meia-noite em ponto, então, ficamos brincado até a hora do Juízo Final. Foram-se passando as horas, a Marjorie chegou, depois a Sara com a família, e, por fim, a Lu com os dois irmãos.

Adalberto: Ué, o que aconteceu?

Lu: Deu empate. Depois te conto.

Meu pai, minha mãe, minha irmã, meu cunhado e meu sobrinho também chegaram a tempo de brincar de Carrinho Bate-Bate, antes do mundo acabar. A brincadeira estava tão gostosa, que quando nos demos conta de que não havia mais nenhum carro inteiro, já era meia-noite e três do dia 22 de dezembro.

Adalberto: Gente, para tudo! Já é meia-noite e três do dia 22 de dezembro! O mundo não acabou! Urru!

Todos: Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeehhhhhhhhh!

Marjorie: Gente, gente! Não se esqueçam que estamos em horário de verão. Ou seja, ainda temos mais 57 minutos até o dia 22.

A cara de decepção de todos foi imediata. Eu, para ser sincero, ainda senti ódio da Marjorie.

Fomos para o apartamento da Ane, que fica na mesma rua da locadora de carros do pai dela. O clima era de funeral. Todos sentados na sala, esperando a morte. Por sorte, os trigêmeos e o meu sobrinho Diego estavam dormindo. Eles nunca iam acordar. Mas acordaram! À uma e um, meu pai estava batendo com colher em panela e cantando todos os clássicos do samba, que eu cresci ouvindo. A empolgação era tanta, que parecia que estávamos numa quadra de escola de samba. E isso me deu uma ótima ideia.

Adalberto: Que tal irmos para a Mangueira?

Lu: Eu topo ver a Mangueira entrar.

Marjorie: Também estou dentro.

Ane: Eu sou a Mangueira, primo! Estou ferrada com o meu pai, mas é óbvio que eu vou com vocês. Segunda-feira, eu tomo esporro pelos carros batidos.

Adalberto (pai): Não pensa nisso agora, minha filha. A gente dá um jeito. Na vida, tudo tem um jeito. Só não tem jeito para a morte.

Marjorie: Então, já que ninguém morreu e o mundo não acabou, vamos com a gente, tio?

Neide: Não, minha filha, obrigada. vai com Deus.

Adalberto: Como assim, "vai com Deus"? Ninguém vai com Deus, mãe. O mundo não acabou e vocês vão, sim, comigo para o samba. Sem desculpas!

Adalberto (pai): Vamos, sim, claro!

Neide: Vamos todo mundo, então! As crianças também.

Lu: Lógico, tia! Os meus gatinhos de A a Z também vão.

E fomos todos. E demos de cara com a parede. Não tinha ninguém na Mangueira. A programação dos ensaios não previa que o mundo não ia acabar. Para a sorte da Viviane Araújo, Gracyanne Barbosa e todas as outras rainhas de bateria, que viram celebridade nessa época do ano, haverá Carnaval em 2013.

Mas a minha felicidade e da minha família não podia esperar até fevereiro. Ela era tão grande, que ultrapassava o portão fechado, que impedia a nossa entrada. Para não perder a viagem, arrombamos a fechadura, entramos na quadra e fizemos a festa. Nunca me diverti tanto na vida...

Quando é mesmo a próxima previsão de fim do mundo?

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Busca por açaí branco acaba em gerundismo

Ontem, eu passei parte da minha tarde caminhando pela Zona Sul com a Marjorie, procurando uma loja de sucos que vende açaí branco, que, segundo ela, vai ser a sensação desse verão.

Marjorie: Eu li no jornal. Vai ser a nova moda do verão.

Adalberto: Mas será que isso é bom?

Marjorie: Parece que tem o mesmo sabor do açaí tradicional. Só que não mancha a boca.

Adalberto: Ah, Jojô, na boa, eu não me incomodo de manchar a minha boca, não. Aliás, eu prefiro manchar a minha boca, do que ter que andar mais um metro, atrás desse lugar que a gente nunca acha. Estou cansado.

Marjorie: Ah, Adal, não começa. Você reclama que eu nunca tenho tempo para fazer as coisas com você e, quando eu tenho, você também reclama.

Adalberto: Mas eu não estou reclamando do tempo que a gente tem. Mas do mau uso que a gente está fazendo dele. Bem melhor parar por aqui, tomar um açaí que mancha a boca mesmo e jogar conversa fora.

Marjorie: Está bem, seu chato. Vamos só até a loja de sucos da próxima esquina, então. Se não for lá, a gente termina a nossa saga e toma um açaí tradicional mesmo.

Adalberto: Combinado.

E faltando, mais ou menos, uns cinco passos para chegarmos ao nosso destino final, um cara inconveniente surgiu por trás da Marjorie e tapou os olhos dela.

Cara inconveniente: Adivinha quem é?

Que brincadeira mais século XX...

Marjorie: Ah, meu Deus, eu sou muito topeira para essas coisas. Deixa eu ver... Juvenal?

Cara inconveniente: Não.

Marjorie: Ernesto?

Cara inconveniente: Não.

Marjorie: Paulo Mello?

Cara inconveniente: Não.

Marjorie: Garrincha?

Cara inconveniente: Não.

Marjorie: Rafa Filippelli?

Cara inconveniente: Não.

A minha ansiedade em tomar um açaí, que manchasse ou não a minha boca, não podia mais esperar uma única tentativa de adivinhação da Marjorie.

Adalberto: Olha só, ele é louro, tem o cabelo rastafári, uma barbicha tipo aquela Brad Pitt deixa crescer de vez em quando, tem mais ou menos 1m80cm, está de calça jeans, camisa branca e tem alguma coisa na cintura que dá a impressão de ser uma arma!

Foi quando o cara inconveniente se revelou para a minha prima.

Cara inconveniente: Muito prazer, eu sou o seu assaltante. Passa a grana discretamente.

Adalberto: Como assim?

Cara inconveniente: Você também. E quietinho, senão, eu te mato.

E enquanto a Marjorie abria a carteira para tirar o dinheiro, o assaltante teve uma ideia.

Cara inconveniente: Isso está chamando muita atenção. Vamos fazer o seguinte, eu vou abraçar vocês dois, assim. Agora, a gente finge que é melhor amigo e entra aqui nessa loja de sucos.

Eu a Marjorie não conseguíamos esboçar qualquer emoção.

Cara inconveniente: Gente, ri! Vocês estão muito sérios hoje. Nem parece que a gente é uma família. Moça, por favor, três açaís. Vocês me acompanham, né?

Eu não conseguia falar. Estava completamente travado. E com medo.

Cara inconveniente: Responde, gente!

Marjorie: A gente quer, sim.

Cara inconveniente: Então, gatinha, confirmando: três açaís de quinhentos, por favor.

Marjorie: Para mim, de trezentos, por favor.

Cara inconveniente: E você, irmão? Quer o quê?

Chorar! Isso era o que eu queria. Chorar fazendo barulho, pulando e dando socos naquele balcão.

Cara inconveniente: Fala, cara.

Marjorie: Ele está com dor de garganta. Não consegue nem falar. Não pode tomar nada gelado.

Cara inconveniente: Então, por que você disse que ele também queria?

Marjorie: Eu tinha esquecido.

A essa altura, a atendente da loja de sucos já desconfiava de alguma coisa.

Cara inconveniente: Amorzinho, dois açaís, então. Um de quinhentos e o outro de trezentos, por favor.

E enquanto a menina fazia o pedido na cozinha, o assalto re começava.

Cara inconveniente: Agora, sim, passa toda grana. Anda! Os dois!

Eu, para variar, não tinha quase dinheiro na carteira. Entreguei míseros 13 reais e setenta e cinco centavos. Com a Marjorie, sim, ele se deu bem. Levou dela quatro mil e quinhentos reais.

Cara inconveniente: Agora vocês vão ficar olhando para a televisão e vão contar vinte segundos na cabeça de vocês.

Que medo! O que será que viria depois desses vinte segundos. Contei querendo que nunca acabasse. Seriam os vinte segundos mais rápidos da minha vida. Seriam. Mas a atendente nos interrompeu quando eu estava no nove.

Atendente: Senhor, senhora, o outro senhor já foi embora. É para eu estar cancelando o açaí dele?

E essa foi uma das melhores notícias que alguém pôde me dar  nos últimos tempos no gerúndio!

Adalberto: Não! Não cancela. Eu quero. Aliás, manda fazer um para você também.

Atendente: Senhor, eu não posso estar consumindo nada durante o trabalho.

Adalberto: Não? Uma pena. Então, pega lá o nosso, por favor. Jojô, eu achei que a gente ia morrer! Queria chorar de medo, gritar...

Marjorie: Adal, eu estou toda mijada.

