terça-feira, 3 de setembro de 2013

O dia em que as primas ficaram caidinhas pelo Eriberto Leão

Ontem, enquanto eu recebia a visita de um amigo ilustre, as primas resolveram me atazanar. Para variar, né?

A Lu foi a primeira desaforada a me ligar.

Adalberto: Fala, Luluzinha.

Lu: Adal, estou indo aí para a tua casa agora.

Adalberto: Lu, eu estou meio ocupado.

Lu: Como assim? Ocupado para mim? Eu sou sua prima e melhor amiga, esqueceu?

Adalberto: Não fala isso. Eu amo as minhas quatro primas igualmente.

Lu: Mentiroso! Você gosta mais da Marjorie, que eu sei. Não mete essa, não. A mim, você não engana.

Adalberto: Ah, não começa.

Lu: Você que começou. Olha só, eu estou indo para aí, sim. Quer você queira ou não.

Adalberto: Aconteceu alguma coisa?

Lu: Garoto, eu não vou dormir na minha casa hoje, não. Eu vi um fantasma no meu quarto.

Adalberto: Está maluca, Lu? Você não tem medo dessas coisas. Eu tenho!

Lu: Mas eu entrei para o seu clubinho hoje. Lembra da Jocilaine?

Adalberto: Aquela chata que fala errado?

Lu: Ela mesma. Foi lá em casa ontem aos prantos, porque o namorado terminou com ela.

Adalberto: Ai, que coisa mais chata. E você com isso?

Lu: Ah, meu bem. Ele inventou de fazer a brincadeira do copo, que, para mim, não tem nada de brincadeira. Foi perguntar para os espíritos se ela ia voltar para o imbecil. Aí, eles disseram que não...

Adalberto: Eles quem?

Lu: Os espíritos, idiota!

Adalberto: Ah, verdade.

Lu: Aí, sabe o que ela fez? Quebrou o copo na parede do meu quarto. Eu só faltei arrebentar a cara dela. Sabia que aquilo não ia dar em boa coisa. E não deu outra. Quando cheguei em casa, vi um vulto no meu quarto.

Adalberto: Lu, isso é coisa da tua cabeça. Se fosse para aparecer, eles teriam aparecido ontem. Você dormiu bem de ontem para hoje?

Lu: Dormi. Mas dormi na casa de Belisário. Aquele coroa que eu pego quarta, sim; quarta, não.

Adalberto: Está bom, biscate. Vem logo para cá, que eu vou puxar teu pé de noite.

E bateu lindamente o telefone na minha cara para, em seguida, a Ane me incomodar.

Adalberto: Fala, Anita. Me conta uma boa. Mas rápido porque eu estou com visita.

Ane: A Dona Sulamita.

Adalberto: Aquela velha mocoronga, que adorava reclamar do som alto, quando a gente fazia festa no seu apartamento?

Ane: Não fala assim, garoto.

Adalberto: Por quê?

Ane: Sei lá, vai que ela volte.

Adalberto: Para me assombrar? Mais ela tem que vir com duas almas penadas para me fazer cagar nas calças, meu bem. Não tenho medo dela, não. Está pensando o quê? Que, agora, só porque morreu, vai me botar medinho?

Ane: Garoto, me escuta!

Adalberto: Fala.

Ane: Eu vou dormir na sua casa hoje.

Adalberto: Ah, no acredito.

Ane: Pelo menos hoje. Amanhã, o padre Roselbo vai vir cedo benzer o prédio inteiro. Aí, eu vou ficar mais tranquila. Ele vai fazer tudo na moita. Não quero que a família pense besteira, que é para espantar a Dona Sulamina. Tenho que desligar, vou passar por uma blitz. Beijo.

E na chamada em espera estava a Sara.

Adalberto: E aí, periguete.

Sara: Não fala assim comigo. Se o Oswaldo escuta isso, ele te mata.

Adalberto: A mim, não. Ele tem que matar você, por dar confiança para eu te chamar assim.

Sara: Então, para.

Adalberto: Vou pensar. Mas fala.

Sara: Adalzinho, eu estou indo aí para o seu apartamento.

Adalberto: Como assim? Não vai dizer que também está com medo de espíritos, almas penadas e assombrações.

Sara: Como é que você sabe? Foi o Oswaldo que te falou?

Adalberto: Não.

Sara: Fala a verdade.

Adalberto: Não, ué. Só estou achando uma coincidência macabra todo mundo ter tirado o dia para ter medo da mesma coisa.

Sara: Mas é sério. Olha só, a gente inventou de pegar um gatinho na rua. Só que ele fala.

Adalberto: Fala?

Sara: Fala!

Adalberto: O quê, por exemplo?

Sara: Não dá para entender. Mas dá para dar medo. Olha, a gente já levou esse bicho para longe, para outro município, para um lugar deserto, mas ele volta. E o pior: fica encarando a gente. Até o Oswaldo que adora pagar de corajoso está se borrando de medo. Ele vai dormir com os trigêmeos na casa da mãe dele. Só que não tem vaga lá para mim.

Adalberto: Mas até quando?

Sara: Até amanhã. O nosso porteiro está indo de férias para a casa dos pais, em Fortaleza e vai levar o gato maldito bem cedinho amanhã. Não é possível que esse bicho vai voltar de Fortaleza.

Adalberto: É, também acho que não. Beleza, então, amore. Te espero.

