sábado, 22 de dezembro de 2012

Calendário Maia falha e ninguém vai com Deus

Como o mundo não acabou no dia 21 de dezembro, segundo previa o calendário Maia, eu me acabei com a minha família, no sábado, na quadra da Mangueira. Mas enquanto ainda não tínhamos certeza sobre o nosso dia de amanhã, tentamos viver tudo o que havia para viver no dia 20, que começou com uma ligação da Sara.

Sara: Estava dormindo?

Adalberto: Ainda estou.

Sara: Como assim? Amanhã o mundo vai acabar e você está dormindo? Deixa para dormir depois que morrer.

Até que ela não estava errada.

Adalberto: Eu vou tomar banho, então, e vou lá pular de asa delta.

Sara: Você é louco. Morre de medo de altura e vai pular mesmo de asa delta, garoto?

Adalberto: É uma maneira de eu tentar superar um dos meus limites.

Sara: No seu último dia de vida, Adal? Não era melhor fazer uma coisa que te deixasse mais feliz, sem medo.

Adalberto: Era. Mas aí ia parecer um fim de semana. Eu quero ousar no meu último dia.

Sara: Então, beleza. Eu vou com os trigêmeos e o Oswaldo agora para um parquinho aqui perto de casa. Quero que eles morram se divertindo.

É horrível o que eu vou dizer, mas eu achei isso lindo da parte dela.

Sara: Não quer mesmo vir com a gente?

Adalberto: Não, Sarita, obrigado. Detesto clima de despedida. Vou ligar para as meninas rapidinho, tomar banho e sair. Beijo.

E, antes que ela se despedisse de mim, lembrei de falar uma coisa, até então, jamais dita por mim.

Adalberto: Fica com Deus.

Sara: Obrigada, primo. Mas o mais sensato, agora, é dizer: "vai com Deus", né?

Adalberto: Verdade. Vai com Deus. Nos vemos lá.

Falei "lá" porque não sabia para onde eu iria e, ainda que eu não fosse para o mesmo lugar que a Sara, o que eu acho muito improvável, eu esperava conseguir vê-la em algum lugar.

Sara: Com certeza, primo. Nos vemos no céu.

Fiquei calado para não falar merda à beira da minha morte.

Sara: Um beijo.

Adalberto: Outro.

Liguei para a Marjorie.

Marjorie: Oi, primo.

Adalberto: E aí? Preparada?

Marjorie: Nada, garoto! acredita que eu não pensei em roupa?

Adalberto: Não. Você é estilista, esqueceu?

Marjorie: Garoto, casa de ferreiro, espeto de pau. Vou ao shopping gastar todo o meu dinheiro, comprar tudo o que eu puder, até lotar o meu carro, e depois eu vou ficar brincando de experimentar peça a peça aqui em casa. Vou fotografar tudo e colocar no Facebook. Vocês reclamam que eu não posto nada no Facebook... Preparem-se! Vou postar umas combinações esdrúxulas. Não tenho mais nada a perder mesmo, além da vida...

Adalberto: Mas vai morrer cafona?

Marjorie: Claro que não. Vou comprar alguma coisa arrasadora para morrer. Mas, até lá, vou ficar brincando de combinar coisas nada a ver.

Adalberto: Legal. Vai ser engraçado ver você cafona. Assim que você postar me avisa. Quero muito ver isso antes de morrer.

Marjorie: O Bruno que perdeu com isso, né?

Adalberto: Você não vai mais ter uma última noite com ele?

Marjorie: Com que tempo? Não vai dar. Fora que ele não merece, Adal. Nunca me deu valor.

Adalberto: Eu sei que não, mas ia ser uma história legal. Ele foi o seu primeiro e ia ser o seu último homem.

Marjorie: Pois é, ia. Mas eu vou terminar fazendo o que eu amo: inventando moda.

Adalberto: Está certa. Deixa eu ir lá. Falta falar com a Ane e a Lu. Ih, tem alguém me ligando... Ó, foi só falar nelas. É a Ane. Deixa eu atender, amore.

Marjorie: Vai lá, primo. Beijo.

