segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Farinha pouca, a Sabrina Sato é feia

No fim da tarde do sábado passado, enquanto eu me arrumava para ir para o ensaio técnico da Vila Isabel na Sapucaí, a Ane me ligou.

Ane: Adal, o que você está fazendo?

Adalberto: Me arrumando para ir ao ensaio técnico da Vila Isabel na Sapucaí

Ane: E você vai?

Deu vontade de dizer que não, que eu só estava brincando de botar e tirar roupa em frente ao espelho. Mas ela estava com uma vozinha meio triste. Achei melhor responder a essa pergunta difícil.

Adalberto: Vou. 

Ane: Ah, não vai, não, primo.

Adalberto: Como assim, não vai? O que é que está acontecendo, Ane? Você não está bem, eu vejo pela tua voz.

Ane: Não é nada.

Adalberto: Então, se não é nada, vamos comigo. Você adora samba. Aliás, foi você que me apresentou a esses ensaios técnicos da Sapucaí. O que é que houve? De uma hora para outra deixou de gostar? Isso não é normal.

Ane: O Robervaldo não deixa eu sair.

Adalberto: Robervaldo é aquele carinha que está saindo com você há, no máximo, quinze dias?

Ane: É. A gente está namorando.

Adalberto: Parabéns. Mas relacionamento é assim, negociação. Se ele não gosta de samba, cabe a você administrar isso. Mas alguém tem que ceder.

Ane: Ele adora samba. 

Adalberto: Então, chama ele para ir. Eu passo aí para pegar vocês.

Ane: Adal, ele trabalha no interior do Mato Grosso do Sul e só vem ao Rio de folga de dois em dois meses.

Adalberto: E você não pode sair, quando ele não está aqui?

Ane: Não.

Adalberto: E fica fazendo o quê? Já sei: conversando no Skype. Ane, você já namorou pela internet e viu que isso não dá certo. Você mesma falou.

Ane: O pior é que, dessa vez, nem internet tem. O lugar onde ele trabalha é tão precário que não tem telefone, internet, nada.

Adalberto: Jura?

Ane: Foi isso que ele falou.

Adalberto: E você acreditou?

Ane: Acreditei. A gente está no começo do namoro, ele está super-apaixonado. Você acha que ele não ia querer falar comigo todo santo dia?

Sinceramente, não.

Ane: De mais a mais, ele colocou uns espiões para me vigiar.

Adalberto: Como é que é?

Ane: Ele é muito ciumento, Adal. Disse que tem uns amigos aqui pela área, que vão me vigiar. Não falou quem são. Só disse que eles se revezam na tarefa de vigiar os meus passos e que, se souber que eu fui para alguma balada, samba, qualquer coisa que tenha muita pegação, ele me mata. Achei tão fofo.

Adalberto: Fofo? O cara é um machista ignorante e você acha fofo?

Ane: Adal, eu entendo o seu ponto de vista. Mas eu não estou enxergando a situação pelo mesmo ângulo que você. Essa é a maneira que ele tem de assegurar que, quando ele voltar, eu vou estar aqui para ele. Isso, de certa forma, é fofo. É amor.

Adalberto: Ane, você vai me desculpar, mas o seu ponto de vista está míope das duas vistas. Se ele não tem como estar aqui com você, que não me venha com ameaças.

Ane: Mas eu não me importo...

Adalberto: De ficar dois meses em casa nos fins de semana sem fazer nada? 

Ane: É.

Adalberto: Minha querida, a única pessoa que eu conheço, que faz amor por telepatia chama-se Rita Lee. E vai ver nem faz. Só deve cantar mesmo da boca para fora, duvido. Bom, estou passando aí agora para te buscar. Você vai comigo.

Ane: Não, Adal.

Bati o telefone na cara dela e fui bufando buscá-la em casa. A princípio, diante de sua recusa, pensei em arrastá-la pelos cabelos. Mas fui estratégico, fiz várias chantagens emocionais, joguei algumas coisas na cara dela e, por livre e espontâneo medo, ela decidiu ir comigo. Me amei por isso.

No ensaio técnico, a ela era pura animação.

