sábado, 13 de abril de 2013

Semelhança com bandido rende colchão novo

Na quinta-feira passada, eu decidi faltar ao trabalho, porque precisava fazer três coisas urgentes: cortar as unhas, cortar o cabelo e cortar os pelinhos do nariz. Não me julguem! Arrumar tempo para fazer isso durante a semana é muito difícil. A vida é muito corrida.

Eu ainda estava na sala, vendo um filme e me preparando psicologicamente para começar um dos cortes, quando a campainha tocou. Era a Lu com a Polícia e um cara que parecia meu irmão gêmeo.

Lu: Ele é o culpado pelo roubo na fábrica de chocolates. Prendam-no!

Adalberto: Como assim?

Foi a última coisa que eu falei, antes de ir preso.

Na cadeia, eu tive direito a ligar para um advogado, mas, como eu não tenho grana, eu liguei para a Marjorie. Só ela poderia resolver o meu problema. Em meia-hora, ela apareceu lá para me ver.

Marjorie: E aí?

Adalberto: A Lu surtou, né?

Marjorie: Não exatamente, coitada. Eu entendo ela.

Adalberto: O que aconteceu?

Marjorie: O Ariedson é o carinha que ela foi apaixonada na quarta série.

Adalberto: E daí?

Marjorie: Daí que ele só sabia chamar a Lu de cabelo duro. Como a gente sofreu por ter nascido antes da escova progressiva, né? Hoje em dia, nenhuma menina passa por isso.

Adalberto: Marjorie, o que eu tenho a ver com isso?

Marjorie: Você é cara dele.

Adalberto: Eu percebi.

Marjorie: Se você visse o retrato-falado... É você, praticamente.

Adalberto: Sai para lá! Está maluca?

Marjorie: O Ariedson está sendo procurado pela Polícia, por ter roubado uma fábrica de chocolates na semana anterior à Páscoa.

Adalberto: E?

Marjorie: E aí que ele resolveu dar uma chance para a Lu. Mas esse foi o preço.

Adalberto: Eu fui o preço?

Marjorie: É... Mas ela me prometeu que vai desfazer isso e entregá-lo para a Polícia. Ela sabe que ele só quer usá-la.

Adalberto: E ela acha isso legal?

Marjorie: Ela não está nem aí. Ela só quer usá-lo.

Meu Deus, que baixaria na minha família!

Adalberto: E quando é que eu vou sair daqui?

Marjorie: Amanhã ela vai desfazer a mentira. Fica tranquilo.

Adalberto: Eu? Ficar tranquilo nesse lugar sujo?

Marjorie: Eu trouxe um saco de Serenata de Amor para você.

E eu me vendi por pouco. Topei passar a noite na cadeia, enquanto a Lu se esbaldava com um carinha, por quem ela foi apaixonada na quarta série, por causa de um saco de bombons que eu adoro.

No dia seguinte, a Ane, a Sara e a Marjorie foram à cadeia me ver.

Ane: Como é que você está?

Adalberto: Com mau hálito. Comi um saco de bombom ontem e não escovei os dentes. Sai de perto.

Marjorie: Anta, a gente quer saber se você ficou bem aqui nesse lugar.

Adalberto: Então, fora o mau hálito, eu até que gostei de ficar aqui.

O colchão da cadeia era melhor do que o da minha casa. Será que eles deixariam eu levar o colchão para casa? Deveriam. Eles me prenderam sem eu ter culpa. Eu merecia esse brinde!

Sara: Primo, você já vai sair daqui. Está feliz?

Eu tinha gostado dali. Fiquei numa cela só para mim, porque tenho nível Superior, dormi num colchão confortável e tinha alguém que fazia as minhas refeições. Eu acho que eu queria ficar ali para toda a vida. Estava pensando seriamente em cometer um crime daqueles, só para eu ser condenado por uma vida inteira. Eu só ia precisar de uma TV por assinatura, mais bombons e de um telefone celular...

Adalberto: Sara, posso ser sincero?

Sara: Claro, primo.

Adalberto: Eu quero ficar.

Ane: Como assim?

Adalberto: Eu quero ficar aqui para sempre. Não tem como a Lu não desfazer a mentira? Aqui, eu tenho horário até para o banho de sol. Isso é muito chique. Quando que, em pleno dia de semana, eu vou ter tempo para tomar banho de sol? Eu achava que isso era coisa que só rico podia fazer. Nada! Nós presos também fazemos.

Marjorie: Adal, por favor, não começa.

Adalberto: Ai, acho que vou roubar uma fábrica de chocolate de verdade...

Sara: Está maluco, garoto?

Adalberto: Será que é melhor roubar uma fábrica de cerveja? A pena é maior?

Ane: Cala a boca.

Adalberto: É sério.

Marjorie: Olha, você, por favor, não vai me estragar tudo.

A Lu disse à Polícia que foi obrigado a mentir, senão seria morta pelo Ariedson, que foi preso no meu lugar. Morri de inveja dele.

Cheguei em casa arrasado. Estava com saudade da minha celinha linda, do meu colchão confortável, da minha comidinha gostosa... As quatro primas tentaram me consolar.

Ane: Aqui fora você tem a gente.

Adalberto: E daí?

Lu: Aqui fora você é livre.

Sara: Aqui fora você pode ver os seus três afilhadinhos.

Marjorie: Aqui fora você tem a praia.

Nada me deixaria mais feliz do que, no mínimo, trinta anos de prisão na minha celinha, que eu tanto amei.

Lu: Garoto, vive tendo atentado nesses lugares. As pessoas jogam bomba.

Falou em bomba eu me cagou de medo. Quando eu era criança, meu pai não deixava eu brincar nem com estalinho em época de festa junina. Bombinha, então... Achava perigoso demais. Eu desenvolvi um pavor de tudo que explode.

Mudei de ideia. Não queria mais voltar para a cadeia. Mas não podia entregar os pontos tão facilmente.

Adalberto: Vocês me convenceram. Eu não volto para lá. Mas com uma condição.

Marjorie, Sara, Ane e Lu: Qual condição?

Adalberto: Eu quero um colchão igualzinho ao que eu tinha lá na minha cela.

E ganhei um colchão muito mais confortável do que o que eu tinha na minha cela.

Passamos o fim do dia tomando cerveja, sentados na minha cama (com colchão novo!). Eu estava como um pinto no lixo. Na verdade, a minha coluna estava como um pinto no lixo. Ela não aguentava mais o colchão antigo.

Até que valeu a pena ter sido preso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário