quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Máscara de enganador cai às vésperas do carnaval ou Viva a folia!

Na sexta-feira passada, encontrei, por acaso, com um amigo das antigas: o Popó. Ele estudou comigo num colégio de freiras, mas foi expulso, depois de seis meses, pela madre superiora. Ele estava com mais quilos e menos cabelos do que há vinte anos, mas continuava o mesmo folgado de sempre.

Popó: Rola uma caroninha?

Adalberto: Claro que não, né! Moramos em lados extremos da cidade. Você quer que eu dê uma volta ao mundo por caridade ou por causa seus lindos olhos castanhos escuros, iguais aos de quase todo mundo?

Popó: Porque você era o meu melhor amigo da época do colégio, porque é a pessoa mais legal que eu conheci na minha vida e porque jamais negaria qualquer coisa a uma pessoa que estivesse precisando. Eu estou com uma dor fortíssima na minha coluna, Adal. E o ônibus vai muito cheio lá para a Zona Norte. Não tenho a menor condição de fazer uma viagem de mais de uma hora, sendo esmagado. Quebra essa para mim, amigo.

O pior é que ele me comoveu. Fui para Olaria deixá-lo em casa.

Adalberto: Tudo bem.

Popó: Fora que a gente tem muito assunto para colocar em dia, né?

E no trajeto de duas horas, em que eu me arrependi a cada minuto por essa carona, ele não parou de falar.

Popó: Fui eu que joguei aquela bomba no colégio, no dia seguinte a minha expulsão?

Adalberto: Sério?

Popó: Estou dizendo...

Adalberto: Cara, você é um delinquente. Essa bomba caiu em cima de mim. Eu fiquei todo queimado, perdi as provas do terceiro bimestre e tenho uma cicatriz nas costas, até hoje, por causa disso.

Popó: Pô, Adal, foi mal.

Adalberto: Foi mal? Eu deveria te colocar para fora do meu carro, por vingança póstuma.

Popó: Você não é capaz de fazer isso com um amigo.

Adalberto: Com um amigo que jogou uma bomba em cima de mim, eu sou.

Popó: Pô, eu não imaginava que ia cair em cima de você. Se eu soubesse, eu nem jogava.

Adalberto: Cara, você não tinha que jogar uma bomba no pátio de um colégio, na hora do recreio. Óbvio que ia cair em alguém. E não importa se fosse em outra pessoa. Isso não se faz.

Popó: Adal, eu estava com raiva. Eu era adolescente, tenta me entender.

Adalberto: O que é que você quer? Que eu diga que você estava certo em jogar uma bomba em cima de mim?

E para interromper esse rumo tortuoso, que a nossa discussão tomava, a Marjorie cruzou o meu caminho. Literalmente. Ela me cortou em plena Avenida Brasil de uma maneira tão brusca, que eu rodei com o carro e fui parar no acostamento da pista.

Furioso, fui atrás do carro. Até então, eu não sabia que era a minha prima que estava dirigindo. Disparei, andei pelo acostamento, costurei no trânsito, fiz as maiores barbaridades... E consegui ficar lado a lado com o carro que me cortou.

Baixei o vidro e perdi a linha.

Adalberto: Seu filho da...

Marjorie: Adal!

Adalberto: Marjorie?

Marjorie: Primo, desculpa. Eu estou atrasadíssima para uma reunião com um cliente em Bonsucesso.

Adalberto: Sério? Olha, eu te desculpo, então, se você der uma carona para esse meu amigo. Ele mora em Olaria. É perto de Bonsucesso. Para ali no acostamento para ele passar para o teu carro.

Marjorie: Esse cara? De jeito nenhum. Esse cara não vale nada, primo. Deixa ele no meio da pista. Ele merece. Para ver como é ser sacaneado.

E foi embora. Acelerou e me deixou para trás, cheio de questões na cabeça. Por que tanta raiva do Popó? Como será que ele sacaneou ela? Será que ele também jogou uma bomba nela?

Adalberto: Popó, você já tacou uma bomba na minha prima?

Popó: Não. Está maluco?

Adalberto: Então, o que foi que você fez para ela ter essa raiva de você?

Popó: Sei lá. Ela deve ter me confundido com alguém. Eu não me lembro dela...

Adalberto: Tomara que ela tenha te confundido mesmo. Agora, eu faço questão de te deixar na porta de casa. Dependendo do que você aprontou para a minha prima, eu vou atrás de você.

Popó: Eu não fiz nada para ela, Adal. Fica tranquilo.

