sábado, 20 de outubro de 2012

No Dia das Crianças é para ser criança

Na última sexta-feira, foi Dia das Crianças e eu ganhei um tablet da minha mãe e do meu pai. Na minha família é assim: os filhos não deixam de ser criança quando casam, quando fazem filhos nem quando passam para a terceira idade. Portanto, não havia nada de errado com o fato de eu ter ganhado presente na data. O problema foi que as minhas primas interromperam a minha diversão. A primeira foi a Sara.

Sara: Você não vai vir aqui ver os seus afilhados, não?

Adalberto: Lindona, eu já fui aí, não tinha ninguém em casa. Deixei os presentes deles na portaria. O porteiro não entregou?

Sara: Entregou. Mas acho que você tem que vir aqui dar um beijinho nos trigêmeos.

Adalberto: Mas eu já fui. Se eles não estavam aí na hora que eu fui, o problema é deles.

Não sei o que acontece, mas no Dia das Crianças, eu geralmente fico meio infantil.

Sara: Que horror, Adal. Um homem de barba como você, falando uma coisa dessas...

Adalberto: Ai, Sara, deixa eu brincar com o meu joguinho!

Sara: Tchau, seu chato!

E voltei a ficar como um pinto no lixo, brincando com a minha mais nova aquisição. E, em poucos minutos depois, fui interrompido pela Ane.

Ane: Vamos fazer alguma coisa?

Adalberto: Não, obrigado.

Ane: Que grosseria.

Adalberto: Não é grosseria. Eu só não quero fazer nada.

Ane: Por quê? O que você está fazendo?

Adalberto: Droga! Acabei de perder um jogo aqui do meu tablet, por causa de você, sua chata!

Ane: Meu Deus! Eu só queria te chamar para fazer alguma coisa legal no feriado, mas tudo bem. Tchau, seu ignorante.

Adalberto: Ah, vai lamber sabão!

E reiniciei o meu joguinho, até que, depois de enfrentar o dragão e passar para a terceira fase, foi a vez da Marjorie.

Marjorie: Adal, eu já estou sabendo de tudo. Larga, agora, esse tablet e vamos lanchar juntos em algum lugar.

Adalberto: É ruim, hein... Não vou, não vou, não vou!

Marjorie: Para de criancice. Você já não tem mais idade para isso!

Adalberto: Me deixa. Eu não quero fazer nada. Eu só quero ficar em casa.

Marjorie: Tudo bem. Já sei o que eu vou fazer.

Adalberto: Parabéns. Tchau!

E, quando eu ia retomar o meu joguinho, a campainha toca. Era a Lu.

Lu: Oi, Adal. Esse aqui é o Cauê, meu mais novo namoradinho.

E o mais novo namoradinho da Lu de fato era bem novo. Eu não dava mais de 16 anos para aquele menino. Mas fiquei sem graça de perguntar. 

Adalberto: Entra, gente.

Lu: A gente vai ficar só um pouquinho. 

Graças a Deus!

Adalberto: Ah, não. Por quê?

Lu: Vamos à casa de uns amigos do Cauê. Como aqui é caminho, resolvi parar para te apresentar a ele.

Péssima ideia!

Adalberto: Ah, legal. 

O pior é que o garoto parecia tão maduro, que eu fiquei sem graça de estar com um tablet, brincando de joguinho na frente dele.

Cauê: Adal, eu dei um tablet igualzinho a esse de presente de Dia das Crianças para o meu irmãozinho.

Será que ele estava me provocando? Será que ele sabia que eu tinha ganhado aquele tablet também pelo Dia das Crianças? Será que a Lu estava por trás daquilo? E as outras primas? Será que era tudo uma armação para mim? 

Adalberto: Quantos anos tem o seu irmão?

Cauê: Cinco.

Queria virar uma ema e afundar a minha cabeça no chão. Eu tenho seis vezes a idade do irmãozinho do Cauê, que é mais de uma década mais novo do que eu.

Lu: Você já tinha isso, Adal?

Adalberto: O quê?

Lu: Esse joguinho.

Adalberto: Isso não é um joguinho. Muita gente adulta tem.

Me defendi.

Cauê: Parece novo a seu.

Adalberto: Não. Comprei há muito tempo.

Lu: E aquela caixa ali em cima da mesa?

Adalberto: Ah, sabe como eu sou, né? Metódico até dizer chega. Chego a ser chato. Depois que uso, guardo na caixa, direitinho, como veio da loja. Dentro do plástico-bolha e tudo.

Lu: Como assim? Mas você nem estourou o plástico-bolha. Acabou aquela compulsão por estourar plástico-bolha? Você não perdoava nem o plástico-bolha de uma bateria de celular, que deve ter só cinco bolhas para estourar. Ah, Adal, eu estou te desconhecendo.

De repente, minha mãe irrompe pela minha casa. Esse negócio da minha família inteira ter a chave do meu apartamento vai acabar.

Neide: Me dá esse tablet agora.

Adalberto: Por que, mãe?

Neide: Você não entregou os presentes dos seus afilhados em mãos, as pessoas te ligam e você não dá nem atenção, trata mal... Olha, da mesma forma que eu te dei esse tablet de Dia das Crianças, eu te tomo, hein...

Meu Deus, que vergonha! Afundar a cabeça no chão já não era mais suficiente. Eu queria me matar.

Adalberto: Mãe.

Neide: Mãe, não. Eu achei que eu tinha te dado um negócio para te ajudar no trabalho. Não para te transformar numa criança. Me dá isso aqui.

E ela tomou o tablet da minha mão e saiu batendo porta. Eu chorei copiosamente, como uma criancinha de cinco anos. Talvez, como o irmãozinho do Cauê faria, se a mãe dele agisse igual a minha.

Cauê: Não fica assim, não, Adal. Vamos fazer o seguinte: eu tenho mesmo que voltar para casa, porque, agora que me dei conta que esqueci minha carteira de motorista...

Então, ele tinha mais de 16 anos... 

Cauê: Então, a gente te leva com a gente e você fica lá jogando com o meu irmão. Ele vai adorar.

Lu: Ah, pelo amor de Deus, gente! Como assim?

Adalberto: Como assim, "como assim", Lu? Eu gostei da proposta. Eu vou, sim!

E passei a tarde inteira jogando com o irmãozinho do Cauê. À vezes, brigávamos, porque ele tentava roubar de mim, mas, apesar disso, eu gostei muito desse Dia das Crianças. Só fui embora, porque e mãe dele não deixou mais.

Combinamos outra disputa para hoje, às duas horas da tarde. Mas, engraçado, não acha mais a menor graça em usar o tablet para ficar brincando de joguinho. Acho que o meu espírito infantil só dura mesmo no Dia das Crianças.

Vou ligar para desmarcar com o irmãozinho do Cauê. Ou convidá-lo para ir comigo à exposição que acabou de entrar em cartaz no CCBB. Boa ideia! Será que a mãe dele deixa?

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