Sara: Beijo.

E, para fechar com chave de ouro, a Marjorie e os seus medos.

Adalberto: Fala, Jojô da minha vida.

Marjorie: Primo, vou dormir na sua casa hoje.

Adalberto: Ah, conta uma novidade.

Marjorie: Como assim?

Adalberto: Nada, quando chegar aqui, você vai ver. Mas o que é que aconteceu?

Marjorie: Eu trouxe uma bolsa lá da fábrica para casa, para fazer uns ajustes, e você não sabe da maior.

Adalberto: O quê?

Marjorie: Tem uma vela preta, uma cruz e uma pena de galinha preta amarrados dentro dela.

Adalberto: Jura? Quem fez isso?

Marjorie: Não sei. Pelo que eu saiba, todo mundo me adora lá na fábrica. Acho que ninguém faria uma coisa dessas. Isso é que é o pior. Como é esse negócio foi parar logo na bolsa, que eu trouxe para casa?

Adalberto: Marjorie, alguém colocou. Macumba não brota, assim, do nada. Macumba é feita. E feita para alguém. No caso, você. Toma cuidado.

Marjorie: Cara, amanhã, eu vou mandar um pessoal de uma clínica, que tem lá perto, para fazer shiatsu nos meus funcionários. Também vou comprar brinquedo para os filhos de todo mundo e dar um cesta básica para cada um. Uma, não, duas. Não, três. E vou aumentar em trinta por centro o salário de todo mundo. Será que isso vai deixar eles mais satisfeitos?

Adalberto: Garota, você já paga bem aos seus funcionários. Tanto que todo mundo deixa currículo na tua fábrica. Você não precisa disso. Ok que você seja rica e possa fazer essas graças. Mas isso não tem nada a ver com insatisfação no trabalho. É coisa de gente invejosa. E que vai ficar ainda mais com inveja de ver que você está podendo dar aumento, cesta básica, etcetera e tal.

Marjorie: Jura?

Adalberto: Claro. Faz o seguinte: pega esses trinta por cento, que você ia dar para todo mundo de aumento, e transfere para a minha conta todo mês. Eu estou mais precisado do que eles.

Marjorie: Adal, não brinca com coisa séria.

Adalberto: Desculpa, Jojô. Mas eu não estava brincando. A situação está braba mesmo para o meu lado.

Marjorie: Está bom, primo. Quando eu chegar aí, a gente conversa. Beijo.

Finalmente, eu pude dar atenção ao meu amigo. Já furei muito com ele, por causa das minhas primas.

Ele está em cartaz com uma peça sobre a vida do Jim Morrison, e eu inventei uma doença atrás da outra para justificar a minha ausência nos fins de semana, no teatro em que ele está se apresentando.

Mas o cara é tão meu amigo e fez tanta questão que eu visse o espetáculo dele, que foi até a minha casa dar uma canja de algumas músicas, que ele canta no palco. E foi caracterizado de Jim Morrison. Ele ficou igual ao Jim. Se eu não tivesse visto ele antes de se caracterizar, ia achar que era o Jim ressuscitado. Impressionante.

O chato é que tive que ficar debaixo de um cobertor, me fazendo de doente, porque, no fim de semana passado, eu já tinha inventado uma virose para ficar com as minhas primas e faltar pela milésima vez à apresentação dele no teatro.

Eriberto: Cara, agora eu vou tocar  uma dos nossos tempos de festinha americana lá em casa. Você era um moleque, nem deve lembrar.

Adalberto: Claro que vou. Lembro de tudo daquela época. Lembro até gente não se falava direito, porque você namorava a minha irmã, e eu morria de ciúme disso.

Eriberto: Verdade. Ó, vou começar. Um, dois, três: "You know that it would be untrue You know that I would be a liar // If I was to say to you // Girl, we couldn´t get much higher".

E quando ele começou a cantar "Light my fire", eu não em aguentei. Me acabei, lembrei dos velhos tempos. De quando eu brincava de pique-pega na casa dele, e eu era café com leite. Cara, que saudade. Eu nunca perdia na brincadeira e ainda ficava com raiva. Quem dera que a vida fosse assim. Nunca perder... nada.

Adalberto e Eriberto: "Come on baby, light my fire // Come on baby, light my fire // Try to set the night on fire //".

Mas a bosta da campainha resolveu tocar no momento da nosso maior empolgação. Era o refrão da nossa vida que estava em questão. Droga!

Adalberto: Betão, faz um favor para mim, que eu estou doente, vê quem está tocando, por favor.

E quando ele abriu a porta, era elas. As quatro. Berrando. Assustadas.

Ane, Marjorie e Sara: Jim Morrison!

Sara: Ressuscitou!

E caíram desmaiadas.

Lu: Que Jim Morrison, o caramba! Esse é o gato do Eriberto Leão. Vem, Eri, deixa elas aí.

Eriberto: Mas não tem que chamar uma ambulância, elas precisam ser atendidas.

Lu: Não. Isso é palhaçada delas. Deixa que o Adal resolve isso. Adal, espera elas acordarem e dá uma voltinha com elas lá embaixo. Pode demorar, está bem? Beijo.

Adalberto: Eriberto!

Eriberto: Eu, é...

Lu saiu puxando o pobre coitado pelos braços para dentro do meu quarto. Foi acender o fogo dele.

E eu, fiquei apagando incêndio. Como sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário