terça-feira, 28 de julho de 2015

Velho manco e banguela, sem querer, acaba com a festa junina da escola dos filhos da Sara

No domingo, fui com a Sara levar os trigêmeos na festa junina da escola e fiquei impressionado como as crianças de hoje em dia estão com a índole pior do que as da minha época. Uns meninos de seis, sete anos de idade, que mais pareciam a encarnação do exu capa preta, ficaram contando histórias de morte trágica pros meus afilhados, que só têm quatro anos. Fiquei possesso. E pior: com medo.

Adalberto: Sara, quero ir embora daqui agora.

Sara: Por que, Adal? Ainda vai ter a dança.

Adalberto: Posso dormir na tua casa?

Sara: O quarto de hóspedes tá em obras. Você não viu, doido?

Adalberto: Não tem problema. Eu durmo no meio dos escombros. Não! O velho manco e banguela surge dos entulhos.

Sara: Oi? De que você tá falando?

Adalberto: Sara, você não pode deixar a Lina, a Liana e o Gero andarem com crianças mais velhas do que eles. Elas não prestam.

Sara: Tá maluco?

Adalberto: Elas estavam contando histórias de terror e morte pros trigêmeos.

Sara: Ih, relaxa, primo. Eles não acreditam em nada disso. Eu falo pra eles que é tudo mentira. Você sabe como eles são, só acreditam no que eu falo. Não tem essa de monstro, fantasma, boi da cara preta, espírito que vaga...

Adalberto: Jura?

Sara: Tô te falando, eles não acreditam em nada dessas besteiras.

Adalberto: O espírito que vaga não existe mesmo? Nem o velho manco e banguela?

Sara: Adal, pelamordedeus, você acreditou?

Acreditei. Mas fiquei sem graça e mudei de assunto.

Adalberto: Lembrei que, amanhã, eu tenho que encontrar com a Ane. Acho que vou daqui direto pra casa dela. Assim, não perco o horário.

Sara: É. Você não tem a chave de lá? Ih, olha ali a Lu. Quem é aquele cara com ela?

Adalberto: Não sei. Vamos lá falar com ela?

O peguete novo da Lu tinha levado o filho para a festa. Ela parecia babá do menino, pra cima e pra baixo atrás de um capeta em forma de criança. Tive que dar uma sacaneada.

Adalberto: Já pode casar, hein...

Lu: Ih, vocês estão fazendo o que aqui?

Sara: Os meus filhos estudam aqui, ué.

Lu: Ih, pior que é mesmo! Sarita, eu tô em dívida com você. Pode me chamar de madrinha desnaturada, mas esse menino tem tirado o meu sossego.

Sara: Só te observo.

Adalberto: Cadê o pai dele?

Lu: Foi comprar caldo verde pro meu sogro. É a única coisa que aquele banguela toma. O cara não tem dente nenhum e ainda é manco. Dá mais trabalho que a criança. Vamos lá comigo pra eu te apresentar meu namoradinho, Adal? Vamos, Sarita?

O velho manco e banguela! Quase me mijei quando a Lu falou dele.

Sara: Vamos, sim.

Adalberto: Tá maluca? A quadrilha vai começar daqui a pouco. A gente tem que pegar os trigêmeos.

Sara: Ih, é verdade.

Enquanto procurávamos as crianças, a neurose da Sara, que estava demorando a se manifestar, me deu uma ótima ideia.

Sara: Primo, olha ali o Oswaldo conversando com aquela mulher. Tem cara de piranha, não tem?

Adalberto: Realmente. Eu vi mais ela mais cedo pegando o peguete da Lu atrás de uma pilastra.

Sara: Ué, mas a Lu não chegou agora?

Adalberto: Não. Agora que a gente viu a Lu na festa. Mas ela já devia ter chegado há tempos, porque eu vi o carinho que estava com ela se atracando com essa piranha. Mas não comenta nada com ela, não.

Eu sabia que a Sara ia contar. Elas não se traem. Eu sei que foi meio maldade da minha parte, mas eu não podia permitir uma prima minha namorando o filho do velho manco e banguela.

Depois da quadrilha, não deu outra. A Sara foi direto bater pra Lu que a piranha tinha dado uns beijos no peguete dela. Foi lindo. E como baixaria é com a Lu, ela foi eficiente no trabalho de quebrar a festa inteira, arrebentar a cara da piranha e dar uma boa de uma joelhada no saco do peguete que, depois dessa, virou ex.

Adalberto: Vamos embora daqui agora, Lu! Chega de confusão!

Sara: Vamos, prima. Você precisa tomar uma água com açúcar. Vamos lá pra casa, dorme lá.

Adalberto: Ué, tem vaga pra Lu, mas não tem pra mim na tua casa?

Sara: Adal, é um caso de emergência. Vou botar um dos trigêmeo pra dormir no meu quarto comigo e o Oswaldo, e a Lu numa das camas do quarto deles.

Adalberto: Eu durmo na sala.

Sara: A sala não tem espaço. Tá com as tralhas todas do quartinho que tá em obras.

Que saco!

Adalberto: Vou pra casa da Ane mesmo.

Sara: Melhor, primo.

Fui com o cão no corpo de raiva pra casa da Ane. E as histórias macabras daquelas crianças voltaram a rondar na minha cabeça, durante o percurso escuro e frio entre Niterói e Humaitá.

Cheguei na casa da Ane e, pro meu terror, quando acendi a luz, havia uma cabeça de boi em cima da mesa da sala. E era do boi da cara preta. Berrei me medo!

Ane: Que isso aqui?!

Adalberto: Calma, Ane, sou eu!

Josicleidson: Você conhece esse doido:

Ane: É meu primo.

Adalberto: Ane, o boi da cara preta tá em cima da tua mesa!

Ane: Ai, Adal, que susto! Isso aqui não é o boi da cara preta! Aliás, é um boi da cara preta, sim.

Adalberto: Não encosta nisso! Você vai morrer.

Ane: Mas é tipo um adereço, que faz parte da apresentação de dança do Josicleidson. Pega só pra você ver.

A Ane vindo na minha direção com aquele boi da cara preta parecia um pesadelo, a visão do inferno. Desci doze andares até o térreo de escada e saí do prédio igual a um louco ensandecido. Ainda bem que o porteiro me conhece, senão ia pensar que eu era ladrão.

Fui pro Leblon, pra casa da Marjorie. Lá eu não corria perigo. Tudo bem que a Marjorie estava com uma juba de leão que, num primeiro momento, me deu até um certo medo. Mas fiquei tranquilo quando vi que era ela mesma.

Obviamente que tomei um megaesporro por ter chegado esbaforido àquela hora. Mas de esporro eu não tenho medo. Só de velho manco e banguela, boi da cara preta e de uma meia-dúzia de outros personagens macabros mesmo.

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