quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Um show de casamento


No sábado passado, eu acordei cheio de dores no corpo, febre e dor de garganta. Era a minha gripe pós-carnaval, desejando feliz Ano Novo.

Eu não pretendia fazer nada o dia inteiro, além de ficar tomando paracetamol de oito em oito horas. Até que eu resolvi atender uma ligação da Ane.

Ane: Primo, você precisa me salvar.

Adalberto: Ane, eu estou doente. O médico me deu atestado para três dias.

Ane: Primo, eu vim com a Aninha trocar o vestido de casamento dela aqui no Centro e, agora, tem um bloco de carnaval passando aqui na rua. Não te como a gente passar.

Adalberto: É que hoje, na verdade, é como se fosse o segundo sábado de carnaval, né?

Ane: Pois é, e a gente tem que sair daqui agora.

Adalberto: Mas por quê? Para onde vocês estão indo com tanta pressa?

Ane: Para o casamento da Aninha!

Adalberto: Como assim? Ela resolveu trocar o vestido no dia do casamento?

Ane: Foi. A gente tinha chegado na igreja antes do noivo. Aí, fomos nos esconder num bar, justamente, onde ele estava. Ele acabou vendo o vestido.

Adalberto: E qual o problema disso?

Ane: Dá azar. Fora que perde a graça da surpresa.

Surpresa? Até hoje eu não vi um único noivo que, de cima do altar, ficasse boquiaberto com o vestido escolhido pela mulher. Imagina só...

Noivo: Caraca, amor, você escolheu o vestido que eu usaria se eu fosse você.

Isso não existe!

Adalberto: Ane, o que você quer que eu faça?

Ane: A gente não pode chegar atrasada no casamento.

Adalberto: Não?

Ane: Não. O padre Léo é superchato. Ele não admite atrasos.

Adalberto: Eu já acho que ele está certo. Aliás, acho que todos os casamentos deveriam ser celebrados por esse padre.

Ane: Adal, só você pode salvar a gente.

Adalberto: Ah, eu? A Aninha não me convidou para o casamento dela e eu tenho que salvar vocês?

Ane: Adal, a lista foi muito enxuta, ela teve que cortar vários nomes. Você sabe que ela não tem muita grana. Ajuda a gente, primo.

Adalberto: E o que você quer que eu faça? Que eu vá buscar vocês aí de helicóptero? Eu não tenho helicóptero e a única pessoa que eu conheço que tenha um é o Luciano Huck. Mas ele não fala comigo.

Ane: Por quê, Adal?

Adalberto: Porque a gente não se conhece, ué.

Ane: Ah, que susto... Olha só, deixa eu falar. A gente precisa que você leve mil reais e entregue para o padre Léo na Igreja de São Judas Tadeu.

Adalberto: Vocês acertaram com ele esse valor pelo atraso?

Ane: Não. Isso vai ficar por sua conta. Mil reais está bom, né?

Adalberto: Ane, eu não posso subornar um padre. E esse dinheiro você vai me pagar quando?

E a ligação caiu. Tentei de novo. E nada. Tentei dormir e abstrair o problema da Aninha. E nada. Peso na consciência. Me arrumei e fui atrás do padre Léo. Eu não sabia o que fazer. Mas estava certo de que não iria subornar o cara. Vai contra os meus princípios.

O pessoal da cerimonial deve ter achado que a noiva tinha chegado, quando eu parei com o meu carro em frente à igreja. Uma pequena orquestra iniciou a marcha nupcial, todos os convidados ficaram de pé, o noivo e os padrinhos de cima do altar ansiosíssimos... E eu sem ter cara de sair do carro.

Mas é na hora do desespero e medo que a criatividade vem. Saí do carro sob o olhar assustado de todos e disfarcei o nervosismo, enquanto passava pelo tapete vermelho. Tomei o microfone do padre e comecei.

Adalberto: Boa noite, pessoal. Eu não vim aqui casar com o Ataulfo.

O sorriso de aprovação das pessoas foi a deixa para eu começar o meu show.

Adalberto: Quem aqui nunca atrasou para chegar no dia do seu casamento? Isso é tradição. Mas é chato, não é? Enquanto se espera a noiva, uns olham o celular, outros fumam um cigarrinho, tiram uma melequinha do nariz... E a mulherada? Mulher gosta de competir, né? Gente, isso aqui é uma igreja, não é um ringue de luta!  Já vi um monte aqui olhando de rabo de olho para o penteado de uma, para o vestido da outra... Com umas caras do tipo “a trança embutida dela ficou melhor que a minha, que ódio!”.

