sábado, 5 de janeiro de 2013

Interrogatório de Ano Novo acaba em embriaguez coletiva

No dia 31, às sete horas da manhã, a Ane me ligou.

Adalberto: Fala, coisa rica.

Ane: Coisa rica é o que eu vou ficar, meu bem. Por enquanto, ainda sou a Gata Borralheira.

Adalberto: Então, fala, minha Gata Borralheira.

Ane: Vamos passar o Réveillon em Noronha?

Adalberto: Em Fernando de Noronha?

Ane: Exatamente.

Adalberto: Não posso, amore. Não tenho grana para isso e estou em São Paulo.

Ane: Como assim, você está em São Paulo e não me avisou nada?

Adalberto: Eu pedi para a Marjorie avisar a vocês. Vou correr a São Silvestre daqui a duas horas. Por isso, que não reclamei com a sua ligação a essa hora da manhã.

Ane: Você só se preocupa em dar satisfação da sua vida para a Marjorie. Eu vou me juntar a Lu e a Sara e montar a Associação das Primas Rejeitadas, você vai ver...

Adalberto: Não fala assim. Eu amo todas vocês por igual.

Ane: Ama mesmo?

Adalberto: Amo.

Ane: Então, prova.

Adalberto: Como?

Ane: Vindo aqui para o Rio agora.

Adalberto: Não posso, baby. Comprar passagem, assim, em cima da hora é muito caro.

Ane: Adal, eu acabei de voltar de uma festa incrível. Conheci o meu Príncipe Encantado. O nome dele é Alfredicto. Só que não deu para a gente conversar direito no meio da festa, com aquele barulho altíssimo. O cara é milionário e quer me conhecer melhor hoje. Se der tudo certo, ele disse que vai me levar para Noronha e oficializar o namoro com a família.

Adalberto: Que coisa boa. Mas onde eu entro nessa?

Ane: Ele disse para eu levar o máximo de coisas que falem sobre mim. E eu pensei: nada melhor do que levar meus primos. Ninguém melhor do que  você, a Marjorie, a Lu e a Sara para depor a meu favor.

Adalberto: Como assim, depor?

Ane: A gente vai passar por uma espécie de entrevista. Coisa de gente rica. Segurança, né, primo?

Adalberto: Que loucura! E se ele não gostar?

Ane: Ele vai gostar. Aliás, ele já gostou. Ele disse que, na verdade,só quer ter certeza de que eu sou a mulher da vida dele. O cara está de quatro por mim, primo. Pode vir, que eu garanto o teu Ano Novo em Noronha.

É óbvio que eu trocaria fácil a Corrida de São Silvestre por Noronha. Não sei de onde tirei essa ideia louca de correr quinze quilômetros no dia 31 de dezembro... Só queria fazer um charminho pra não parecer que sou muito vulnerável.

Adalberto: Ah, não sei, já estou aqui.

Ane: E daí? Compra a passagem, que o Alfredicto te reembolsa. Também te garanto isso.

Adalberto: É? Não vai ser muito incômodo, não?

Ane: Claro que, não, Adal. O Alfredicto tem bala.

Adalberto: E como a gente vai para Noronha?

Ane: No jatinho particular do Alfredicto, ué.

Adalberto: Então, beleza. Acabei de pagar o bilhete aqui na internet. Chego aí em uma hora. Deixa eu correr para o aeroporto.

Ane: Caramba, que rapidez, hein... Imagina se você não quisesse vir...

Fiquei sem graça e desliguei o telefone, com a desculpa de que, se eu demorasse mais um minuto, perderia o avião.

Cheguei ao Rio e não tive sequer tempo de tirar aquele uniforme da Corrida de São Silvestre. As meninas já estavam me esperando no aeroporto. E, de lá, fomos os cinco para a casa do Alfredicto para a tal entrevista.

A casa do cara é uma mansão. Fica no Jardim Botânico. A guarita do porteiro, só para dar uma ideia, é do tamanho do meu apartamento inteiro.

Depois de uns vinte minutos andando, chegamos ao local onde estava o Alfredicto. Ele parecia simpático.

Alfredicto: Olá, boa tarde.

Ane: Alf, esse é o meu primo Adalberto. E essas são minhas primas Sara, Lu e Marjorie.

Nos cumprimentamos e, logo em seguida, começou o questionário.

Alfredicto: Seus desejos.

Ane: Amar e ser feliz com a pessoa amada.

Alfredicto: E os seus?

Lu: Meus? Como assim? Você quer namorar com a minha prima ou comigo?

Alfredicto: Com a sua prima, mas eu quero conhecer a família da minha futura namorada também.

Lu: Ah... Olha, os meus desejos foram todos saciados ontem por um maluco aí. Agora, que venham os próximos.

A Ane ficou aflita com a resposta da Lu.

Ane: Ela é engraçada assim mesmo, Alf. Tudo da boca para fora. Ela é super tranquila.

Alfredicto: Tudo bem. E você?

Marjorie: Eu? Meu desejo é ter uma grife própria. Eu sou estilista, designer de bolsas e, hoje em dia, eu só produzo para as grifes. Mas, no futuro, eu quero ter a minha própria marca.

