sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Quando as fantasias são sempre complementares


Depois de um mês procurando lugar para passar o carnaval, eu e as primas decidimos ficar pelo Rio mesmo. Os hotéis baratos já estavam todos lotados e os caros... Eram muito caros. A abertura dos trabalhos começou no sábado passado, no Cordão do Bola Preta. Estava abarrotado.

Sara: Primo, eu não estou conseguindo respirar.

Adalberto: Eu também não.

Sara: Mas você está dançando aí feliz.

Adalberto: Ué, e o que você quer que eu faça? Que eu fique sem respirar e não me divirta? É carnaval.

Sara: Você é doido.

As quatro estavam fantasiadas de empregada doméstica. Eu fui de mordomo. As nossas fantasias são sempre complementares.

Ane: Adal, eu quero fazer xixi.

Adalberto: Faz nas calças. É carnaval.

Ane: Está maluco? Tem um banheiro químico ali do outro lado da rua. Vamos lá comigo? 

Adalberto: Ane, a gente vai demorar uma hora para chegar até lá.

Ane: Não tem problema, vamos.

Combinamos com a Marjorie, a Lu e a Sara de ficar nos esperando numa esquina. Elas ficaram abraçadas a um ferro, que sustenta placa com nome de rua. Foi a maneira encontrada para não ser levadas pela multidão.

Levamos uma hora e meia até chegar ao banheiro químico. A Ane demorou um minuto fazendo xixi. E, nos segundos seguintes, ela acabou com a minha diversão. Quebrou uma garrafa de cerveja na cabeça de um cara. E o detalhe é que nós estávamos do lado de um carro de Polícia.

Adalberto: Ane!

E isso foi tudo o que eu consegui dizer, antes de acompanhar a minha prima à delegacia.

O depoimento dela foi engraçado.

Ane: A gente estava saindo há duas semanas. Mas ele vinha de um relacionamento de sete anos. Estava muito confuso, disse para mim que precisava um tempo para pensar, refletir sobre a vida. Ninguém reflete sobre a vida no Bola Preta. Ele mereceu aquela garrafada na cabeça. E ela morreu numa grana por isso.

Quando saímos da delegacia, encontramos com o Peter Pan, que tinha tentado agarrar a Marjorie.

Peter Pan: A amiga de vocês desmaiou. Eu levei ela desacordada para o hospital.

Adalberto: Era uma das empregas domésticas?

Peter Pan: Era, pô. A que eu tentei pegar.

E de uma forma ou de outra, ele acabou conseguindo.

Ane: Ela está bem?

Peter Pan: Não sei, acho que está, sei lá.

Fomos para o hospital. A Marjorie estava no soro. Estava com desidratação.

Adalberto: Cadê as outras meninas.

Marjorie: A Lu foi pegar bebida com um cara mais velho, que ela estava ficando e nunca mais voltou. E a Sara sumiu.

Fiquei nervoso só de pensar em ligar para o Oswaldo e contar que a Sara sumiu. É prima menos safa que eu tenho. Eu tinha certeza que ela estava chorando em algum lugar. Perdida.

A Sara foi a única que deixou o celular em casa. Eu não tive outra alternativa. Liguei para a casa dela para falar com o Oswaldo. Já estava imaginando o esporro que eu ia levar. O Oswaldo só deixa a Sara sair comigo e com as primas, porque confia cegamente na gente. Liguei sem saber o que dizer.

Sara: Alô.

Em um segundo toda a minha tensão passou.

Adalberto: Prima, é você?

Sara: Ai, Adal, desculpa. Eu saí sem avisar vocês. Não estava aguentando aquilo lá. Eu sabia que se eu falasse que ia embora, vocês não iam deixar.

Eu queria pular de alegria por saber que ela estava bem. Mas não dei o braço a torcer.

Adalberto: Nunca mais faça isso! Quando for assim, a gente vai embora com você. Não esquece do nosso lema “GG – Geral Junto”.

Sara: Está bem. Eu não faço mais isso.

Menos um problema. Liguei para a Lu.

Lu: Oi, primo.

Adalberto: Cadê você?

Lu: Só um instantinho, Adal. A ligação está falhando. Aqui o sinal está péssimo.

Não estava nada. A ligação estava perfeita. A Lu estava armando.

Lu: Primo, que bom que você me ligou. Eu estava louca, querendo falar com você, mas não podia te ligar sem motivo.

Adalberto: Ué, se você não tem motivo, realmente, para que ia me ligar?

