quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Busca por açaí branco acaba em gerundismo

Ontem, eu passei parte da minha tarde caminhando pela Zona Sul com a Marjorie, procurando uma loja de sucos que vende açaí branco, que, segundo ela, vai ser a sensação desse verão.

Marjorie: Eu li no jornal. Vai ser a nova moda do verão.

Adalberto: Mas será que isso é bom?

Marjorie: Parece que tem o mesmo sabor do açaí tradicional. Só que não mancha a boca.

Adalberto: Ah, Jojô, na boa, eu não me incomodo de manchar a minha boca, não. Aliás, eu prefiro manchar a minha boca, do que ter que andar mais um metro, atrás desse lugar que a gente nunca acha. Estou cansado.

Marjorie: Ah, Adal, não começa. Você reclama que eu nunca tenho tempo para fazer as coisas com você e, quando eu tenho, você também reclama.

Adalberto: Mas eu não estou reclamando do tempo que a gente tem. Mas do mau uso que a gente está fazendo dele. Bem melhor parar por aqui, tomar um açaí que mancha a boca mesmo e jogar conversa fora.

Marjorie: Está bem, seu chato. Vamos só até a loja de sucos da próxima esquina, então. Se não for lá, a gente termina a nossa saga e toma um açaí tradicional mesmo.

Adalberto: Combinado.

E faltando, mais ou menos, uns cinco passos para chegarmos ao nosso destino final, um cara inconveniente surgiu por trás da Marjorie e tapou os olhos dela.

Cara inconveniente: Adivinha quem é?

Que brincadeira mais século XX...

Marjorie: Ah, meu Deus, eu sou muito topeira para essas coisas. Deixa eu ver... Juvenal?

Cara inconveniente: Não.

Marjorie: Ernesto?

Cara inconveniente: Não.

Marjorie: Paulo Mello?

Cara inconveniente: Não.

Marjorie: Garrincha?

Cara inconveniente: Não.

Marjorie: Rafa Filippelli?

Cara inconveniente: Não.

A minha ansiedade em tomar um açaí, que manchasse ou não a minha boca, não podia mais esperar uma única tentativa de adivinhação da Marjorie.

Adalberto: Olha só, ele é louro, tem o cabelo rastafári, uma barbicha tipo aquela Brad Pitt deixa crescer de vez em quando, tem mais ou menos 1m80cm, está de calça jeans, camisa branca e tem alguma coisa na cintura que dá a impressão de ser uma arma!

Foi quando o cara inconveniente se revelou para a minha prima.

Cara inconveniente: Muito prazer, eu sou o seu assaltante. Passa a grana discretamente.

Adalberto: Como assim?

Cara inconveniente: Você também. E quietinho, senão, eu te mato.

E enquanto a Marjorie abria a carteira para tirar o dinheiro, o assaltante teve uma ideia.

Cara inconveniente: Isso está chamando muita atenção. Vamos fazer o seguinte, eu vou abraçar vocês dois, assim. Agora, a gente finge que é melhor amigo e entra aqui nessa loja de sucos.

Eu a Marjorie não conseguíamos esboçar qualquer emoção.

Cara inconveniente: Gente, ri! Vocês estão muito sérios hoje. Nem parece que a gente é uma família. Moça, por favor, três açaís. Vocês me acompanham, né?

Eu não conseguia falar. Estava completamente travado. E com medo.

Cara inconveniente: Responde, gente!

Marjorie: A gente quer, sim.

Cara inconveniente: Então, gatinha, confirmando: três açaís de quinhentos, por favor.

Marjorie: Para mim, de trezentos, por favor.

Cara inconveniente: E você, irmão? Quer o quê?

Chorar! Isso era o que eu queria. Chorar fazendo barulho, pulando e dando socos naquele balcão.

Cara inconveniente: Fala, cara.

Marjorie: Ele está com dor de garganta. Não consegue nem falar. Não pode tomar nada gelado.

Cara inconveniente: Então, por que você disse que ele também queria?

Marjorie: Eu tinha esquecido.

A essa altura, a atendente da loja de sucos já desconfiava de alguma coisa.

Cara inconveniente: Amorzinho, dois açaís, então. Um de quinhentos e o outro de trezentos, por favor.

E enquanto a menina fazia o pedido na cozinha, o assalto re começava.

Cara inconveniente: Agora, sim, passa toda grana. Anda! Os dois!

Eu, para variar, não tinha quase dinheiro na carteira. Entreguei míseros 13 reais e setenta e cinco centavos. Com a Marjorie, sim, ele se deu bem. Levou dela quatro mil e quinhentos reais.

Cara inconveniente: Agora vocês vão ficar olhando para a televisão e vão contar vinte segundos na cabeça de vocês.

Que medo! O que será que viria depois desses vinte segundos. Contei querendo que nunca acabasse. Seriam os vinte segundos mais rápidos da minha vida. Seriam. Mas a atendente nos interrompeu quando eu estava no nove.

Atendente: Senhor, senhora, o outro senhor já foi embora. É para eu estar cancelando o açaí dele?