Alfredicto: Bacana. E você?

Sara: O meu desejo e ter mais confiança no meu marido, o Oswaldo. Eu sei que isso não depende só de mim. Ele temq ue fazer a parte dele. Mas é o meu desejo. Ele é o homem que eu amo e é com ele que eu quero ficar velhinha.

Alfredicto: Muito boa sua resposta. E você, Adalberto?

Adalberto: O meu desejo é ganhar na Mega-Sena e ter uma casa incrível,como essa sua. Eu ia dar várias festas. De segunda a segunda, você pode ter certeza, ia ter festa na minha mansão. Eu ia ser pior do que o Adriano Imperador.

O Alfredicto riu. A Ane fechou a cara.

E o esquema seguiu. Ele perguntava e o os cinco respondiam.

Alfredicto: Seus medos?

Ane: Meu maior medo é o de não conseguir ser a mulher maravilhosa para o meu marido. Eu nem sei. Ia me sentir uma fracassada.

A Ane, claro, sempre tentando surpreender. Parecia aquelas pessoas que mentem descaradamente em entrevistas de emprego para tentar, a todo custo, conseguir a vaga.

Lu: Eu tenho medo de ficar para titia.

Marjorie: Eu tenho medo de barata.

Sara: Eu tenho medo do Oswaldo me trair com outra mulher, se apaixonar por ela e me largar.

Adalberto: Cara, assim, agora, não me vem nada na cabeça. Mas eu tenho muitos medos. Ah, tenho medo de assombração. Fico apavorado, quando estou em casa sozinho e ouço sons. Não consigo dormir.

Alfredicto: Seu maior defeito?

Ane: Perfeccionismo. Eu quero ser a melhor em tudo. E nos meus namoros, eu tento sempre ser a namorado perfeita.

Lu: Falta de vergonha na cara. Tem caras que me sacaneiam, mas eu corro atrás, não tem jeito. Homem está difícil, né? Infelizmente, a gente tem que se submeter a isso.

Marjorie: Ansiedade. Eu fico sem dormir, quando uma grife lança uma coleção minha. Sabe aquele friozinho na barriga? Eu sinto. O que eu sinto é uma friaca na barriga mesmo.

Sara: Desconfiança. Eu desconfio muito do meu marido, confesso. Mas sei que isso também não é só culpa minha. O Oswaldo é muito solto, não gosta de dar satisfação das coisas que faz. Então, imagina como eu fico...

Adalberto: Eu sou assim. Marco com todo mundo várias coisas para fazer no mesmo dia. Depois, acaba fazendo só uma e furando com as outras mil pessoas, com quem eu tinha combinado de fazer outras coisas. Eu sou enrolado demais. Precisava ser rico para ter alguém para organizar a minha agenda.

Alfredicto: Sua maior qualidade?

Ane: Amar intensamente. Quando eu amo, eu só sei amar se for intensamente. Eu não sei amar pela metade, sabe? Eu vivo uma relação. Eu respiro a pessoa com quem estou. Ela passa a ser a minha razão de viver. E acho que tem mesmo que ser assim.

Lu: Gostar muito de sexo. E fazer muito bem também. Eu sou daquelas que, se entra lama, é para se sujar. Adoro!

Marjorie: Eu gosto de trabalhar. Perco fins de semana desenhando bolsas. Eu amo isso. Às vezes, eu esqueço que eu trabalho. Eu sinto muito prazer no que faço.

Sara: Eu sou uma boa mulher e uma mãe muito atenciosa. Nasci para ser dona de casa mesmo, já tentei trabalhar, mas não consigo. Acho que vou morrer dona de casa. O chato é depender sempre de homem, né? Quando eu quero comprar um vestidinho, pintar uma unha ou comprar uma planta nova lá para casa, tenho sempre que consultar o meu marido. Ele não é pão-duro, não. Mas é chato, né? Se eu tivesse dinheiro, tudo seria mais fácil.

Adalberto: Eu não sei qual é a minha maior qualidade. Nem  se eu tenho. Pergunta para elas.

Anfredicto: O que te faz chorar?

Ane: A perda de um amor. Eu vivo o relacionamento, né? Eu disse. Então, o fim de uma relação, para mim, é como se fosse o fim da vida. Nem quero imaginar, Alf, nós dois...

Lu: Quando eu estou naqueles dias, o cara marca comigo, eu me despenco para o fim do mundo... Homem bom nunca tem perto... E, no meio do caminho, o cara liga desmarcando. Cara, eu fico para morrer, com ódio de mim, me prometo que nunca mais vou pagar pau e correr atrás de homem nenhum e choro de raiva. Lógico. Mas, uma semana depois, já estou eu pegando um ônibus, um trem e um jegue para encontrar um novo prospect, como a Marjorie fala.

Marjorie: Eu choro quando uma coleção minha não é aceita pelo público. É quando eu questiono a minha capacidade de fazer o que eu acho que eu nasci para fazer. Então, imagina. É o maior conflito dentro da minha cabeça. Não gosto nem de pensar nisso. Graças a Deus, isso só aconteceu uma vez na minha vida. Foi horrível. Mas passou.