Deixei o Popó em casa e, imediatamente, liguei para a Marjorie. Ela estava saindo da fábrica do cliente. Eu queria saber o porquê de toda aquela raiva do Popó. E a minha curiosidade era tanta que não podia esperar mais uma Avenida Brasil inteira. Marcamos de nos encontrar num pé-sujo pela Zona Norte mesmo.

A Marjorie estava irritadíssima.

Marjorie: Aquele canalha ficou saindo comigo e com a Sara ao mesmo tempo?

Adalberto: Como assim? A Sara traiu o Oswaldo?

Marjorie: Não, Adal. Isso foi há mais de quinze anos.

Adalberto: E você ainda guarda raiva dele, só por causa disso?

Marjorie: Você também não está com raiva dele, por causa da bomba que ele jogou em você?

Adalberto: Verdade. A gente lembra o fato e fico com o sentimento de como se ele tivesse acontecido ontem, né? Ele merecia levar um soco na cara, só por me lembrar do episódio da bomba lá no colégio.

Marjorie: Esse cara merece é a forca! Isso, sim.

Adalberto: Você e a Sara são muito bobas também. Como um cara finge ter um irmão gêmeo e vocês acreditam?

Marjorie: A gente era nova, estava apaixonada... Nem passava pela minha cabeça. Para ela, ele era Apolônio. E, para mim, Popó.

Adalberto: Pelo menos, ele não mentiu. Esses são o nome e o apelido dele.

Depois de muitas cervejas, nossa conversa, que começou em Popó, já tinha mudado para a programação do carnaval.

Marjorie: Vamos ver com a Ane e a Lu o que elas vão fazer?

Adalberto: Amanhã.

Marjorie: Não, Adal, agora. Isso é um caso de vida ou morte. Preciso decidir o que vou fazer no carnaval. Liga para elas, anda!

Adalberto: Sua chata.

Liguei para a Ane primeiro.

Ane: Fala, primo.

Adalberto: Eu estou aqui bebendo um chopinho com a Marjorie...

Ane: Você só quer saber de Marjorie! Que raiva de você.

Adalberto: Garota, cala a boca. Não começa com esse ciúme bobo. Não foi nada combinado. Olha só, a gente quer saber o que você está planejando para o carnaval. Queremos sugestões.

Ane: Amore, eu não sou mais dona das minhas decisões. Dependo do Dutra. Eu sou uma mulher mandada agora, esqueceu?

Adalberto: Esqueci. Você começou esse namoro na semana passada. Eu tinha esquecido mesmo.

Ane: Dependendo do que ele quiser fazer e se der para encaixar vocês, eu aviso.

Adalberto: Querida, nós não trabalhamos com encaixe. Deixa para lá. Beijo.

Liguei para a Lu.

Lu: Fala, cachorrinho.

Adalberto: Tudo bem?

Lu: Tudo ótimo. Eu estou namorando.

Adalberto: Verdade. Também tinha esquecido que você começou a namorar nessa semana.

Lu: Ai, Adal, estou tão feliz. Sabe, o encaixe entre nós dois é perfeito.

Adalberto: É, esse encaixe, sim, é bom. Parabéns.

Lu: Obrigada.

Adalberto: Lindona, eu estou aqui com a Marjorie...

Lu: Claro, você sempre está com a Marjorie em algum lugar, né, Adal? Você gosta mais dela do que de mim, da Ane e da Sara.

Adalberto: Olha! Não fala isso. A gente se encontrou quase que sem querer. Não combinamos nada.

Lu: Sei... Fala logo o que você quer. Estou me arrumando para me encontrar com o Ramos.

Adalberto: Ramos é o teu namoradinho?

Lu: É.

Adalberto: E para onde vocês estão indo?

Lu: Para um barzinho em Ramos. Agora, eu sou básica. Namoro um Ramos e frequento um barzinho em Ramos.

Adalberto: Bem básica mesmo.

Lu: Total.

Adalberto: Olha, você não vai acreditar, mas eu estou num pé-sujo aqui em Bonsucesso com a Marjorie. Fica perto de Ramos. Que tal se a gente se encontrar nesse barzinho que você vai com o Ramos, em Ramos?

Lu: Olha, eu não sei se ele vai gostar da companhia de vocês.

Adalberto: Ah, sua cachorra!

Lu: Estou brincando, seu cretino. Te mando o endereço por WhatsApp.

Adalberto: Está bem.

Tudo na vida da Lu, agora, era motivo para um WhatsApp. Não sei como ela conseguiu viver trinta anos sem essa ferramenta, juro.