Atendendo: Senhor, só mais uma coisinha. O nosso açaí tradicional acabou. Mas eu posso estar servindo o açaí branco para vocês com 50% de desconto.

Marjorie: Aqui tem açaí branco?

Atendente: Nós estamos oferecendo açaí branco, sim, senhora.

Adalberto: E é mais barato mesmo?

Atendente: Não, senhor. É mais caro. Mas como não temos mais o açaí que os senhores queriam estar tomando, vamos dar 50% de desconto no açaí branco ou, se preferirem, o dinheiro de volta.

Adalberto: Não. a gente vai estar tomando o açaí branco mesmo, com 50% de desconto.

Atendente: Está bem, senhor.

E quando a pobre coitada virou as costas, a Marjorie soltou o riso que estava preso.

Marjorie: Você é um bobo, sabia?

Adalberto: Eu? E você é uma louca, que se mijou toda por causa de um assalto e agora está aí se mijando de rir.

Marjorie: O mijo figurativo não molha. Ai, coisa feia mijar... Mulher faz xixi.

Adalberto: Mas não foi isso que você falou, depois do assalto.

Marjorie: Eu sei, mas é uma expressão. Toda mulher que é assaltada e faz xixi nas calças de nervoso, sempre fala "me mijei toda".

Adalberto: A gente está aqui e o assaltante a essa hora deve estar se divertindo com o nosso dinheiro. Os meus treze reais e setenta e cinco centavos! Vão fazer falta.

Marjorie: Ai, miserável. Aquele idiota me levou quatro mil e quinhentos reais. Está bom para você?

Adalberto: Sério, Jojô? E você está assim, tranquila?

Marjorie: Vou fazer o quê? Me desesperar por causa de dinheiro? Eu, não. O importante é a minha vida. Fora que esse dinheiro foi de um freela que eu fiz para uma amiga da época da faculdade, coisa boba. Eu não sabia que ela ia me pagar. Não vai me fazer falta.

Adalberto: Mas a mim vai. Olha, eu acho que você devia estar fazendo um boletim de ocorrência na delegacia.

Marjorie: Para de gerundismo, garoto!

Adalberto: Eu gostei de ficar falando no gerúndio, dá licença.

E falando em gerúndio...

Atendente: Senhores, os açaís de vocês.

Adalberto: Obrigado, querida.

Marjorie: Ué, é verde?

Atendente: Sim, senhora. Essa é a coloração do açaí branco.

Marjorie: Ele é pseudo-branco, então.

Atendente: Como assim, senhora?

Marjorie: Nada.

Atendente: Dá licença, então.

Marjorie: Toda.

Adalberto: Ela é pseudo-inteligente. Só sabe o que é gerúndio. mas nada.

Marjorie: Bobo!

E depois do açaí branco, que não tem graça nenhuma, mas não mancha a boca, fomos para um boteco perto da casa do Jojô, forrar o nosso estômago com muita cerveja.

A Ane e a Lu, que queriam apresentar seus novos peguetes, ligaram para nos encontrar, quando ainda estávamos no primeiro copo. Lá pelas tantas, já tínhamos até esquecido delas, quando fomos surpreendidos com a nova mania traumática do verão. Elas taparam os nossos olhos e pediram para adivinharmos quem eram.

Ane e Lu: Adivinha quem é?

Berramos de medo!

O ataque histérico até que foi bom. Sem querer, chamamos a atenção dos policiais que estavam próximos ao local, que prendeu o carinha louro, com cabelo rastafári, barbicha tipo aquela que o Brad Pitt deixa crescer de vez em quando e que estava saindo com a Ane.

O peguete da Lu também foi preso. Para o bem da humanidade, ele foi reconhecido por uma, senhora que estava numa mesa ao lado da nossa. Ele havia levado uma pulseira de ouro da pobre coitada, mais cedo, quando ela ia para o mercado fazer compras, com a técnica infalível de chegar por trás da vítima e tapar os seus olhos. Isso, pelo visto, é o novo hit dos assaltantes do Rio.

Por fim, conseguimos recuperar a pulseira de ouro e os quatro mil, quinhentos e treze reais e setenta e cinco centavos, que estavam intactos na mochila dos bandidos.

Depois de toda a confusão, a Ane e a Lu, arrasadas e decepcionadas com o mundo, foram para a casa da Sara buscar consolo. Eu a Marjorie retomamos a nossa rodada de cerveja. Bebemos todas, rimos muitos e brincamos de ficar falando no gerúndio.

Como é bom viver!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Ane perde a vergonha na cara, mas, no fim, tudo acaba Xuxa

A programação do último domingo era ir ao show da Madonna, no Parque dos Atletas. A problemática: as primas também iam. Eu e a Lu, que tínhamos dormido na casa da Marjorie, no Leblon, fomos de carona com ela. A Ane pegou a Sara em casa, no Méier, e foi por outro caminho.

Marjorie: Esse trânsito está surreal, né?

Adalberto: O pior é saber que eu moro em frente ao local do show, podia ir andando e chegar em cinco minutos.

Lu: A gente devia ter dormido no teu apartamento ontem. Fomos burros.

Marjorie: Verdade. A gente ficou com preguiça e, agora, está pagando por isso.

Adalberto: Eu estava muito cansado. E você queria que eu dirigisse. Não ia rolar. 

Lu: Aquela festa só serviu para deixar a gente cansada. Mal tinha comida.

Marjorie: Tinha, sim.

Adalberto: Eu não comi nada.

Lu: Nem eu. Não gosto daquilo.

Marjorie: Como assim, daquilo? Tinha tanta coisa...

Adalberto: Tinha?

Marjorie: Tinha.

Lu: Então, querida, você deve ter ido a outra festa. Onde eu fui, não tinha uma bolinha de queijo para contar a História.

Adalberto: É. Foi nesse lugar que eu fui também.

Marjorie: Não tinha bolinha de queijo, mas tinha carpaccio de carne, carpaccio de salmão, carpaccio de bacalhau, caviar de esturjão, caviar d´escargot, pasta de foie gras...

Adalberto: Para, senão, eu vou vomitar.

Marjorie: Ah, para de frescura. Você não sabe o que é comida de verdade.

Lu: Comida de verdade é arroz, feijão, bife e batata frita.

Adalberto: Concordo.

Marjorie: Ah, vocês são tão basicões. Eu adorei o cardápio da festa.

Lu: Eu, não. Comida chique não é comida. 

Adalberto: Não tem gosto, não tem cara boa e não satisfaz.

Marjorie: Não enche.

Lu: Realmente. Aquela comida não enche. 

Marjorie: Não enche é para vocês, suas malas sem alça!

Adalberto: Jojô, olha para frente!

Era tarde. Ela atropelou um homem, que atravessava no sinal verde.

Marjorie e Lu: Aaaaaaaaaahhhhhhhhhh!

Para a nossa sorte, uma ambulância passou na hora do acidente. Por um momento, achei que já era o resgate do homem que a Marjorie atropelou. Por um momento, também achei que eu estava num país do Primeiro Mundo, tamanha a rapidez do atendimento, que nem sequer chegou a ser solicitado. Por um momento, finalmente, tive muito orgulho de ser brasileiro. 

Até que a ambulância parou e, quando fui levar o cara atropelado para dentro dela, deparei-me com a Ane e a Sara. E, assim, todos os meus momentos anteriores foram por água abaixo.

Adalberto: Como assim, vocês aqui?

Sara: Primo!

Ane: Claudinelson!

Ok que o mundo é um ovo. Mas daí a gente encontrar com a Ane dentro de uma ambulância e ela conhecer o cara que a Marjorie tinha acabado de atropelar era demais, né?

Ane: Eu vou arrebentar você!

Ela levantou da maca, toda troncha e começou a bater no pobre coitado. Eu, que o segurava no meu colo, tomei alguns socos por tabela.

Marjorie: Para, sua maluca! Eu acabei de atropelar essa cara. Ele está todo ferrado.

Ane: Você é uma incompetente! Tinha que ter matado essa desgraçado!

Lu: Você conhece ele de onde, garota?

Ane: Esse safado é do Rio Grande do Sul, mas que mora em São Paulo e que eu conheci aqui no Rio, quando eu voltei daquela viagem que eu fiz para a Bahia para visitar um meu amigo do Pará, que, atualmente, mora no Mato Grosso do Sul.

Adalberto: Calma! Fala devagar! Você passou por todas as regiões do Brasil sem respirar.

Ane: Esse homem me abandonou! E eu estava completamente apaixonada.

Claudinelson: Lá vem você de novo, com essa Síndrome de Scarlet O´Hara. O tempo passa e você não muda! Para de drama! Não começa.

Deu para ver que ele conhecia bem a Ane.

Ane: Para de me chamar de dramática!