Adalberto: Beijo. E olha: vai com Deus, prima.

Marjorie: Ah, até parece...

Essa ia para o mesmo lugar que eu.

Adalberto: Alô, Anita!

Ane: Meu primo que eu amo!

Adalberto: Fala, gata garota! Como estão os preparativos?

Ane: Adal, vem para cá agora brincar de Carrinho Bate-Bate!

Adalberto: Como assim?

Ane: Esqueceu que o meu pai é dono de uma agência de aluguel de carros, baby?

Adalberto: Não. Ele pode te demitir por isso, sabia?

Ane: É para rir? A gente vai morrer!

Adalberto: Eu sei. Mas ninguém merece tomar um esporro do pai um dia antes de morrer.

Ane: Não estou nem aí.

Adalberto: Você e a Lu não iam se casar para evitar de morrer solteiras?

Ane: Íamos mas ela decidiu comemorar o seu The End Day de uma outra maneira.

Adalberto: Ai, meu Deus, qual?

Ane: Não é nada que ela não costuma fazer sempre, mas deixa ela te contar. Ela pediu para eu não te falar.

Adalberto: Tudo bem.

Ane: Você vai vir aqui brincar de Carrinho Bate-Bate depois?

Adalberto: Olha, não vou te garantir. Queria pular de asa delta e, depois, ficar contemplando a natureza até a hora de morrer. Isso se eu não morrer, quando eu olhar para baixo lá do alto.

Ane: Beleza. Vou ficar em casa comendo todos os chocolates que eu não comi o ano todo, por causa de minha dieta eterna. E, se você chegar, a gente brinca de Carrinho Bate-Bate. Se não, boa sorte na tua passagem, primo. Foi muito bom te conhecer.

Senti vontade de chorar. Mas preferi desligar antes de abrir o berreiro.

Adalberto: Amore, eu tenho que ir. Fica com Deus.

Tive o ímpeto de colocar um CD da Whitney Houston e me debulhar no choro. Mas decidi evitar o drama no meu último dia de vida. Coloquei um CD do Sepultura e me acabei de dançar. Destruí o meu sofá de tanto que pulei em cima dele. Me estabaquei no chão, bati com a cabeça, achei que fosse morrer antes da hora e resolvi que era melhor ligar logo para a Lu.

Lu: Que voz é essa, Adal?

Adalberto: Acabei de bater com a cabeça no chão. Estou zonzo.

Lu: Aprontando em casa?

Adalberto: Não. Só estava pulando de um sofá para o outro, ouvindo um CD do Sepultura.

Lu: Você é doido. Eu estou aqui com o Ademárcio e o Zeferino.

Adalberto: Você de A a Z só pensa em homem, né, Luluzita?

Lu: Ai, primo. Esse é o meu vício.

Adalberto: Eles não são os irmãos que se odeiam? Fizeram as pazes?

Lu: Não. Eles fizeram uma aposta. Quem perder morre.

Adalberto: Como assim?

Lu: Não posso entrar em detalhes com você, Adal. Eles estão entrando aqui no quarto agora. Depois, eu te conto.

Adalberto: Depois quando? A gente vai morrer. Lu, uma coisa: você está incentivando mesmo um assassinato? Isso é crime!

Lu: Adal, o que é um crime no dia que o mundo vai acabar?

Adalberto: Lu, um crime é um crime.

Lu: Então, está bem. Muito obrigado pela sua explicação. Agora, deixa eu ir lá, porque a disputa vai começar. Tchau.

Adalberto: Tchau, sua maluca! Vai com Deus!

Lu: Vou, sim! Vou com quem me levar, meu amor. Beijo!

Fui pular de asa delta irado com a Lu. Como pode ser tão inconsequente até no dia de morrer? Enfim, descobri que o meu medo de altura era só uma coisa de que eu me convencia de que tinha, mas que na verdade eu nunca tive. Adorei pular de asa delta. Quero, agora, pular de parapente, paraquedas e de qualquer outra coisa que exista e eu não sei.

Fiquei tão feliz em saber que eu não tinha medo de altura, que precisava contar a novidade para alguém. Fui, então, para a casa da Ane, com o pretexto de que ia brincar de Carrinho Bate-Bate.