Marjorie: Vamos chamar a Ane e a Sara para programinha também?

Adalberto: A Ane deve fazer alguma coisa com o Dutra. Hoje é sexta-feira... E a Sara não sabe dirigir. O Oswaldo não vai querer trazer ela para cá. Ele chega morto do trabalho.

Marjorie: Melhor. Mas chama, senão elas vão ficar enciumadas. Você sabe como elas são.

Fiz o que a mestre mandou. Liguei para a Ane e chamei-a para o nosso encontro com a Lu em Ramos. Para a minha surpresa, ela não ia encontrar com o Dutra. Parece que ele estava doente. Ela ficou, então, de passar na casa da Sara para irem juntas encontrar com a gente.

Eu e a Marjorie ainda tomamos mais algumas saideiras até pedirmos a conta. Depois, rodamos toda Bonsucesso atrás do nosso carro, até que lembramos que tínhamos deixado no estacionamento de uma academia, que ficava em frente ao bar. O local estava fechado. Mas o bom da Zona Norte é a informalidade. Quase todo estabelecimento comercial de pequeno porte, tem um puxadinho atrás, onde mora o proprietário. E naquela academia não era diferente. Nos esgoelamos de tanto gritar, até que apareceu o dono da academia em pijama e chinelos, todo solícito. Ele abriu o portão para a gente, reclamou do filho que ainda não tinha chegado em casa e ainda recusou os cinquenta reais e os dois reais que, respectivamente, a Marjorie e eu oferecemos de gorjeta.

Dono da academia: Vocês não querem mesmo entrar para tomar um cafezinho?

Marjorie: Não, moço, obrigada. A gente está com um pouco de pressa. 

No meu celular, havia umas trinta chamadas da Ane. Estava para vibrar e eu nem tinha sentido. Só vi quando entrei no carro e tirei o celular do bolso. Me incomoda dirigir com o celular no bolso.

Quando chegamos ao barzinho de Ramos, fomos informados pelo garçom que a senhora Lu e o senhor Ramos já tinham ido embora, com as outras pessoas que estavam com eles.

Marjorie: Como assim? A gente não demorou tanto entre pagar a conta e encontrar o carro.

Adalberto: Demoramos, sim. A gente demorou muito, por sinal.

Marjorie: Eles deixaram algum recado para a gente? Foram para outro lugar?

Garçom: Olha, minha senhora, eles foram levados pela Polícia para a delegacia daqui do bairro.

Adalberto: O quê?

O que poderia ter acontecido com as minhas primas? Será que elas foram assaltadas em Ramos? E o Ramos? Não fez nada? Será que ele também foi assaltado? Voamos para a delegacia.

Quando chegamos, fomos surpreendidos pelas nossas primas e o Popó todo arranhado e com a roupa toda rasgada.

Marjorie: O que você está fazendo aqui, Popó?

Lu: Ele também é o Ramos.

Ane: E o Dutra.

Sara: E o Apolônio.

Adalberto: Apolônio Ramos Dutra, o Popó, que estudou comigo há anos.

Caraca, o cara arrastou duas das minhas no Passado e estava arrastando outras duas no Presente. Agora, não sobrou nenhuma para ele conjugar o verbo “enganar” no Futuro.

Marjorie: Eu vou te arrebentar, seu cachorro!

Eu tive que segurar a Marjorie para evitar que o pobre coitado fosse ainda mais agredido.

Adalberto: Marjorie, não precisa. As meninas já fizeram isso por você. Aliás, por você e por mim.

E com um olhar fulminante para o Popó, eu disse:

Adalberto: Agora, eu me sinto vingado. Experimenta jogar mais uma bomba em cima de mim. Eu solto as feras em cima de você. Mexe comigo!

Eu e a Marjorie rachamos as fianças das outras primas pela agressão ao Popó. Que bom que a Marjorie não chegou a bater nele. Economizamos em uma fiança. Se bem que era um dinheiro que eu gastaria com gosto.

Terminamos a noite enchendo a cara no meu apartamento. E, claro, acertamos de passar o carnaval juntos, agora que não existia mais Ramos/Dutra como empecilho nas nossas vidas.

Marjorie: Gente, eu vou mandar fazer minha fantasia, então. O que vocês sugerem?

Lu: Alguma coisa que não tenha máscara. De máscara, já chega o Ramos.

Ane: Dutra!

Sara: Apolônio!

Marjorie: Popó!

E viva a folia!

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