Ane: Adal, obrigada por me forçar a vir aqui. Eu estou adorando. A Sabrina Sato está linda. Nunca vi mulher mais linda. Eu quero dizer para ela, que ela está linda. Vamos lá comigo?

Adalberto: Ah, não, Ane. Não começa. Depois você conta esse segredo para ela. Ela nem deve imaginar isso.

Ane: Seu bobo. Eu tenho medo de ela ir embora. Esses artistas somem quando a gente menos espera.

Adalberto: Ane, relaxa e samba. A gente veio aqui para isso.

E, depois de milhões de vezes que ouvimos o samba da Vila, já estávamos com a letra na ponta da língua. A Ane não é das melhores sambando, mas até que atraiu muitos olhares. Os mais descolados ensaiavam cantadas baratas.

Descolado: Aí, gostosa, você trabalha com entrega?

Ane: Eu? Não.

Descolado: Então, me entrega o teu coração.

Ane: Ridícula a sua cantada! Vamos sair daqui, Adal.

Tenho certeza de que, se não fosse o Robervaldo, ela teria adorado o comentário. Ia dizer que o cara era inteligente e tudo...

Ane: Cara abusado, né?

Adalberto: Não. Ele só tentou a sorte.

Ane: Não gostei da cantada barata.

Adalberto: Ane, vamos aproveitar e ir lá para fora. O desfile já está acabando mesmo. Eu estou com fome. Vamos comer um hambúrguer?

Ane: Vamos.

Para a nossa surpresa, quando chegamos à lanchonete, demos de cara com a Sabrina Sato aos prantos.

Ane: O que é que houve? Por que você está chorando?

Sabrina: Um cara passou a mão na minha bunda. Eu chamei ele de safado. Ele me deu o maior tapão na cara e ainda me chutou.

Adalberto: E cadê esse safado?

Sabrina: Está ali no carro da Polícia. Um policial viu tudo e pegou ele no flagra. Olha, a viatura vai passar aqui do lado agora. Eu vou sair daqui para evitar olhar na cara desse sujeito. Já vou ter que encontrar com ele na delegacia. Dá licença, gente.

Ane: Olha, eu queria falar uma coisa rapidinho com você.

Sabrina: Depois, amor. Agora, eu estou sem clima. Beijo.

Ane: Cara, acho ridículos esses homens, que acham que podem chegar, assim, e passar a mão na bunda de uma mulher.

Adalberto: Também acho.

Ane: Eu não admito que homem algum passe a mão na minha bunda. Sem o meu consentimento, claro. Ah, quem eles pensam que são? Esse da Sabrina ainda bateu nela. Vê se pode...

Adalberto: Olha ali, vai passar ali no carro da Polícia agora. 

Ane: Faço questão de olhar para ele, para deixá-lo bem sem graça. Levanta, Adal, vem ver.

Fui. E não acreditei no que vi.

Ane: Robervaldo

Adalberto: Não era para ele estar no Mato Grosso do Sul.

E de dentro do carro da Polícia em movimento, o folgado do Robervaldo ainda tinha a coragem de dar ordens na minha prima.

Robervaldo: Está fazendo o que aqui, sua cachorra? Vou te matar.

Ane: Você vai me matar? Eu é que vou te matar, seu safado. me enganou. Era para você estar no Mato Grosso do Sul.

Robervaldo: Eu menti para você, para ver com os meus próprios olhos que você é uma safada. 

Ane: O quê?

Adalberto: Não entendi. O carro ficou longe e eu não sei fazer leitura labial.

Ane: Adal, vamos atrás dele.

Adalberto: Está maluca?

E, antes que eu falasse qualquer outra coisa, ela tomou a chave do carro do meu bolso e foi correndo para o estacionamento. Eu tive que ir atrás por livre e espontânea pressão.

Adalberto: Cuidado com o meu carro. Eu ainda estou pagando.

Ane: Esse safado me paga.

Adalberto: Você sabe para onde estão levando ele? Eu não estou vendo nenhum carro da Polícia.

Ane: Tem uma delegacia aqui perto. Eles só podem ter ido para lá.

Chegamos à delegacia e o clima ficou péssimo. O Robervaldo é de um baixo nível inatingível.

Robervaldo: Você é uma piranha. Eu estou sendo preso, por causa de você.

Ane: De mim?