Adalberto: Gente, depois vocês discutem relação. Ane, o que foi que aconteceu com você? Por que você está aqui nessa ambulância? Diz, para mim, que isso é uma pegadinha.

Ane: Isso não é uma pegadinha. Eu virei o carro numa curva. 

Sara: Ela é doida. Nunca mais entro num carro com ela no volante. Ainda bem que eu não levei nem um arranhão. Graças a Deus.

Motorista da ambulância: Gente, eu preciso sair. Só um de vocês pode acompanhar os acidentados. 

Adalberto: Deixa que eu vou com eles, Sarita. Vou ficar aqui para evitar novas agressões. Vai você e a Lu  com a Marjorie para o show da Madonna. Se der, eu passo lá depois, quem sabe, a tempo de ouvir "Like a virgin". "Like a virgin" está no repertório desse show?

Marjorie: Não sei. Acho que não. Mas isso não é hora, né, Adal

Ane: Ah, eu também adoro "Like a virgin". Eu me identifico demais com essa música.

Lu: Depois, quando eu estiver só com você, eu falo com o que você se identifica demais.

Marjorie: Vamos, Lu, senão a gente vai chegar atrasada. O trânsito não está nada bom. 

Lu: Vamos, sim. Tchau, Adal.

Sara: Beijo, primo.

No caminho para o hospital, o clima tenso entre Ane e Claudinelson já não mais existia.

Ane: Por que você não me procurou?

Claudinelson: Porque você mora aqui e eu lá. Foi a maneira que eu encontrei para não sofrer.

As desculpas masculinas são as melhores!

Ane: Eu sofri tanto.

Claudinelson: O importante é que a gente teve essa oportunidade para ficar juntos de novo. Vamos fazer com que esse momento seja eterno enquanto durar.

Ane: Mas eu não quero ficar com você só nesse momento, né, Claudinelson! Eu queria que ele durasse, pelo menos, mais um pouco. E que desse para você ir lá em casa e, quem sabe, a gente até fizesse um...

Adalberto: Gente, eu estou aqui.

Ane: Desculpa, primo. Então, Clau? O que você acha de, depois, a gente ir lá em casa?

Claudinelson: Pô, ia ser Xuxa.

Xuxa? Como assim, Xuxa?

Ane: Ia, não. Vai ser Xuxa.

Adalberto: Gente, desculpa perguntar, se for algum código obsceno vocês não precisam responder, mas o que vem a ser Xuxa?

Ane: Xuxa é tudo o que é legal, primo. É um vocabulário nosso.

Adalberto: Legal. 

Claudinelson: É que, quando a gente se conheceu, foi numa boa boate, o som estava alto e ela não entendia quando eu falava "sussa", pensava que era Xuxa.

Adalberto: E o que vem a ser sussa?

Claudinelson: Sussa de sossegado, tranquilão, maneiro, legal, beleza, sei qual é, entendi, está certo, está safo...

Ou seja, sussa tem mais acepções do que a minha paciência pôde aguentar.

Claudinelson: ... Bacana, incrível, gostei...

Adalberto: Está bom, querido. Já entendi.

Claudinelson: Então, está Xuxa.

Adalberto: Super! Super Xuxa.

Ane: Sabe que eu acabei comendo aquela parte do meio do abacaxi...

Claudinelson: Mentira? Xuxa!

Ai, que saco esse negócio de Xuxa, hein! Cansa...

Claudinelson: Viu que não tinha nada a ver com negócio de coceira?

Ane: Quem me falou isso foi a mãe dele.

Adalberto: A minha?

Ane: É. A tia Neide sempre dizia que não era para comer aquela bolinha do meio do abacaxi, porque dava coceira. 

Adalberto: Ela nunca me disse isso.

Por que será que a minha mãe nunca me disse isso? Será que ela não se preocupa comigo?

Adalberto: Ela falou alguma coisa sobre comer aqueles fiapinhos do mamão? Eu como. Será que faz mal?

Ane: Não sei, Adal. Mas eu bem que queria que o meiuca do abacaxi me desse coceira, só para mandar o Claudinelson vir me coçar. Você tinha me prometido, lembra?

Claudinelson: Claro. E eu ia voltar só para coçar você.

Ane: Só para coçar?

Claudinelson: E fazer aquelas outras coisas, que você sabe.

Ane: Você foi o cara que eu mais gostei, sabia? Carinhoso. Mas selvagem quando tinha que ser. 

Só um burro para não saber quando ele devia ser selvagem com ela.

Claudinelson: Quando eu era selvagem com você?

Ah, não!

Ane: Eu não vou falar aqui, na frente do meu primo, né?

Adalberto: Obrigado pela parte que me toca.

Claudinelson: Ah, fala. Qualquer coisa, depois, você apaga.

A Ane sorriu maliciosamente e eu fiquei sem entender lhufas.

Ane: Ah, seu safado!

Adalberto: O que foi?

Ane: Nada, primo. Quando ele fala que é para apagar, também é coisa do nosso próprio vocabulário. 

Adalberto: E o que significa?

Ane: Nada, primo. Depois te conto.

Claudinelson: Coisas do Dicionário Claudilane...

Ane: Eu nem cheguei a fazer a tatuagem.

Claudinelson: Não? Mentiu para mim?

Ane: Eu esperei você me procurar. Queria ter certeza que você era meu. Ainda bem que eu não fiz. Imagina eu andar com uma tatuagem no meu pé, escrito "Claudinelson - Amor verdadeiro, amor eterno" e não ter você...

Adalberto: Ane, você ainda não desistiu da ideia de fazer uma tatuagem igual a que a Deborah Secco fez na época em que ela namorou o Falcão, do Rappa?

Ane: O Claudinelson merecia.

Claudinelson: Merecia?

Ane: Merece.

Claudinelson: Então, você vai fazer?

Finalmente, depois de ouvir muita baboseira, chegamos ao hospital.

Ane: Depende de você.

Adalberto: Ah, mas não vai mesmo! Agora, isso depende de mim. Se até a Deborah Secco conseguiu aprender que não se tatua nome de homem no corpo, você também vai aprender. E vai aprender na marra.

E puxei-a pelo braço.

Adalberto: Vamos!

Motorista da ambulância: Senhor, a entrada do hospital é ali. 

Adalberto: Eu sei, meu amigo, mas é para a saída mesmo, que a gente está indo. O problema dela é falta de vergonha na cara. E, para isso, eu sei qual é o remédio.

Claudinelson: E eu? Quem vai ficar aqui comigo?

Adalberto: Se vira, otário!

Levei a Ane em casa, falei poucas e boas. Disse tudo que estava entalado. Nem a Deborah Secco foi poupada.

Ane: Você nunca mais vai falar comigo?

Adalberto: Vou. Claro que vou. Mas agora vamos beber, porque eu também quero perder a vergonha na cara. Agora, você, aprenda uma coisa...

E passei a maior lição de vida, que alguém já pôde ensiná-la.

Adalberto: Uma mulher não deve perder a vergonha na cara por causa de homem nenhum. Mas por causa da bebida, sim.

Ane: Então, vamos entornar o pote, primo!

Bebemos todas e mais três no primeiro bar que paramos. E jamais soubemos se a Madonna cantou ou deixou de cantar "Like a virgin". Foi Xuxa! Quer dizer, foi muito legal.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Viva eu! ou Viva o Dia dos Idosos Abandonados em Asilos!

Excepcionalmente esse ano, o dia do meu aniversário, 27 de novembro, foi celebrado também o Dia dos Idosos Abandonados em Asilos. Soube disso ao ler o jornal pela manhã. Eu estava de folga do trabalho, claro. Achei a data tão curiosa, que não esperei nenhuma das primas me ligar, desejando parabéns, para contar sobre a inusitada coincidência.

Lu: Como assim, você me ligando? Era para eu te ligar, garoto.

Adalberto: Eu sei, Luluzita, mas eu preciso te contar uma coisa.

Lu: Adal, eu não estou ouvindo nada do que você está me falando.

Adalberto: Pois é. Está uma barulheira aí, onde você está. 

Lu: primo, eu não estou te ouvindo, não adianta. Olha, eu estou aqui com a Ane, a Sara e a Marjorie. Viemos naquele asilo na rua detrás de onde a Sara mora. Hoje é o Dia dos Idosos Abandonados em Asilos. Depois, a gente passa aí para te dar um beijo de parabéns. Não vou te dar parabéns agora. Beijo! Até mais tarde.

Eu não estava acreditando no que estava ouvindo. Como assim elas me trocaram por um bando de velhinhos, que foram abandonados em asilos? Que raiva que eu fiquei! Das minhas primas, de mim por gostar tanto delas e, principalmente, dos velhinhos abandonados em asilos. Por um momento, eu queria que todos os velhinhos abandonados em asilos explodissem! Mas logo a parte psicologicamente correta da minha mente me condenou por isso e, em seguida, eu já estava pedindo perdão a Deus por isso. 

Fui até o asilo. As quatro traíras ficaram surpresas ao me ver.

Sara: Você aqui?

Adalberto: Não. Eu sou a reencarnação de um velhinho, que foi abandonado num asilo. Voltei só para atazanar a vida de vocês.

Marjorie: Adal! Você está maluco? Fala baixo!

Ane: Sem noção!

Adalberto: Sem noção? Vocês me trocam por um monte de... De velhinhos abandonados em asilos, no dia do meu aniversário, e ainda querem que eu fale baixo?

Lu: Claro. Se você não teve educação, nós tivemos.

Marjorie: Gente, vamos ali para fora.

Continuamos a DR na parte externa do asilo.

Adalberto: Sem noção são vocês, que me trocam por um bando de velhinhos.

Ane: Não fala besteira!

Quer me deixar com ódio mortal? Só dizer que o que eu estou falando é besteira.

Adalberto: Falo! Falo besteira, sim. sabe por quê? Porque é besteira o que eu represento para vocês. E como eu estou falando de mim, eu estou falando de besteira, então, né? Eu não sou besteira para vocês? Me responde! Eu quero ouvir de vocês.

Lu: Garoto, para de ser mimado!

Adalberto: Eu não sou mimado!

O pior é que eu me acho um pouco mimado, sim.

Marjorie: Ah, não é?

Adalberto: Não!

Sara: Mas está parecendo.

Adalberto: É? E você com isso? Você se importa com isso? Eu sou besteira para vocês. Por que é que vocês vão se importar se eu pareço mimado ou não?

Lu: Adal, para! Você está com ciúme, porque a gente veio aqui visitar os velhinhos. Pronto!

Adalberto: Ciúme? De vocês que cagam dez quilos para mim? Não estou, não, querida. Você está muito enganada.

Ane: Gente, vamos parar de discutir?

Adalberto: Ah, está cansadinha? Eu também estou cansadinho. Cansadinho de vocês, suas ingratas.

Marjorie: Está bem. Agora, vamos lá dentro, que a gente quer te mostrar uma coisa.

Adalberto: Você não entendeu que eu não gostei nada dessa vinda de vocês para cá? Ainda quer que eu vá lá dentro? Para quê? Para dar comidinha na boca dos velhinhos. Eu? Se nem os parentes tiveram paciência com eles, você acha que eu vou ter? No dia do meu aniversário?

Marjorie: Garoto, nem todos os velhinhos que moram aqui foram abandonados pelos seus parentes. Tem gente que veio por falta de opção mesmo.

Sara: E tem uns que vieram, porque aqui tem quem cuide.

Adalberto: Como é que vocês sabem disso? Quando trazem os velhinhos aqui, alguém pergunta "o senhor veio só deixar ou está abandonando mesmo"?

Marjorie: Não fala assim, Adal.

Adalberto: Jojô, vocês nem sabem quantos velhinhos foram abandonados pelos parentes. De repente, nenhum velhinho que mora aqui foi abandonado e vocês vieram comemorar um dia, que pode não ser o deles. 

Lu: Garoto, a menina que trabalha aqui falou que mais de 50% dos velhinhos desse asilo foram abandonados pelos parentes.

Adalberto: É? Lá em casa, 100% das pessoas fazem aniversário hoje. 

Ou seja, eu.

Ane: Está bem. Agora, vamos lá dentro,  Adal

Lu: É, garoto. Para de palhaçada e vamos logo. Anda!

Sara: Por favor, primo.

Adalberto: Vem cá, vocês não entenderam mesmo, né? Querem que eu desenhe, então? Eu vou embora desse lugar, de onde eu nunca deveria ter pisado os meus pés. E vou pedir um favorzinho para vocês.

Eu ia dizer para elas nunca mais falarem comigo, esquecerem que eu existo, apagar meu telefone das agendas dos seus celulares, quando uma moça que trabalha no asilo foi até nós.

Moça que trabalha no asilo: Gente, desculpa interromper a conversa de vocês...

Conversa? Como ela foi simpática.

Moça que trabalha no asilo: ... Mas a gente precisa cantar logo o parabéns para o primo de vocês, senão vai ficar tarde para os meus anjinhos tomarem banho.

Adalberto: Como assim, parabéns?

Marjorie: Essa é a sua festa surpresa, seu bobo.

Eu estava em estado de choque.

Adalberto: Como assim?

Ane: Festa surpresa, ué. Você não joga na nossa cara, que a gente nunca consegue fazer uma festa surpresa para você? Então, a Sara teve a brilhante ideia de fazer o seu aniversário num asilo. 

Sara: É. Só assim a gente conseguiu te fazer uma surpresa.

Marjorie: E ainda viemos trazer alegria para todos os velhinhos que moram aqui no Dia dos Idosos Abandonados em Asilos. Não é legal isso, primo?

Adalberto: Vocês só podem estar de brincadeira. Não estou acreditando nisso.

O pior é que eu estava acreditando, sim. De repente, se a moça que trabalha no asilo não tivesse aparecido, falando do meu aniversário, eu não acreditaria. Eu ia pensar que elas estava aproveitando a celebração do Dia dos Idosos Abandonados em Asilos para fingir que o motivo da festa era, na verdade, o meu aniversário. E o melhor é que não era.

Quando eu entrei na sala de eventos, vários velhinhos abandonados naquele asilo cantaram parabéns para mim. Amei aquilo. Amei aqueles velhinhos. E entendi por que a moça que trabalha lá os chama de anjinhos. Eles são uns lindos. Queria levar todos para minha casa, dar de tudo do bom e do melhor para eles, queria bater em quem abandonou eles ali.

Fui a um barzinho comprar cervejas para a gente tomar com os velhinhos. A diretora do asilo liberou para eles tomarem um goró, pelo menos, no dia deles. Mas com a condição de ser dois copos apenas para cada um. 

É claro que eu não fiquei regulando nenhum velhinho. Eles encheram o pote. Eu e as minhas primas também.  Até a diretora do asilo e as moças que trabalham lá beberam além da conta. Parecia que nunca tinham visto cerveja na vida.

De repente, uns instrumentos brotaram na festa e, quando dei por mim, estava numa roda de samba formada por idosos abandonados em asilos. Me acabei!

Já tarde da noite, completamente bêbado e quase sem conseguir andar, fui me despedir da velharada. Foi dessa maneira que eu me referi a eles depois de uns quatro copos.

Adalberto: Já vou.

Velhinho: Já? Ah, não vai.

Adalberto: Eu tenho que acordar cedo amanhã.

Moça que trabalha no asilo: Deixa ele ir. No ano que vem, a gente comemora de novo. Parece que essa data vai entrar mesmo para o calendário comemorativo nacional. 

Adalberto: Mesmo se não entrar, a gente institui. Adorei ter comemorado o meu aniversário aqui. Fiquei muito emocionado com a surpresa.

A moça que trabalha no asilo, que também estava completamente bêbada, deu uma gargalhada.

Adalberto: Eu falei alguma coisa engraçada?

Moça que trabalha no asilo: Ai, menino. A tua prima me mandou uma mensagem de texto, enquanto vocês brigavam lá fora, dizendo para eu chamar vocês para a sua festa surpresa de aniversário. Falou que você estava morrendo de ciúmes e que não podia nem sonhar que a festa era para os meus anjinhos. 

Adalberto: Sério? 

Eu estava tão nervoso, durante a discussão com as minhas primas, que nem percebi quem foi a ingrata, que mandou essa mensagem de texto.

Velhinho: A menina foi correndo lá dentro dizer que a gente tinha que cantar parabéns para um cara. Ninguém entendeu nada. Depois, que explicaram para a gente melhor.

Moça que trabalha no asilo: Olha, eu só estou te contando isso, porque vi que você é muito maneiro e vai levar isso na esportiva. 

Velhinho: Pelo jeito que falaram de você, a gente pensou que fosse um monstro.

Moça que trabalha no asilo: Pois é, menino. As suas primas exageraram. Você é muito legal.

É... Realmente, dessa vez, elas exageraram mesmo.

Moça que trabalha no asilo: Parece que elas iam para a sua casa, depois da festinha daqui pelo Dia dos Idosos Abandonados em Asilos. Mas foi bem melhor assim, né? vai dizer que você não gostou.

Não. Mesmo bêbado eu ainda tinha discernimento. É claro que eu estava gostando. Mas, depois de saber a verdade, eu estava odiando aquilo tudo.

Velhinho: Ele gostou, sim. Não gostou.

Adalberto: Gostei.

