sábado, 31 de julho de 2010

Truque da babá quase perfeita acaba em private ao som de Madonna

Eu estava me preparando pra sair num domingo, que eu não me lembro quando foi, mas a campainha tocou, só pra frustrar a minha programação:

Adalberto: Jojô?

Marjorie: Eu. Vim fazer uma surpresa pra você.

Adalberto: Amoreca, tem como deixar essa surpresa pra depois do almoço? Tô indo comer com umas amigas do Martins.

Marjorie: Quem são essas mocreias?

Adalberto: A Tatá, a Bibs, a Paty e a Lu Giesta. As Amigas do Adalberto. Acho que isso dá um bom título de livro. E dos bons.

Marjorie: Sem graça. Adal, eu marquei de almoçar com um cliente aqui perto, mas eu esqueci meu cartão de débito em casa. Me ajuda?

Adalberto: Claro. Duzentos reais tá bom?

Marjorie: Tá. Mas eu queria que você fosse comigo.

Adalberto: Por isso que você veio aqui? Interesseira.

Marjorie: Para, cachorro. Não é nada disso.

Adalberto: Então, o que é?

Marjorie: É que só você pra fazer uma boa propaganda de mim pro Gildevan.

Adalberto: Esse nome dá medo.

Marjorie: Para.

Adalberto: É pior do que Adalberto.

Marjorie: Não é nada.

Adalberto: Ah, não? Então, eu não vou. Como é que uma pessoa quer que eu faça propaganda positiva dela, se ela acha o meu nome mais feio do que Gildevan? Não pode.

Marjorie: Adalberto é infinitamente mais bonito do que Gildevan. Tá bom assim?

Adalberto: Tá.

Marjorie: E agora?

Adalberto: Você vai levar o Gildevan pra comer no mesmo lugar, que eu vou encontrar as minhas amigas. Vamos todos ficar na mesma mesa.

Marjorie: De jeito nenhum. E eu vou dar mole de botar o homem que eu estou a fim no meio do fogo cruzado.

Adalberto: Que fogo cruzado? A Bibs e a Lu Giesta são casadas. E a Tatá e a Paty não fazem parte de nenhuma facção criminosa. Não vai ter fogo cruzado nenhum.

Marjorie: Ah, não. Desmarca com elas.

Adalberto: Não. Vamos todos pro mesmo lugar, mas lá, eu vou fazer como o Robin Williams em "Uma babá quase perfeita". Vou ficar me revezando de uma mesa pra outra. Só você que vai saber disso. As meninas já estão tentando marcar esse almoço comigo há mais de um mês. Não tem como eu desmarcar.

Marjorie: Tá bom. Vamo logo.

Adalberto: Partiu.

No caminho para o restaurante, o celular da Marjorie tocou. Era uma chamada com número restrito.

Marjorie: Odeio chamada com número restrito. Deve ser alguém muito mal resolvido. Alô. Oi, Kleberson. Tudo bem? Cabala? Não sabia que eu conhecia outro seguidor da Cabala, além da Madonna. Ah, a rave... Esqueci que Cabala também é nome de rave. Não querido, obrigada. Estou indo almoçar com uns amigos. Já tô velha para essas coisas. Beijo.

Adalberto: Será que, na verdade, a Madonna é a maior rata de rave?

Marjorie: Adal, dá pra você acelerar? O Gildevan já deve estar cansado de esperar.

Adalberto: Problema é dele. Quem vai pagar a conta dele sou eu.

Era pra ser uma brincadeira, mas acho que pegou mal. A Marjorie ficou calada até a gente chegar ao restaurante.

Adalberto: Já vi as meninas do Martins daqui. Vou fazer o seguinte: vou lá sentar com elas, peço uma entrada, como, digo que vou ao banheiro e encontro vocês. Depois, volto para ficar com elas, peço a minha comida, como, digo que vou ao banheiro e encontro vocês de novo. E, por fim, já na mesa delas, peço a sobremesa, como, digo que vou ao banheiro e encontro vocês. Volto pra pagar a minha conta, me despeço delas e fico com vocês para todo o sempre. Está bom assim?

Marjorie: Tirando a parte do pra todo o sempre, tá ótimo. Depois do almoço, a gente vai prum lugar em que você não vai ser bem-vindo.

Adalberto: Ah, claro. O meu pra todo o sempre tem prazo de duração, babe.

Marjorie: Então, tá. Vai lá ficar com as mocreias. Até daqui a pouco.

Adalberto: Beijo.

No primeiro balão que eu dei nas minhas amigas do Martins, tudo correu conforme o script. A Marjorie e o Gildevan ainda estavam numa conversa meio fria. Sorrateiramente, ela foi ao banheiro e eu fiquei falando bem dela pelas costas.

Adalberto: Muito responsável, determinada, séria com o trabalho, criativa, engraçada, blablablá, blablablá, blablablá... Sabe aquela pessoa que todo mundo gosta de ter como amiga?

Gildevan: Sei, claro.

Marjorie: Licencinha.

Adalberto: Licencinha, digo eu. Preciso atender uma ligação lá do trabalho. Só um instantinho.

Mentira. Eu precisava voltar pra outra mesa.

Adalberto: Voltei.

Lu Giesta: Estava cagando, Adalba?

Adalberto: Não.

Tatá: Como assim, não? Você ficou horas no banheiro fazendo o quê?