Robervaldo: Claro. Eu fui atrás de você. Vi que você não vale nada e fiquei solto.

Ane: Eu não fiz nada. Só acompanhei o meu primo.

Robervaldo: Não fez nada? Você saiu de casa, sua vagabunda.

Ane: E você que me trocou pela Sabrina Sato. Você é um... Um... Chato!

Robervaldo: Eu só passei a mão na bunda dela, como eu passei na tua, quando a gente se conheceu. Isso é uma atitude elogiosa. Nada de mais.

Não foi a Ane que disse que não admitia que homem algum passasse a mão na sua bunda, sem o seu consentimento? E essa de ele falar que passar a mão na bunda de alguém é uma atitude elogiosa... Não convenceu.

Ane: Olha, Robervaldo, eu não quero saber, para mim, está tudo acabado.

Robervaldo: Problema é teu! Por mim, tudo bem. Vou pagar minha fiança aqui e vou para a minha casa dormir, que é a melhor coisa que eu faço.

Ane: Não, amor, desculpa. Desculpa, eu não queria sair. Foi o Adal que insistiu. Adal, fala para ele, que foi você me obrigou para vir.

Adalberto: Eu, não. Ane, esse cara é um idiota. Não te merece.

Ane: Robervaldo, eu vou para a sua casa com você. Por mais que você não queira, eu vou te seguir, te implorar o meu perdão. Eu não sei cantar, mas vou fazer seresta debaixo da sua janela, cantar aquela música do Thiaguinho que você adora até você me perdoar. Por favor, amor.

Robervaldo: Você não vai fazer isso.

Ane: Vou. Eu vou até Marte atrás de você.

Ai, que exagero.

Robervaldo: Então deixa eu te falar uma coisa. Eu tenho mulher, duas filhas lindas e não trabalho no Mato Grosso do Sul coisa nenhuma, sua idiota. Não vai atrás de mim, senão, quem te mata é a minha mulher.

Eu achei que a Ane fosse xingar o descarado do Robervaldo de um trilhão de coisas, que fosse querer ir atrás, sim, dele e contar tudo para a sua mulher, jogar a bosta no ventilador mesmo, destruir o relacionamento dele... Mas, em vez disso, vi uma Ane imóvel, estupefata, chocada de tanta decepção.

Adalberto: Vamos embora daqui.

Cruzamos com a Sabrina Sato, quando descíamos as escadas da delegacia. Ela foi prestar depoimento com os mesmos trajes sumários, com que havia desfilado no ensaio técnico. Estava realmente linda. Acho até que o delegado ia entender os motivos que levaram o Robervaldo a passar a mão na bunda dela.

Adalberto: Ane, aproveita agora para falar com ela.

Ane: Falar o quê?

Adalberto: Que ela é linda, ué. Você não queria tanto dizer isso para ela?

Ane: Agora, não, Adal. Agora, sou eu que estou sem clima.

E estava mesmo. Durante todo o trajeto no carro, a Ane não abriu a boca, parecia pensativa. O rádio estava desligado e o barulho do motor, que não faz quase barulho, gritava aos meus ouvidos.

Só quando parei em frente ao prédio dela, nos falamos pela primeira vez desde o barraco na delegacia.

Ane: Obrigada, primo. se não fosse você, eu nunca ia descobrir que o Robervaldo é um safado.

Adalberto: Imagina, eu não fiz nada.

Ane: Posso te perguntar uma coisa?

Adalberto: Lógico.

Ane: A Sabrina Sato é muito melhor do que eu?

Adalberto: Não, de jeito nenhum. Sabe, eu nem acho que ela é tão bonita assim.

Ane: Eu também não, primo. Tinha falado aquilo, porque era fã dela. Mas, agora que ela perdeu o encanto para mim, já consigo enxergar a realidade. Ela é bem feinha, né?

No fim das contas, a competição feminina falou mais alto. Mas eu acho a Ane mais bonita que a Sabrina Sato mesmo. Não sei por que exatamente, mas deve ser o encanto...

2 comentários:

  1. Adalberto!!!!! Adoro suas histórias!!!! rsrsrs

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  2. Sério? Que bom, Hayla. Que bom! Escrever para esse blog é o meu momento lazer. Beijo.

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