Fui embora para casa à francesa. Chorei copiosamente na minha cama. Dormi sem me dar conta de até onde chorei e, no dia seguinte, para a minha surpresa, acordei com nadinha de ressaca.

O álcool deve ter saído todo pelas minhas lágrimas. Então, até que não foi nada mal. 

E viva eu!

domingo, 25 de novembro de 2012

Viva a confusão de datas!

Na sexta-feira passada, atendendo ao pedido das minhas primas, tirei folga do trabalho. Achei que elas quisessem fazer alguma coisa comigo, sei lá. Levantei da cama às duas da tarde e ninguém, até então, havia me ligado. Passou-se uma hora, duas... Nada. Às seis, eu resolvi ligar para alguém, porque eu não sou palhaço.

Marjorie: Oi, priminho.

Adalberto: Oi, priminho é o cacete, né?

Marjorie: O que é isso, Adal?

Adalberto: Marjorie, você, a Ane, a Lu e a Sara pediram para eu tirar folga hoje e, até agora, nenhuma de vocês me ligou ou veio aqui em casa para me chamar para fazer alguma coisa...

Marjorie: Ué, mas a gente tinha que ir aí ou chamar você para fazer alguma coisa?

Adalberto: Ah, então, vocês queriam que eu tirasse folga para eu ficar descansando em casa?

Marjorie: É.

Adalberto: Eu cheio de coisa para fazer no trabalho...

Marjorie: Mas você descansou. Não foi bom?

Adalberto: Não. Fiquei na expectativa de fazer alguma coisa com vocês. Isso prendeu o meu dia.

Marjorie: Quer sair para tomar um sorvete?

Que ódio. Eu não tirei folga para tomar sorvete.

Marjorie: Vamos, primo?

Adalberto: Está bem. Vou só colocar uma roupa. Te pego aí?

Marjorie: Não! Quer dizer, nao. Eu passo aí.

Adalberto: Beleza. Te espero. Mas não demora. Eu já fiquei um dia inteiro sem fazer nada. Não aguento mais ficar dentro de casa.

Marjorie: Já vou sair. Até loguinho.

Quase duas horas depois, ela chegou. Fomos tomar sorvete e esse, de longe, foi o programa mais sem emoção que eu fiz com a Marjorie em toda a minha vida. Ela é designer de bolsas, é convidada para festas incríveis de grandes estilistas e sempre me leva de tiracolo. Foi, no mínimo, diferente sair com a Jojô para escolher sorvete de massa e calda de acompanhamento. Nada a ver com o que eu esperava para o meu dia.

Marjorie: Está gostando primo?

Óbvio que não.

Adalberto: Estou adorando. Obrigado pelo convite.

O telefone da Marjorie não parou de tocar durante todo o nosso programa furado na sorveteria, mas ela não atendia. Cancelava a ligação, blasé, e voltava a conversar comigo, como se nada tivesse acontecido. Isso me dava uma certa aflição. Cheguei à conclusão de que ela já deve ter feito isso comigo nas vezes que não quis me atender. Fiquei com raiva.

De repente, o celular tocou de novo - e essa já devia ser a milésima vez que isso acontecia - e ela atendeu. Que alívio.

Marjorie: Está bem... Ok... Beleza... Tchau.

Adalberto: Quem era?

Marjorie: Como assim, quem era?

Adalberto: Era a pessoa que estava te ligando desde a hora que chegamos aqui?

Marjorie: Por que você quer saber, primo?

Adalberto: Para saber se eu insisto, quando eu quiser falar com você, ou se não vale a pena.

Marjorie: Fica tranquilo. Sempre que você me ligar, eu vou te atender. Você é minha prioridade.

Sei...

Adalberto: Bom saber disso.

Marjorie: Vamos lá em casa comigo? Quero te mostrar umas coisas que eu comprei na minha última viagem.

Ela devia ter sugerido isso antes. Muito mais interessante ver as coisas que ela comprou na última viagem que ela fez, do que ficar batendo papo numa sorveteria. Eu já estava com frio e isso me deixou um pouco irritado.

Adalberto: Vamos, agora, então?

Marjorie: Vamos.

Quando chegamos em frente ao prédio da Marjorie, vi que todas as luzes do apartamento dela estavam apagadas e isso me deixou intrigado.

Adalberto: Jojô, você apagou todas as luzes, quando saiu de casa?

Marjorie: Apaguei.

Adalberto: Mas você gosta de deixar sempre a luz do corredorzinho acesa.

Marjorie: Não gosto mais. Parei de gostar. Agora, eu gosto de deixar a casa um breu.

Adalberto: Falar dessa maneira comigo também não combinava com ela. Mas tudo bem... Ela não devia estar naqueles dias.

Subimos num silêncio gutural. Isso nunca aconteceu. Por mais desconfortável que seja conversar no elevador, eu e as minhas primas conseguimos travar diálogos interessantíssimos dentro daquele espaço confinado, cheio de espelho, com pressão no ouvido e, dependendo da ocasião, cheio de gente.

A Marjorie abriu a porta do apartameto e pediu para que eu entrasse primeiro. MEDO!

Fui surpreendido por minhas outras primas cantando parabéns para mim. Tinha bolo, bola, docinho, refrigerante... Só que não era o meu aniversário.

As primas: Discurso, discurso, discurso...

Adalberto: Meninas, eu queria...

As primas: Eeeeeeeeehhhhhhh!

Adalberto: Agradecer por...

As primas: Eeeeeeeeeeeeeehhhhhh!

Adalberto: Essa festas, mas...

As primas: Eeeeeeeeeeeeeeeehhhhhhhhhhhhh!

Adalberto: Hoje não é o meu aniversário.

As primas: Hã?

As caras de decepção foram as melhores que eu já tinha visto em toda a minha vida. Senti vontade de rir.

Adalberto: O meu aniversário é no dia 27. Hoje é dia 24, dia do aniversário do tio Gabriel.

Ane: Putz, fui eu que confundi.

Sara: E eu nem me liguei no dia. Eu sei que é dia 27, mas eu achei que hoje era o dia 27. O tempo está passando tão rápido hoje em dia, né? Não era assim antigamente, não.

Lu: É mesmo. Esse ano voou. E eu não fiz nada. Continuo encalhada.

Marjorie: Gente, eu também não me liguei no dia. A Ane falou que era hoje e eu aceitei. Primo, entendeu, agora, por que não ligamos para você mais cedo? A gente ficou o dia inteiro organizando essa festinha.

O dia inteiro só para um bolo, umas bolas, uns docinhos e alguns refrigerantes. Poxa...

Marjorie: Entendeu por que eu não atendia as ligações? A gente combinou que, a cada ligação que elas me fizessem, eu deveria enrolar mais cinco minutos com você.

Adalberto: E por que você atendeu aquela última ligação? Como é que você sabia que era para atender?

Marjorie: Porque eu cancelei a ligação e elas ligaram de volta. Percebeu que, quando eu cancelava as ligações, ninguém me retornava imediatamente? Quando isso acotecesse, era porque eu devia atender.

Caramba...

Adalberto: Pena que vocês erraram a data. Essa ia ser a primeira vez que vocês iam conseguir fazer uma festa surpresa para mim.

Das outras vezes, eu sempre descobri a armação. Nessas outras vezes, não teve esse esquema de ligar-cancelar-quinze minutos ou ligar-cancelar-ligar de novo-está na hora...

Sara: E agora? A gente guarda para o dia 27?

Ane: Será que não vai estragar? O bolo tem que ficar na geladeira, né?

Lu: Ai, gente vamos comer isso tudo hoje. No dia 27, a gente faz outra brincadeira.

Marjorie: Concordo. Mãos à massa!

Adalberto: Gente, vamos fazer o seguinte, então. Já que a festa é minha, eu decido o que fazer. Vamos levar tudo isso para a casa do tio Gabriel e surpreendê-lo com uma festa de aniversário. Garanto que ele vai adorar. Ele deve estar em casa, deprimido, sozinho. Duvido que alguém tenha lembrado dele.

Marjorie: Ótima ideia primo. Partiu casa do tio Gabriel, então.

Lu: Demorou!

Sara: Só vou ligar para o Oswaldo saber que ele tem que me buscar lá no tio Gabriel. Se ele vier aqui e não me encontar, vai ter um filho.

Ane: Ah, chega. Vocês já têm três. Mais um, não!

Chegamos à casa do tio Gabriel, crente que estávamos abafando, mas do lado de fora ouvimos um som altíssimo. A música estava bombando e tinha uma galera animadíssima. Inclusive, meus pais, minha irmã, meu cunhado e o meu sobrinho, o Diego. Quem foi que falou que o tio Gabriel devia estar em casa, deprimido, sozinho?

Neide: Meu filho, vocês demoraram tanto. O que houve?