Ane: Adal, que bom que você veio! Eu já ia explodir de tanto chocolate que comi.

Adalberto: Eu não podia deixar de vir. E tenho uma coisa para te falar.

Ane: Conta.

Adalberto: Eu adorei pular de asa delta e descobri que não tenho medo de altura! Era tudo drama, prima!

Ane: E você fala isso rindo? Agora, é tarde.

Adalberto: Antes tarde do que nunca. Pelo menos eu provei do gostinho de ficar a 50 metros do chão e não me cagar todo.

Ane: Quem bom, primo! Mas, agora, vamos brincar.

Brincar de Carrinho Bate-Bate, realmente, é uma experiência incrível. Melhor ainda foi que o mundo não acabou à meia-noite em ponto, então, ficamos brincado até a hora do Juízo Final. Foram-se passando as horas, a Marjorie chegou, depois a Sara com a família, e, por fim, a Lu com os dois irmãos.

Adalberto: Ué, o que aconteceu?

Lu: Deu empate. Depois te conto.

Meu pai, minha mãe, minha irmã, meu cunhado e meu sobrinho também chegaram a tempo de brincar de Carrinho Bate-Bate, antes do mundo acabar. A brincadeira estava tão gostosa, que quando nos demos conta de que não havia mais nenhum carro inteiro, já era meia-noite e três do dia 22 de dezembro.

Adalberto: Gente, para tudo! Já é meia-noite e três do dia 22 de dezembro! O mundo não acabou! Urru!

Todos: Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeehhhhhhhhh!

Marjorie: Gente, gente! Não se esqueçam que estamos em horário de verão. Ou seja, ainda temos mais 57 minutos até o dia 22.

A cara de decepção de todos foi imediata. Eu, para ser sincero, ainda senti ódio da Marjorie.

Fomos para o apartamento da Ane, que fica na mesma rua da locadora de carros do pai dela. O clima era de funeral. Todos sentados na sala, esperando a morte. Por sorte, os trigêmeos e o meu sobrinho Diego estavam dormindo. Eles nunca iam acordar. Mas acordaram! À uma e um, meu pai estava batendo com colher em panela e cantando todos os clássicos do samba, que eu cresci ouvindo. A empolgação era tanta, que parecia que estávamos numa quadra de escola de samba. E isso me deu uma ótima ideia.

Adalberto: Que tal irmos para a Mangueira?

Lu: Eu topo ver a Mangueira entrar.

Marjorie: Também estou dentro.

Ane: Eu sou a Mangueira, primo! Estou ferrada com o meu pai, mas é óbvio que eu vou com vocês. Segunda-feira, eu tomo esporro pelos carros batidos.

Adalberto (pai): Não pensa nisso agora, minha filha. A gente dá um jeito. Na vida, tudo tem um jeito. Só não tem jeito para a morte.

Marjorie: Então, já que ninguém morreu e o mundo não acabou, vamos com a gente, tio?

Neide: Não, minha filha, obrigada. vai com Deus.

Adalberto: Como assim, "vai com Deus"? Ninguém vai com Deus, mãe. O mundo não acabou e vocês vão, sim, comigo para o samba. Sem desculpas!

Adalberto (pai): Vamos, sim, claro!

Neide: Vamos todo mundo, então! As crianças também.

Lu: Lógico, tia! Os meus gatinhos de A a Z também vão.

E fomos todos. E demos de cara com a parede. Não tinha ninguém na Mangueira. A programação dos ensaios não previa que o mundo não ia acabar. Para a sorte da Viviane Araújo, Gracyanne Barbosa e todas as outras rainhas de bateria, que viram celebridade nessa época do ano, haverá Carnaval em 2013.

Mas a minha felicidade e da minha família não podia esperar até fevereiro. Ela era tão grande, que ultrapassava o portão fechado, que impedia a nossa entrada. Para não perder a viagem, arrombamos a fechadura, entramos na quadra e fizemos a festa. Nunca me diverti tanto na vida...

Quando é mesmo a próxima previsão de fim do mundo?

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