E por aí foi. Quando dei por mim, eu já estava há duas horas falando baboseiras naquela igreja. O padre Léo passava mal de tanto rir. Com certeza, ele ia preferir o meu show aos mil reais que a Ane sugeriu. Eu já estava me achando o Rei do Stand Up Comedy. As pessoas já tinham esquecido da existência da Aninha... Quando ela chegou.

Ninguém mais tinha clima para assistir a uma cerimônia tradicional de casamento. Nem o próprio padre. Quando a orquestra voltou a tocar a marcha nupcial, todos vaiaram.

Aninha: Gente, o que é que está acontecendo aqui?

Ane: Adal!

Adalberto: Ué, eu só estava fazendo a minha apresentação. Gente, a Aninha me contratou para isso e já esqueceu. Como é que pode? Olha, Ataulfo, se eu fosse você não casava com ela, não. Mulher de memória fraca... Sabe como é, né?

E a essa altura, qualquer coisa que eu falava, as pessoas se escangalhavam de rir.

Adalberto: Vamos lá, gente. Chega de palhaçada. Agora, a orquestra vai voltar a tocar a marcha nupcial e vocês não vão vaiar, a Aninha vai entrar, as melhores amigas dela vão disputar para ver quem consegue chorar, derramando a maior quantidade de lágrimas em mililitros e o padre vai ter um minuto para celebrar esse casamento.

Ninguém iria aguentar uma hora de blablabá. Três minutos depois, eu já estava no meu carro, levando o pessoal do cerimonial para o local da festa.

Menina do cerimonial: A gente precisa chegar antes dos convidados. Você pode ir mais rápido, por favor?

Adalberto: Claro.

Ultrapassei o sinal vermelho e bati com o carro.

 Menina do cerimonial: Não acredito!

Adalberto: Nem eu. Você vai pagar a franquia do seguro do carro.

Menina do cerimonial: Eu? Você faz a barbeiragem e eu que pago o pato?

Adalberto: Claro. Se não fosse por você, eu não teria ultrapassado o sinal vermelho.

Menina do cerimonial: Ah, então, se eu pedir para você se jogar na linha do trem, você vai fazer isso?

E, depois de uns quinze minutos em que ficamos gritando um com o outro, a Ane me ligou.

Ane: Adal, cadê você com o pessoal do cerimonial?

Adalberto: Ane, eu bati com o carro.

Ane: O quê? Garoto, está todo mundo aqui. O cerimonial precisa começar. A Aninha está uma pilha.

Adalberto: Faz o seguinte: liga a câmera do seu celular, que eu vou ligar a do meu.

Ane: Como assim, garoto?

Adalberto: Eu vou fazer uma apresentação daqui.

Ane: Eu não sei conectar o celular no telão.

Adalberto: Você, não. Mas o técnico de som, sim. Vai lá falar com ele, anda.

E em poucos minutos, eu estava apresentando o meu reality show.

Adalberto: Gente, eu estou aqui com o pessoal do cerimonial. Bati com o carro. A culpa foi minha no acidente. Mas eu só avancei o sinal vermelho, por causa desta senhora aqui. Agora, eu estou aqui nesta avenida esperando a Polícia para fazer o boletim de ocorrência. Eu estou muito nervoso, como vocês podem ver. Mas, para levantar o astral, eu vou pedir para os noivos subirem ao palco e dançarem o Gangnam Style. Com vocês, Aninha e Ataulfo! Aplausos, por favor!

Eu continuei com a transmissão do meu reality, depois da dança do casal. Isso fez passar um pouco a minha tensão pela batida do carro.

Os convidados da Aninha e do Ataulfo acompanharam ao vivo a chegada da Polícia ao local do acidente, o reboque do meu carro e uma pequena discussão, que eu tive com a menina do cerimonial. Entre um evento e outro, eu pedi para o DJ tocar um funk bem baixo nível para os padrinhos dançarem, chamei a valsa dos pais dos noivos e dirigi o momento da Aninha jogar o buquê.

A minha chegada ao salão de festas foi o momento mais aguardado. Os convidados foram ao delírio, quando me viram pelo telão e em carne e osso, na frente deles. Fui ovacionado por todos de pé. Fiquei maluco com aquilo tudo. Tinha até me esquecido que estava gripado.

Apesar de não ter sido convidado para esse casamento, acho que roubei a cena.

Espero que a Aninha e o Ataulfo tenham gostado.

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