Adalberto: Ah, mãe, a gente demorou, porque resolvemos trazer essas coisas.

Neide: Levaram esse tempo todo para chegar aqui, por causa de um bolo, umas bolas, uns docinhos e uns refrigerantes? Poxa...

Ane: Demoramos porque fomos nós que fizemos tudo. Não foi nada comprado pronto.

A Ane apelou.

Neide: Quer enganar quem, Ane? A mim vocês não enganam, não.

Coitadas das minhas primas. Elas já tinham se enganado o suficiente, achando que era o meu aniversário. O melhor que elas poderiam fazer era ficar caladas. Mas isso não aconteceu, claro. E, depois de muitas cervejas, elas mesmas contaram para todo mundo sobre a comédia de erros que foi aquela sexta-feira.

Gabriel: No fim das contas, eu saí ganhando. Tomara que todo ano vocês façam essa confusão de datas.

Acho que, no fundo, no fundo, todo mundo saiu ganhando. O dia que tinha começado mocho terminou da melhor maneira possível. Graças as minhas primas.

E viva a confusão de datas!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

É tudo culpa do hipopótamo

Ontem, foi o Dia da Proclamação da República, mas, na quarta-feira, eu decidi antecipar o feriado e faltei ao trabalho. O meu celular antigo tinha morrido e eu resolvi comprar um desses que faz tudo. Logo no fim da manhã, eu já estava em casa. A ideia era ficar o resto do dia desbravando os aplicativos do meu novo brinquedinho. Nele, eu posso baixar até o passo-a-passo da coreografia do novo clipe de Beyoncé.

É claro que eu não baixei esse aplicativo. É só um exemplo de como o meu novo celular é eclético. Ah, também tem um aplicativo que ensina a dar nó na gravata. Mas isso eu também não quero aprender a fazer. A minha mãe é mestre em dar nós em gravatas e, enquanto ela existir, vai continuar sendo a minha profissional do nó na gravata.

A brincadeira estava divertida, eu estava baixando um aplicativo que me mostrava como as formigas vermelhas se reproduziam, quando a Marjorie me ligou.

Adalberto: Zoológico? É isso mesmo que eu ouvi? Você está a fim de fazer programa de índio hoje? O que deu em você, Jojô?

Marjorie: A Isabela, aquela minha cliente, me chamou.

Adalberto: E por que você não disse que não? Inventava alguma desculpa...

Marjorie: Adal, eu já inventei diversas desculpas para ela. Ela vive me chamando para os programas de índio, que ela acha incrível, e eu nunca vou. Não tenho mais cara de dizer não. E outra: ela vai fechar comigo a próxima coleção da loja dela, são mais de 15 modelos de bolsa. Vou ganhar uma grana boa.

Adalberto: Entendi. Você está querendo me levar para essa furada junto?

Marjorie: Ai, primo, me salva. Eu não tenho muito assunto com ela. E você é o mestre de tirar assunto da cartola, com as pessoas mais improváveis. Quebra essa para mim?

E eu quebrei. Quando dei por mim, estava esperando o grande momento de ver um hipopótamo saindo de dentro da água.

Adalberto: Tem certeza que tem hipopótamo aí dentro, gente? Por mim, a gente vai embora. Já vi o elefante, o jacaré, a girafa e o rinoceronte... Para mim, já valeu o programa.

Isabela: Os hipopótamos só saem da água ao entardecer.

Adalberto: Pô, a pessoa que não tem tempo de ficar num zoológico o dia inteiro, devia receber um desconto por não conseguir ver o hipopótamo. Ou alguém de bom senso poderia tirar um hipopótamo de dentro dessa água podre, para a gente poder ver que tem mesmo um hipopótamo aí dentro. Eu já não estou acreditando.

Isabela: Fica tranquilo que você já vai ver.

Tranquilo era tudo o que eu não podia ficar naquele momento. Eu já estava num zoológico há quatro horas. Não aguentava mais.

Isabela: Eles passam a maior parte do dia da água para manter a temperatura do corpo baixa e não deixar a pele ressecar.

Adalberto: Hidratante neles!

Marjorie: Adal!

Adalberto: Ué, Jojô, você não vende bolsas? Imagina se as suas clientes tivessem que esperar você atendê-las só no fim do dia, porque você não acorda cedo. O que ia acontecer? Você ia perder muitas delas para outras designers de bolsa.

Marjorie: Adal, mas eu não sou um hipopótamo. Se fizesse isso, eu ia ser muito burra.

Adalberto: Os gestores desse zoológico também não são hipopótamos. Se eles fossem inteligente, passariam hidratante na pele dos hipopótamos e, assim, evitaria que eles ficassem o maior parte do dia dentro da água. Olha só o tanto de criancinhas esperando o hipopótamo sair da água. Isso não é humano.

Isabela: O que não é humano é passar hidratante na pele de um hipopótamo, Adalberto.

Eu ia dizer para ela que o que não é humano é convidar alguém para fazer um passeio no Zoológico, mas não quis colocar as bolsas, que ela encomendou da Marjorie, em cheque.

Marjorie: Ele sabe disso. Esse garoto é um palhaço, Isabela. Não viu que ele está brincando?

E logo recebi um beliscão na barriga para parar de dar sugestão sobre como ser um bom gestor de zoológico.

Isabela: Ai, eu sou tão lerda para essas coisas, que pensei que ele estava falando sério. Já estava pensando aqui comigo: "não acredito que o primo da minha designer favorita é um idiota". Já ia cancelar minha encomenda.

Marjorie: Sério?

E ela ficou rindo de uma maneira que me irritou profundamente.

Isabela: Claro que não, sua boba. Acha mesmo que eu ia deixar de comprar bolsa com você, só por causa do seu primo?

Marjorie: Sei lá, achei que você estava falando sério.

Isabela: Nada.

Marjorie: Então, você e o Adal são bem iguaizinhos. Ele adora falar uma coisa absurda sério, só de brincadeira. 

Eu não sabia que eu era assim...

Adalberto: Ah, eu sou assim mesmo. Sempre fui assim...

Isabela: Gente, olha ali o hipopótamo! Ai, meu celular está sem bateria. Me empresta o seu para eu bater foto, Adalberto.

E ela, toda abrutalhada, desastrada, deixou o meu telefone cair na água do hipopótamo. E adivinhem? O hipopótamo engoliu meu celular.

Olha como a vida adora pregar peças na gente: eu saio da minha casa para ir a um zoológico fazer um favor para a minha prima, sou obrigado a ficar horas esperando um hipopótamo sair de dentro da água e, quando isso, acontece eu perco o celular que eu tinha acabado de comprar.

Quando um carinha do zoológico veio perguntar o que tinha acontecido, eu não medi minhas palavras, não pensei na Marjorie. Eu estava com tanta raiva da Isabela, que falei o que veio à cabeça.

Adalberto: Ela jogou o meu celular de propósito para o hipopótamo comer. Ela disse que odeia hipopótamo e estava uma arara, porque o hipopótamo só sai da água no fim do dia e a gente queria esperar. Eu falei para ela que eles passam a maior parte do dia na água para evitar o ressecamento de pele e sabe o que ela me disse? Que vocês são uns incompetentes, que deveriam passar hidratante na pele dos hipopótamos para o público do zoológico não ter que ficar esperando um dia inteiro para ver o bichinho aparecer. E que as pessoas que não vissem, deveriam ter desconto. Isso tem coração? Não tem, não. 

Marjorie: Adal, como assim?

Adalberto: Olha, moço, leva essa mulher daqui. Prende ela.

A Isabela não conseguiu proferir uma palavra. Acho que, num primeiro momento, ela pensou que eu estava falando uma coisa absurda sério para, depois, desmentir. Só quando ela foi levada para uma salinha do zoológico e viu que eu não desmenti nada, que ela começou a se debater e fazer escândalo. Me xingou de tudo o que era nome e tentou manipular a Marjorie, dizendo que ia cancelar a encomenda. Mas já era tarde. Eu estava com ódio dela e nada ia me fazer desmentir aquele absurdo.

Fomos parar na Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente

Ontem, fiquei o dia inteiro fazendo restituição do caso. Foi assim o meu feriado. A Marjorie estava uma arara comigo, mas eu estava me divertindo com aquilo. Um monte de gente envolvida, perito, fotógrafos, o pessoal do zoológico, muito legal essa coisa de reconstituição do caso. Eu já tinha visto isso na televisão, mas não imaginava que era tão legal. A gente parece até celebridade. Fiquei numa vaidade só... 

Durante a reconstituição, a Marjorie ficou do lado Isabela. Mas não adiantou nada. Eu tinha como álibi o fato de a perua ser um ótima cliente dela e consegui convencê-los de que a Jojô só estava protegendo-a por causa disso.