Sara: Eu choro quando o Oswaldo briga comigo na frente de outros casais amigos nossos. Eu fico me sentindo um lixo. Mas é claro que eu não choro na frente das pessoas. Eu vou para o banheiro chorar. Imagina se eu vou deixar as outras mulheres me verem chorar. Eu não dou mesmo o braço a torcer. Faço carão, vou para o banheiro e só saio meia-hora depois toda maquiada. Linda.

Adalberto: Outro dia, eu fui trocar umas tampinhas de refrigerante por uma camisa. Aí, não tinha a cor que eu queria. Sendo que eu já estava me imaginando com aquela camisa. Eu já sabia a festa que eu ia com aquela camisa, a calça e o tênis que eu ia usar com aquela camisa. E aí, quando eu fui trocar as tampinhas, e vi que não tinha a camisa, eu chorei. Chorei muito mesmo.

Alfredicto: O que te faz sorrir?

Ane: Amar e ser amada por um homem. Eu acho que não há nada melhor do que isso para uma mulher. Pelo menos,para mim, não.

Lu: Gente caindo no chão. Não importa se é velho, manco, paraplégico, o que for. Nessas horas, eu não consigo ser decente. Eu perco a linha. Me mijo de rir. Para você ter uma ideia, até quando eu caio, eu morro de rir. Eu não tenho respeito por mim mesma. A louca, né?

Marjorie: Coisas engraçadas me fazem sorrir. Coisas emocionantes e lindas me fazem sorrir. sorrir faz bem para a alma, né? Então, eu procuro sorrir muito. Isso traz positividade também.

Sara: Quando o meu marido me surpreende com alguma coisa eu sorrio, claro. É tão raro. Olha, é difícil ele lembrar do nosso aniversário de casamento, mas, quando ela lembra, eu passo dia inteiro com uma cara de boba alegre. Pura felicidade.

Adalberto: Essa entrevista me faz sorrir. Eu nunca passei por isso e estou achando tudo muito engraçado. Eu, praticamente, estou de frente para Gabi. Fala logo que você é a Marília Gabriela e isso é aqui é uma pegadinha. Pode falar.

Ane: Adal!

O olhar de repreensão da Ane me deu medo.

Adalberto: Estou brincando, Ane. Só para descontrair.

Alfredicto: Bom, eu já tenho a minha decisão. Vocês podem aguardar lá na sala de espera, por favor.

Que estranho. Parecia mesmo uma entrevista de emprego. Achei o Alfredicto muito metódico para dizer que ia namorar a minha prima. Era só falar ali e pronto. Mas, não.

E depois de meia-hora na sala de espera, um funcionário da mansão veio nos dar a notícia.

Funcionário: O resultado da entrevista foi: Ane, 15 pontos. Lu, 45 pontos. Marjorie, 60 pontos. Adalberto, 15 pontos. E Sara, 95 pontos. Portanto, Sara, você é a namorada eleita do senhor Alfredicto.

Ane: Como assim? Eu estava competindo com os meus primos?

Adalberto: É, como assim? Eu não queria participar de uma competição para namorar com o Alfredicto.

Sara: Nem eu. Eu sou casada. Estou fora!

Adalberto: Se ainda fosse para ver quem ficava com o dinheiro dele, tudo bem.

Lu: Que cara idiota. O que ele viu na Sara que não viu em mim?

Marjorie: A gente pode pedir uma revisão de prova? Queria entender os meus 60 pontos.

Adalberto: E agora, Ane? A minha passagem? Ele vai pagar? Era para eu estar correndo a São Silvestre.

Sara: Eu ia para Cabo Frio com o Oswaldo e os trigêmeos.

Lu: Eu desmarquei com um carinha de Belford Roxo.

Marjorie: E eu não confirmei presença na festa do Bruno Chateaubriand.

Nomeio da nossa lamentação, o jatinho do Alfredicto decolou.

Ane: Olha lá. É o jatinho do cachorro, indo para Noronha. Que ódio que eu estou de mim. Quero chorar de raiva.

Adalberto: Chora, sim. E da próxima vez que alguém te perguntar o que te faz chorar você já sabe. Quando alguém viaja de jatinho e te deixa na pista. Essa é a resposta.

Ane: Para, primo! Eu estou triste.

Marjorie: Ah, então, é isso que te faz triste?

Lu: E o que te faz sorrir?

Sara: E o que te faz ter medo? Palhaçada isso aqui...

Terminamos nossa discussão no meu apartamento. Afinal, roupa suja se lava em casa. Depois, bebemos todas. Isso, sim, nos faz sorrir. Depois, do terceiro copo, qualquer coisa fica engraçada. Até uma entrevista ridícula de um milionário mimado. E à meia-noite do dia primeiro de janeiro de 2013, estávamos todos dormindo, feito mendigos, no chão da sala.

E, assim, começou o nosso Ano Novo. O meu desejo? Que essa união nunca seja quebrada.

Feliz 2013 a todos!

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