E essa foi uma das melhores notícias que alguém pôde me dar  nos últimos tempos no gerúndio!

Adalberto: Não! Não cancela. Eu quero. Aliás, manda fazer um para você também.

Atendente: Senhor, eu não posso estar consumindo nada durante o trabalho.

Adalberto: Não? Uma pena. Então, pega lá o nosso, por favor. Jojô, eu achei que a gente ia morrer! Queria chorar de medo, gritar...

Marjorie: Adal, eu estou toda mijada.

Atendendo: Senhor, só mais uma coisinha. O nosso açaí tradicional acabou. Mas eu posso estar servindo o açaí branco para vocês com 50% de desconto.

Marjorie: Aqui tem açaí branco?

Atendente: Nós estamos oferecendo açaí branco, sim, senhora.

Adalberto: E é mais barato mesmo?

Atendente: Não, senhor. É mais caro. Mas como não temos mais o açaí que os senhores queriam estar tomando, vamos dar 50% de desconto no açaí branco ou, se preferirem, o dinheiro de volta.

Adalberto: Não. a gente vai estar tomando o açaí branco mesmo, com 50% de desconto.

Atendente: Está bem, senhor.

E quando a pobre coitada virou as costas, a Marjorie soltou o riso que estava preso.

Marjorie: Você é um bobo, sabia?

Adalberto: Eu? E você é uma louca, que se mijou toda por causa de um assalto e agora está aí se mijando de rir.

Marjorie: O mijo figurativo não molha. Ai, coisa feia mijar... Mulher faz xixi.

Adalberto: Mas não foi isso que você falou, depois do assalto.

Marjorie: Eu sei, mas é uma expressão. Toda mulher que é assaltada e faz xixi nas calças de nervoso, sempre fala "me mijei toda".

Adalberto: A gente está aqui e o assaltante a essa hora deve estar se divertindo com o nosso dinheiro. Os meus treze reais e setenta e cinco centavos! Vão fazer falta.

Marjorie: Ai, miserável. Aquele idiota me levou quatro mil e quinhentos reais. Está bom para você?

Adalberto: Sério, Jojô? E você está assim, tranquila?

Marjorie: Vou fazer o quê? Me desesperar por causa de dinheiro? Eu, não. O importante é a minha vida. Fora que esse dinheiro foi de um freela que eu fiz para uma amiga da época da faculdade, coisa boba. Eu não sabia que ela ia me pagar. Não vai me fazer falta.

Adalberto: Mas a mim vai. Olha, eu acho que você devia estar fazendo um boletim de ocorrência na delegacia.

Marjorie: Para de gerundismo, garoto!

Adalberto: Eu gostei de ficar falando no gerúndio, dá licença.

E falando em gerúndio...

Atendente: Senhores, os açaís de vocês.

Adalberto: Obrigado, querida.

Marjorie: Ué, é verde?

Atendente: Sim, senhora. Essa é a coloração do açaí branco.

Marjorie: Ele é pseudo-branco, então.

Atendente: Como assim, senhora?

Marjorie: Nada.

Atendente: Dá licença, então.

Marjorie: Toda.

Adalberto: Ela é pseudo-inteligente. Só sabe o que é gerúndio. mas nada.

Marjorie: Bobo!

E depois do açaí branco, que não tem graça nenhuma, mas não mancha a boca, fomos para um boteco perto da casa do Jojô, forrar o nosso estômago com muita cerveja.

A Ane e a Lu, que queriam apresentar seus novos peguetes, ligaram para nos encontrar, quando ainda estávamos no primeiro copo. Lá pelas tantas, já tínhamos até esquecido delas, quando fomos surpreendidos com a nova mania traumática do verão. Elas taparam os nossos olhos e pediram para adivinharmos quem eram.

Ane e Lu: Adivinha quem é?

Berramos de medo!

O ataque histérico até que foi bom. Sem querer, chamamos a atenção dos policiais que estavam próximos ao local, que prendeu o carinha louro, com cabelo rastafári, barbicha tipo aquela que o Brad Pitt deixa crescer de vez em quando e que estava saindo com a Ane.

O peguete da Lu também foi preso. Para o bem da humanidade, ele foi reconhecido por uma, senhora que estava numa mesa ao lado da nossa. Ele havia levado uma pulseira de ouro da pobre coitada, mais cedo, quando ela ia para o mercado fazer compras, com a técnica infalível de chegar por trás da vítima e tapar os seus olhos. Isso, pelo visto, é o novo hit dos assaltantes do Rio.

Por fim, conseguimos recuperar a pulseira de ouro e os quatro mil, quinhentos e treze reais e setenta e cinco centavos, que estavam intactos na mochila dos bandidos.

Depois de toda a confusão, a Ane e a Lu, arrasadas e decepcionadas com o mundo, foram para a casa da Sara buscar consolo. Eu a Marjorie retomamos a nossa rodada de cerveja. Bebemos todas, rimos muitos e brincamos de ficar falando no gerúndio.

Como é bom viver!

Nenhum comentário:

Postar um comentário