quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Ane recebe reparos da Net

A Ane me ligou ontem cedinho. Eu tinha acabado de sair da academia:

Ane: Primo, você tá fogante.

Adalberto: Eu estava fazendo esteira.

Ane: Ah, bom. Já estava pensando besteira.

Adalberto: Menina, falando em besteira, sabe aquela recepcionista do condomínio do tio Vavá, que tinha morrido?

Ane: Sei. Aquela fofa. Eu fiquei três noite sem dormir, com medo do espírito dela.

Adalberto: Então, ela tá viva.

Ane: Como assim, se ela morreu?

Adalberto: Ela não morreu. Quem morreu foi uma outra.

Ane: Quem?

Adalberto: Nem quis saber.

Ane: Melhor. Você vai fazer o que agora?

Adalberto: Nada. Tô atrás de um programa de índio. Detesto ficar em casa sem fazer nada. Alguma sugestão?

Ane: Me faz companhia pra esperar o carinha da Net?

Putz, esperar o carinha da Net faz parte da minha listinha de exceções. É o tipo de programa de índio que ninguém merece.

Ane: Você vem?

Adalberto: Vou.

Quando cheguei lá, tinha um saco de Serenata do Amor me esperando. Que covardia!

Ane: Pra você.

Adalberto: Ah, não. Eu não vou jogar minha meia-hora de esteira no lixo.

Ane: É pra te agradecer. Pela sua companhia.

Adalberto: Então, me dá um inibidor de apetite. Depois do Natal, é tudo o que eu mais preciso.

Ane: Cala a boca. Será que o carinha da Net vai demorar muito?

Adalberto: Todas as vezes que eu precisei de algum técnico da Net fui atendido no fim do dia. A única vez que eles chegaram cedo foi quando eu precisei sair.

Ane: Jura?

Adalberto: Juro. Mas, normalmente, eles deixam a gente esperando o dia inteiro.

Ane: Pelo menos, eu tenho companhia.

Adalberto: É.

Que saco. Passei o dia inteiro na casa da Ane. Almoçamos, dormimos, acordamos e nada do carinha da Net. Depois de muita resistência, ataquei o saco de Serenata do Amor, que eu tanto reneguei.

Enquanto me deliciava com o último bombom, uma gritaria no prédio.

Ane: Que barulho é esse?

Adalberto: Sei lá, os vizinhos são seus.

Alguém gritava que ia se jogar. Era uma voz de mulher.

Ane: Quem é a louca que vai se matar a dois dias do Ano Novo?

Adalberto: Sei lá, mas eu acho que eu quero ver esse suicídio. Vamos lá fora?

Ane: Seu maluco.

Adalberto: Não aguento mais ficar trancado nesse apartamento sem fazer nada, esperando o carinha da Net. Preciso de fortes emoções.

Ane: Vamos oferecer ajuda, então. Se eu presenciar essa morte, vou ficar a vida inteira sem dormir.

Adalberto: Deixa de bobeira. Vamos logo.

Quando chegamos ao apartamento da suicida, a nossa surpresa: era a recepcionista do prédio do tio Vavá. A que a gente achou que tinha morrido.

Recepcionista: Gente, eu quero me matar. O meu namorado chegou aqui com uma marca de batom na camisa.

Ane: Ué, você mora aqui?

Adalberto: Garota, não lembra da gente, não? Lá do prédio do tio Vavá. Você desapareceu de lá...

Recepcionista: Oi. Claro que lembro. Eu fui expulsa da casa dos meus pais no mês passado. aí, tentei me matar cortando os pulsos, mas acabei sobrevivendo. Voltei a trabalhar só ontem.

Adalberto: O tio Vavá já tinha dado você como morta.

Ane: Eu também. Aliás, fiquei três dias sem dormir por sua causa. Para com essa palhaçada de querer se matar por qualquer besteira e desce dessa janela. Vem cá, anda!

Levamos a recepcionista pro apartamento da Ane. Ela contou a história da vida dela toda, enquanto saboreava uma garrafa inteira de Absolut de pera.

Ane: Impressionante, né?

Recepcionista: É. Absolut de pera é realmente incrível.

Ane: Eu estou falando da sua vida.

Recepcionista: Ah, é? Você acha a minha vida impressionante?

Ane: Acho.

Adalberto: Eu também acho. Dá um livro.

Recepcionista: Sério?

Adalberto: Arrã.

Recepcionista: Que bom ouvir isso. Tô até me sentindo melhor.

Adalberto: Bom mesmo.

Recepcionista: Agora, deixa eu te fazer uma pergunta?

Adalberto: Qual seria um bom final pra esse livro?

Adalberto: Qualquer coisa, contanto que a mocinha não se mate no final.

Ane: Um final bom para esse livro é a mocinha enfiando a porrada no cara de pau do namorado, que apareceu com a mancha de batom.

Recepcionista: Sério?

Ane: Sério. Liga agora pra ele, pede desculpas, diz que você está arrependida e que quer vê-lo. Vamos armar uma cilada pra esse cachorro.

Nisso, a nossa campainha toca. Era o carinha da Net.

Ane: Ai, finalmente, Adal. É o carinha da Net que está subindo.

Adalberto: Ufa! Já tinha até mês esquecido disso.

Quando ele entrou no apartamento da Ane, deve ter se arrependido por não ter demorado mais para chegar.

Recepcionista: Seu cretino!

A recepcionista foi com tudo para cima do carinha da Net. Primeiro, eu achei que ela estava descontando a raiva que tem pela empresa que ele trabalha. É o que todos querem fazer. Mas, depois que ela disse que não queria mais saber de um cara, que não sentia vontade de transar todo dia, percebi que a relação entre eles era menos burocrática.

Consegui segurá-la a tempo de evitar que ela enfiasse um canivete no rosto do pobre coitado, mas não a tempo de impedir que ela quebrasse o aparelho da Net novinho, que o carinha ia trocar pelo que não estava funcionando da Ane. Não acreditei naquilo. Senti uma vontade imensa de tomar o canivete da mão dela e rasgá-la dos pés à cabeça.

Perdi a minha tarde inteira ali, devo ter engordado uns dez quilos, depois de ter comido sozinho um saco inteiro de Serenata de Amor para nada...

Ane: Eu vou matar você, sua vagabunda. Você não presta. Por isso que ele te trai!

A Ane terminou de quebrar o aparelho da Net na cabeça da recepcionista. Fomos parar na delegacia. Para variar. Depois de duas horas lá e muita baixaria, fomos liberados. A Ane disse que não se importava em voltar de táxi para casa. Ainda bem. Eu ia me importar muito se tivesse que levá-la. Fui direto para a minha casa tomar um banho bem gelado e esquecer aquela baixaria toda.

Hoje, quando acordei, liguei para saber como ela estava.

Ane: Estou ótima. O carinha da Net deu um jeito na minha carência.

Adalberto: Como assim? Cadê ele agora?

Ane: Foi ao trabalho buscar o aparelho para trocar e já está voltando. Ele vai atrasar os outros reparos que tem para fazer hoje, só para passar o dia comigo. Lindo, né? Acho que estou apaixonada, Adal.

Agora eu já sei o que eles fazem, enquanto a gente espera...

2 comentários:

  1. Muito boa!
    Passarei por aqui mais vezes!

    Um abraço,
    Orlando (ou se preferir, seu primo Junior, da Sônia)

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