Adalberto: Ai, gente, eu não gosto de falar dessas coisas. Perco o apetite.

Bibs: Ah, que bobagem. Eu não tenho essas coisas.

Paty: Eu também, não.

Adalberto: Sorte de vocês. Posso chamar o garçom?

Tatá: Pode. Tô morrendo de fome.

Enquanto almoçava, percebi uma música ao vivo ao fundo.

Adalberto: Ué, tem música ao vivo nesse restaurante?

Lu Giesta: Qual restaurante no Recreio que não tem música ao vivo hoje em dia?

Ainda bem que eu estava de boca cheia. Eu jamais saberia responder a essa pergunta. Engoli a comida toda em segundos e disse que ia ao banheiro novamente. Fui pra mesa da Marjorie e, quando tudo parecia correr bem, um imprevisto: o cantor da bandinha que estava tocando no restaurante me chamou ao palco:

Estranho: Vem pra cá, Adalba. Vem relembrar os tempos do colégio.

Adalberto: Gente, eu conheço esse menino. É o Estranho. Ele estudou comigo no Martins.

Marjorie: Ai, que vergonha, primo.

Vergonha, não. Pior. Que merda. As meninas também reconheceram o Estranho e ficaram, da mesa, tentando ver onde eu estava. E eu tentando fazer a ema e enterrar minha cabeça no chão.

Estranho: Vamo lá, gente. Me ajuda a chamar o Adalba. Adalba, Adalba, Adalba...

Caralho! O restaurante inteiro gritando o meu nome. Como diria um primo meu de Madureira: fudeu, playboy.

Fui.

Cantamos "Se", do Djavan, porque, na minha opinião, esse negócio de música ao vivo em restaurante é meio brega. E nada mais brega do que cantar "Se", do Djavan, enquanto um monte de gente almoça.

As meninas do colégio, levantaram e ficaram dançando de longe, meio que tirando sarro da minha cara, enquanto a Marjorie e o Gildevan sentiam vergonha de mim. Ao fim da apresentação, o show só estava começando.

Estranho: Fala, pra mim, Adalba, com quem que você veio almoçar?

Adalberto: Que pergunta difícil.

Estranho: Como assim, difícil?

Adalberto: Ah, Estranho...

Ouvi gente rindo da cara do meu ex-colega de colégio. Eles não deviam saber que o apelido dele, além de estranho, era engraçado.

Adalberto: Gente, eu não consigo chamar ele pelo nome. Pra mim, vai ser sempre Estranho.

Estranho: Fala, pra mim, com quem você veio.

Adalberto: É muito difícil responder a essa pergunta.

O constrangimento estava gritando. Nem as minhas amigas nem o Gildevan podiam saber da armação.

Estranho: Por quê? É só você falar com quem você veio almoçar, ué.

Porra, que cara inconveniente!

Adalberto: São pessoas muito especiais, que eu não quero expor. Gente, eu tô morrendo de vergonha. Deixa eu ir embora daqui.

Saí correndo pro meu carro e só parei quando cheguei em casa. Achei que essa seria a solução pro meu problema. Só que eu ainda tinha que pagar a conta da Marjorie e do Gildevan, além da minha parte na mesa com as meninas do colégio. Mas, depois de mico que eu paguei, eu não sabia nem mais quem eu era.

A cara de pau da Marjorie foi pedir dinheiro pras meninas, que ficaram putas, quando souberam que eu estava almoçando com dois grupos ao mesmo tempo.

Depois de uns três meses, sem ter a coragem de atender às incessantes ligações da Marjorie e das minhas amigas do Martins, resolvi tomar coragem:

Adalberto: Alô.

Tatá: Decidiu me atender é, seu cantor desafinado. Ó, tô aqui com a Paty, a Bibs, a Lu Giesta e o Estranho. A gente tá indo pra Cabala encontrar com a Marjorie. Bora?

Ué, que estranho. Elas, agora, andando com o Estranho. Disfarcei:

Adalberto: Ué, eu não sabia que eu conhecia outras seguidoras da Cabala, além da Madonna.

Tatá: É a rave, seu animal.

Adalberto: Eu sei. Já até imagino com quem a Marjorie vai.

Tatá: Com o Kleberson, ué.

O carinha que ligou pra ela, quando estávamos indo pro famigerado almoço no Recreio. Sabia!

Fiquei com ciúme tanto das minhas amigas quanto da minha prima. Elas me trocaram por alguém de nome Kleberson. Será que esse Kleberson era mais legal do que eul? Como é que ele conseguiu conquistar a exigente da Marjorie? E as minhas amigas? Será que, agora, elas só vão querer saber de Kleberson e Marjorie?

E o Estranho? Elas não gostavam dele na época do colégio. Será que elas só me chamaram para a Cabala para me provocar? O que mais pode ter acontecido nesses três meses que eu sumi?

Essas e outras questões ficaram me intrigando por todo o sempre. Mas como o meu todo o sempre tem prazo de duração de, no máximo quinze minutos, eu tomei uma atitude. Comprei um monte de cerveja, uns belisquetes, dei uma calibrada no som e chamei todo mundo pra uma private na minha casa.

Os vizinhos nem reclamaram da música alta. Ainda bem, porque eu eu, Estranho, Marjorie, Kleberson, Tatá, Bibs, Paty e Lu Giesta nos acabamos ao som de Madonna.

Bem melhor do que a Cabala.

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