Lu: Mas eu tenho motivo. Mas é um motivo secreto.

Adalberto: Lu, o que é que está acontecendo? Cadê você?

Lu: Garoto, eu estou aqui em Cabo Frio. Vim com um coroa para cá. O cara tem bala, é endinheirado, vim no jatinho dele. Muito chique a gente entrando no Santos Dumont para pegar um avião particular.

Adalberto: Você está muito bem parada, então.

Lu: O pior é que não. O quarto do cara é todo decorado com arma. Tem de todos os tipos e tamanhos. Eu estou morrendo de medo. Não vou conseguir dormir com ele lá. Primo, vem para cá agora. Me tira daqui.

Adalberto: Lu, inventa alguma coisa, vai para a rodoviária e volta para o Rio.

Lu: Já tentei. Ele não deixa eu sair, não sai detrás de mim. Olha, já está vindo aqui me ver. Te passo o endereço por mensagem. Beijo.

Fui com a Ane e a Marjorie para Cabo Frio. Levei duas horas para chegar lá. E uma hora procurando o endereço do coroa do Lu.

A frente da casa era linda. O muro era alto, mostrava pouco. Mas o pouco que dava para ver era muito para os meus olhos.

Conhecemos o Astronelson. Não tinha cara de matador. Mas isso não diminuiu o medo da Ane e da Marjorie.

Marjorie: Adal, a gente não vai demorar, né?

Ane: Eu não gostei nadinha daqui.

Eu tinha adorado. E o motivo tinha nome e sobrenome: TOBOÁGUA GIGANTE! A casa do Astronelson tinha um toboágua gigante! Virei um pinto no lixo. E o lixo, nesse caso, era uma piscina olímpica. Desci de barriga para cima, de barriga para baixo, sentado de frente, sentado de costas, de cabeça para baixo... Eu não queria outra vida. Adoro toboágua!

Ane: Adal, sai desse toboágua um pouco.

Marjorie: É, garoto, vamos embora. Esqueceu que a Lu está correndo risco aqui?

E o pior é que eu tinha me esquecido mesmo. Mas também não queria ir embora. Queria ficar ali para sempre.

Estava tudo perfeito para mim. O Astronelson não devia ser um mau sujeito. Um cara que tem um toboágua gigante em casa não pode ser um mau sujeito!

Contrariando as minhas primas, decidi que ia ficar. E a cada novo pulo, uma nova dificuldade. Até que lembrei da Daiane dos Santos e resolvi dar um duplo twist carpado, cair deitado no toboágua e correr para o abraço. E foi isso que aconteceu. Eu dei um salto que eu juro que era um duplo twist carpado, bati com a cabeça e caí deitado no toboágua e corri para os braços das minhas primas todo ensanguentado.

Como eu não posso ver sangue, desmaiei, claro. Quando acordei, estava com a cabeça enfaixada e com todas as primas em volta de mim.

Adalberto: Onde é que eu estou?

Marjorie: Num hospital, em Cabo Frio.

Ane: Você bateu com a cabeça no toboágua, na casa do Astronelson.

Adalberto: Eu lembro. Só perguntei porque vi a Sara aqui. O que você está fazendo aqui, Sarita?

Sara: Vim te ver, ué.

Adalberto: O Oswaldo te trouxe?

Sara: Não. Vim de ônibus mesmo.

Adalberto: Amore, não precisava.

Lu: Não precisava mesmo, não. Ele não tem consideração com a gente... Eu morrendo de medo de ficar naquela casa e esse garoto brincando de toboágua. Francamente, né, seu Adalberto!

Ane: Só levando umas porradas mesmo.

Marjorie: Merece.

Adalberto: O importante é que ficou tudo bem. Conseguimos tirar a Lu daquela casa com um motivo nobre.

Marjorie: Isso é verdade. Se não fosse esse garoto bater com a cabeça, a gente não ia ter desculpa para sair de lá.

Ane: Isso é verdade. Ele queria porque queria que a gente ficasse até amanhã para o churrasco que ele ia fazer.

Lu: A família dele ia toda para lá.

Sara: Há males que vêm para o bem, né, primo?

Adalberto: Concordo. Mas, agora, me tira daqui. Eu já estou bom.

E voltamos para o Rio. Mas, antes, passamos numa loja de uniformes. Fomos para um bloco em Ipanema. Eu era o doente e elas, as enfermeiras. As melhores que eu poderia ter.

As nossas fantasias são sempre complementares.

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