E depois das milhões de vezes que simulamos as situações narradas por mim e pela Isabela, chegou-se à conclusão de que a ela, realmente, tinha jogado o meu celular para o hipopótamo de propósito.

A Isabela chorou copiosamente e eu dava gargalhadas. Eu estava muito feliz e orgulhoso pelo meu poder de persuasão, me sentindo um reizinho, um imperador... Até que vi minha prima chorando também. Passaram-se várias coisas na minha cabeça. Naquele momento, era eu que fazia uma reconstituição mental de tudo o que tinha acontecido. A minha consciência pesada era a perita. E o resultado foi o seguinte: eu fui um escroto com a minha prima. Ela, provavelmente, ia perder a cliente e nunca mais ia querer falar comigo. Eu precisava consertar isso a tempo.

E enquanto a Isabela era levada para ser presa, eu decidi contar a verdade.

Adalberto: Ei, gente. Era tudo mentira minha. Ela não jogou o meu celular de propósito para o hipopótamo comer. Eu inventei aquilo. E me aproveitei de que ela é cliente da minha prima para invalidar todo o depoimento da Marjorie. Vocês me desculpam?

Claro que ninguém me desculpou. No lugar da Isabela, eu fui preso por calúnia e difamação. E, assim, terminou o feriado do Dia da Proclamação da República do imperador Adalberto Neto: com o reinado na lama. Parecia até ironia do destino. Castigo por ter faltado ao trabalho no dia anterior, só pode!

Hoje, depois de passar uma noite de cão numa cela xexelenta, as minhas quatro primas decidiram pagar fiança e me tirar daquele lugar imundo.

Adalberto: Meus amores, achei que vocês tinham se esquecido de mim.

Marjorie: Deixei você dormindo lá um dia para aprender a nunca mais fazer isso. Toma isso aqui.

Era um embrulho que eu abri num átimo. Um celular novíssimo! E bem melhor do que o que eu tinha comprado! Caramba, há males que vem mesmo para o bem... 

Sara: Você é doido, primo.

Ane: Maluco! Isso, sim!

Lu: Você não vale nada, garoto!

Realmente. Mas elas continuam me amando. E é isso que importa.

Adalberto: E a Isabela?

Marjorie: Fechou com outra designer.

Adalberto: Desculpa, prima. Foi tudo culpa do hipopótamo.

Marjorie: Tudo bem. Ontem mesmo, fechei contrato com três estilistas bem mais conceituados que ela.

Adalberto: Que ótimo!

 Marjorie: É... Mas, desses, eu quero você bem distante.

Melhor assim...

domingo, 11 de novembro de 2012

Quando todos os caminhos dão no show da Lady Gaga

Na sexta-feira, eu saí do trabalho mais cedo, porque fiquei de levar umas doações para um convento. Como não gosto de fazer nada sozinho, chamei a primeira prima que me veio à cabeça para me acompanhar.

Sara: Alô.

Adalberto: Está fazendo o que, Sarita?

Sara: Oi, Adal. Estou aqui no supermercado, fazendo compras de mês. 

Adalberto: O Oswaldo está com você?

Sara: Não. Por quê? Você está sabendo de alguma coisa dele? Olha, se estiver, pode falar, Adal, nós somos primos.

Adalberto: Sara, que neura! Perguntei por perguntar. Não sei de nada. Beijo.

Depois dessa, decidi convidar a Marjorie, a prima prática.

Marjorie: Fala, Adal.

Adalberto: O que você está fazendo de bom?

Marjorie: De bom, nada. Eu estou esperando uma cliente, que está vindo conversar sobre a próxima coleção. Ih, primo, ela acabou de chegar. Tenho que desligar. Beijo, tchau.

Viu como ela é prática? Próxima opção: Ane.

Ane: Priminho!

Adalberto: Oi, amoreca, onde você está?

Ane: Aqui, na casa do Afonsino.

Adalberto: Quem é esse.

Ane: Meu novo "amor verdadeiro, amor eterno".

Adalberto: Ane, você não vai tatuar essa cafonice no seu pé.

Ane: Eu, vou. Só faltava encontrar o meu amor. Agora que encontrei, já posso escrever "Afonsino - Amor verdadeiro, amor eterno". Isso não é cafona.

Adalberto: Pode até não ser. Mas a Deborah Secco já tatuou isso no pé, quando estava namorando o Falcão. Você sabe disso. 

Ane: Claro. Eu estou copiando dela, porque achei lindo.

Adalberto: Copiar a cafonice dos outros é ser cafona ao quadrado.

Ane: Ai, Adal, deixa eu desligar. O Afonsino está quase batendo na mãe dele, porque ela não acha um par de meias dele. Vou ajudar a procurar.

Adalberto: Como assim?

Ane: A mãe dele perde tudo que é dele. 

Adalberto: E só por isso ele quer bater nela?

Ane: Toda semana ele bate nela, mas ela não aprende...

Adalberto: Ane, então, corre daí, antes que esse cara te bata.

Ane: Ele não é maluco.

Adalberto: Ah, o cara que bate na mãe não é maluco?

Ane: Ela dá motivos?

Adalberto: E perder uma meia é motivo?

Ane: Isso para ele é importante, Adal. Você, quando viaja, coloca fralda geriátrica, porque tem medo de sentir vontade de fazer número 2 e não ter onde. Isso para você é importante. Para o Afonsino, um par de meias também é importante. 

Ela precisava fazer essa comparação?

Adalberto: Ane, se você não sair dessa casa agora, quem vai te bater sou eu. Onde já se viu? O cara bate na mãe e você ainda quer tatuar o nome dele no seu pé. O teu amor-próprio está no pé mesmo, hein...

Ane: Ih, deixa eu ir lá. Ele está molhando o pano de prato.

Não entendi a ação.

Adalberto: E quando a pessoa molha o pano de prato, o que isso quer dizer?

Ane: Quer dizer que ele vai bater na mãe dele com pano de prato molhado. Tchau, Adal!

Meu Deus! A minha prima está muito mal parada. O pior é que eu nem sabia onde ela estava para tirá-la à força daquele lugar.

Resolvi não ficar preocupado com a Ane para não comprometer a tranquilidade do meu dia. Ela já passou por situações piores e soube dar a volta. 

Liguei para a Lu.

Lu: Oi, meu amor.

Adalberto: Lindona, vamos comigo levar umas doações naquele convento, que eu ajudo sempre?

Lu: Adal, eu estou indo à feira. Vou comprar tomate e, depois, vou aproveitar para tomar caldo de cana com pastel. Estou com esse desejo há dias. Vem para cá.

Adalberto: Não posso, amore.

Lu: Por quê? É rapidinho. Eu como e a gente vai.

Adalberto: Não. Agora que vi, estou atrasado.

Mentira. Estou de dieta. Engordei três quilos no último feriadão.

Lu: Então, está bem. A gente se fala. Beijo.

Para a minha surpresa, depois que eu entreguei as minhas doações, a madre superiora, que se acha superior às outras, me entregou um envelope.

Madre superiora: Isso aqui é para te agradecer.

Adalberto: Ah, madre, obrigado.  

Eu imaginei que fosse um cartão, com uma mensagem linda. Mas eram dois ingressos para o show da Lady Gaga.

Eu tinha ouvido que o show dela não bombou nas vendas. Mas daí a ter distribuição de ingresso em convento... É muita apelação!

Como não tinha nada para fazer, decidi ir ao show. Não chamei ninguém para ir comigo, porque queria tentar vender o outro ingresso na porta e fazer uma graninha extra.

Me dei mal. Os cambistas estavam trocando biscoito e refrigerante por ingresso para o show.

Fui ser solidário.

Adalberto: Toma aqui, moço. Quem sabe, com esse, o senhor não consegue a passagem de volta para casa...

Cambista: Obrigado, meu filho. Acabei de trocar cinco ingressos por um golinho de Coca-Cola e sete, por uma mordida num sanduíche de presunto com ovo.

Meu Deus, que decadência! Eu queria adotar esse cambista, pagar por todos os ingressos que ele comprou, na esperança de ter lucro e, quem sabe, colocar comida dentro de casa, mas eu não tinha condições de fazer isso. Eu não tinha um centavo no bolso. Meu cartão tinha sido bloqueado e eu fui ao show com a roupa do corpo e nada mais.

Adalberto: Moço, saiu muito caro para o senhor comprar os ingressos para revender aqui na porta?

Cambista: Nada. Umas freiras subiram lá no morro onde eu moro e saíram distribuindo. Só eu ganhei uns vinte.

Adalberto: Ah, tá.

Então, ele estava no lucro... E eu com pena desse sujeito...

Cambista: Tu vai entrar no show ou também veio tentar vender ingresso?

Adalberto: Não, eu vou entrar. 

Cambista: Então, vamos! Eu também vou. Minha família está toda lá dentro.

Dentro do Parque dos Atletas, onde aconteceu o show, cabem cem mil pessoas. Mas parecia que só tinham cem. Cem monstrinhos, diga-se de passagem. A Lady Gaga, sim, era digna de pena.

Mas ela não se abalou por isso. Fez sua apresentação como se estivesse diante de uma plateia de um milhão de... Mostrinhos!

De repente, fui chamado ao palco.

Lady Gaga: Hey, you!

Adalberto: Eu?  

Lady Gaga: Yeah!

Subi ao palco.

Lady Gaga: Do you like my concert?

Adalberto: Yes.

Lady Gaga: Really? So you are having a good time, aren´t you?

Adalberto: Yes.

Lady Gaga: Did you come alone?

Adalberto: No.

Eu detesto ser monossilábico, mas também morro de vergonha de falar inglês na frente de um monte de gente que fala a mesma língua que eu. Tudo bem que não tinham cem mil pessoas. Mas tinham cem!

Lady Gaga: Who came with you?

Caramba! Eu não sabia o nome do cambista. Também ia ficar chato eu falar para a cantora que eu entrei com um cara que estava fazendo venda ilegal de ingressos do show dela. Fora que eu não sei como se fala cambista em inglês. Será que existe cambista nos lugares em que se fala inglês? Ou isso é coisa que só tem no dicionário de português do Brasil?

Adalberto: Sorry, I came alone.

Lady Gaga: Oh, ok. And what´s your name?

Tive dúvidas se ela ia conseguir pronunciar meu nome.

Adalberto: My name is very difficult for you to speak.

Lady Gaga: But say to me. What´s your name my little monster?

Depois de ter visto como eram os seus fãs, entendi isso como um xingamento. Mas tive pena de dizer para ela que eu não era um monstrinho. O show já não tinha bombado... 

Adalberto: My name is Adalberto.

Lady Gaga: What?

Adalberto: Adalberto:

Lady Gaga: Sorry, baby. Spell your name, please.

E depois da cena ridícula, em que eu soletrei o meu nome para a Lady Gaga, ela finalmente improvisou, para mim, uma versão de "Alejandro".

Lady Gaga: Adalberto, Adalberto // Ada-Adalberto, Ad-Adalberto // Don´t call my name, don´t call my name, Adalberto // I´m not your babe, I´m not your babe...

Que mico! Naquele momento, eu virei uma celebridade da mídia. Da mesma safra dos ex-BBBs, das mulheres que invadem as partidas de futebol completamente nuas, das ex-namoradas dos jogadores de futebol e das mulheres que ficam viúvas de famosos e escrevem livros para contar como era a vida deles.

De repente, de cima do palco, vi uma confusão. E como era pouca gente nos show, consegui ver as minhas quatro primas e o Oswaldo no meio de uma briga. Isso chamou a atenção da Lady Gaga, que interceptou.

Lady Gaga: Hey, please, stop fighting, my little monsters!

Adalberto: Deixa que eu falo em português com eles.

E tomei o microfone da mão dela.

Adalberto: Gente, vamos parar com a briga! Vamos parar com essa palhaçada! Não tem tanta gente aqui para ter briga. Dá para todo mundo ver o show de perto. Cadê os seguranças, hein?

Os seguranças estava dormindo. Era tão pouca gente, que eles achavam que não iam ter trabalho e ficaram dormindo nas guaritas. Isso foi o que me contaram depois. 

Um policial, que estava curtindo o show, algemou um homem e o levou para fora do local. Deis dois beijinhos na Lady Gaga e desci para ficar com as minhas primas. Ela voltou a cantar como se nada tivesse acontecido. Essa menina, como diria minha mãe, é uma artistona. Sabe superar as dificuldades...

Adalberto: gente, o que vocês estão fazendo aqui? O que aconteceu? Que confusão era aquela?

Marjorie: Calma, Adal. A gente se encontrou aqui por coincidência. Eu ganhei um ingresso daquela cliente que foi lá em casa hoje.

Lu: Eu ganhei o meu na barraquinha de tomate, da feira. 

Sara: Eu ganhei dois ingressos no mercado, onde fiz compras de mês.

Ane: E eu vim com o Afonsino.

Adalberto: E cadê ele?

Ane: Ele foi preso. Um policial que estava aqui à paisana levou ele para fora.

Adalberto: Eu vi isso de lá de cima do palco! Era o Afonsino?

Ane: Era, Adal, vamos lá comigo atrás dele?

Adalberto: Está maluca? Para quê? Para ele me bater? O cara que bate na mãe merece isso. Ser preso! Mas o que esse louco aprontou?

Marjorie: Foi pego furtando dinheiro da bolsa de uma monstrinha.

Percebi a ironia da Marjorie e senti vontade de rir, mas não era a ocasião para isso.

Lu: O cara não presta. Roubou uma freira todos os ingressos que uma freira ia distribuir numa favela. 

Adalberto: Ah, deve ser do convento que eu ajudo. As freiras de lá saíram distribuindo ingressos para o show pela favelas. Eu ganhei o meu de lá... Mas como é que você soube que ele roubou uma freira?

Lu: Aquela madre superiora, que está ali na frente comprando cerveja, me contou. Ele ficou o tempo todo com a gente aqui no show. Ela se joga, primo. Muito legal.

Adalberto: Gente, é a madre superiora do convento que eu faço doação! Como assim?

Marjorie: Como assim, que eu vou embora!

Adalberto: Já?

Marjorie: Primo, todos os mosquitos do mundo já me comeram aqui. Eu preciso estar viva para terminar uma coleção até o fim da semana que vem. Estou indo. Beijo!

Sara: E eu vou com o Oswaldo. Também não estou aguentando esses mosquitos.

Oswaldo: Eles são os verdadeiros monstrinhos.

Sara: Tchau, primo.

Adalberto: Gente, então, eu também vou.

Lu: Eu vou com você. Vamos beber fora daqui, primo. A cerveja aqui dentro é muito cara e eu nem gosto tanto assim dessa gaga.

Ane: Ah, sua falsa! Você ficou aos prantos, quando ela acenou para você de dentro do carro, chegando aqui...

Lu: Porque eu pensei que fosse aquela outra que eu gosto.

Adalberto: E quem é aquela outra que você gosta.

Ane: É a Kate Perry. Mas ela nem sabia o nome da mulher.

Lu: Ah, não sabia mesmo, não. Só sabia que ela cantava aquela música que eu gosto, assim "nãnãnã, nãnã, nãnãnãnãnã, nãnãnã, nã".

Adalberto: Que música é essa?

Ane: Ah, sei lá, Adal. Vamos embora daqui. Vou atrás do Afonsino.

Adalberto: Ah, mas não vai mesmo. Senão, eu vou bater em você, como ele faz com a mãe dele: com pano de prato molhado.

Fui com a Ane e a Lu para um bar perto da minha casa. A essa altura, o show já havia acabado.

Quando chegamos, tomei um susto com o bando de gente que veio me fotografar. A Ane que estava com um bico do tamanho do mundo, porque eu não quis deixá-la ir atrás do bandido do Afonsino, estava curtindo o momento "prima de um pseudo-famoso".

Adalberto: O que é isso, gente?

Lu: Esqueceu que você agora é uma celebridade? O show foi transmitido na TV aberta, meu bem. 

Adalberto: Ah, meu Deus, que vergonha.

Já tinha gente com faixa, cartaz com foto minha e tudo...

Nem consegui pedir minha cervejinha. Os meus fãs não me deixavam em paz. Fui para casa sozinho. A Ane e a Lu, espertas que só elas, se arrumaram entre os meus fãs.

Adalberto: Esses meninos devem ter menos de dezoito anos!

Lu: Deixa! A gente cuida deles direitinho.

Adalberto: Vocês não valem nada.

Ane: Por isso que você gosta da gente.

Adalberto: Pelo visto, já esqueceu o Afonsino, né?

Ane: Quem é Afonsino?

Lu: Afonsino já é passado na vida dela, meu bem. A gente, agora, vai investir na primeira idade.

Adalberto: Tchau, suas louquinhas! Agora, vai ser assim que vou chamar os meus fãs. Os da Lady Gaga, são monstrinhos e os meus, louquinhos. Gostaram?

Ane: Adorei.

Lu: Muito bom, primo.

Muito boa foi essa reviravolta que deu na minha vida. Ontem, fui convidado para da entrevista para vários telejornais, estou sendo chamado para fazer presença VIP em várias festas, estou conhecendo vários artistas e fui sondado para fazer a abertura do "Soletrando", do programa do Luciano Huck, no começo do ano que vem.

Tomara que os meus quinze minutos de fama durem até lá.