Essas eleições de agora me fizeram lembrar um momento engraçado da minha vida. Eu nunca tinha ido à feira, porque tenho claustrofobia e acho que é o maior programa de índio ao ar livre que existe, mas, há mais ou menos cinco anos, resolvi acompanhar a Lu nessa aventura.
Lu: Viu como não é tão ruim quanto você imaginava?
Adalberto: É. Tirando a gritaria, o cheiro de peixe e algumas pessoas que não pedem licença pra passar...
Lu: Um show de música pode ser pior.
Adalberto: Dependendo do artista, qualquer coisa pode acontecer, que eu vou achar o show perfeito.
Lu: Até confusão?
Adalberto: Contanto que eu não esteja envolvido...
Lu: Cruz credo. Aqui, você nunca vai ver isso.
Nessa hora, fomos interrompidos por uma velhinha com cara de fofinha.
Velhinha: Você pode segurar aqui pra mim, só pra eu descansar o meu braço?
Lu: Coloca no chão, senhora.
Adalberto: Lu, o que é isso? Me dá aqui, senhora.
Velhinha: Brigada, meu filho. Eu vou aqui rapidinho comprar um refrigerante, tá? Tô morrendo de sede. Você toma conta da minha bolsa?
Adalberto: Claro. Vai lá, sem pressa, que eu espero a senhora aqui, tá bom?
Velhinha: Brigada, meu filho. Deus lhe pague.
Adalberto: Amém.
Lu: Agora, tu vai ter que ficar parado aí, esperando essa velha safada voltar.
Adalberto: Ai, Lu, que coisa feia.
Lu: Eu ainda tenho que comprar pêra.
Adalberto: Vai lá, que eu te espero aqui.
Lu: Tá.
Um minuto depois, um policial vinha a minha direção. Eu, obviamente, não estava nem aí pra ele. Só que eu estava segurando um carregamento de drogas de fazer inveja a qualquer facção criminosa e não sabia. Quando eu sendo levado pra delegacia, cruzei com a Lu, puxando a senhorinha pelo colarinho:
Adalberto: Foi essa safada que me deu essa bolsa pra segurar.
Velhinha: Eles tentaram me matar, eu tive que sair correndo.
Lu: Mentira. Ela tem essa carinha de boazinha, mas é uma safada. Eu vim comprar pêra e dei de cara com ela trocando de roupa atrás da Kombi do caldo de cana. Achei suspeito e vim ver qual é a dela.
Velhinha: É mentira, meu senhor. Eles estão falando isso, porque eu não aceitei levar essa bolsa cheia de drogas pra casa. Eles me coagiram.
Adalberto: A senhora tá mentindo.
Policial: Vamos todos pra delegacia.
Nesse momento, vi que a feira pode ter gente gritando, cheiro de peixe e algumas pessoas que não pedem licença ao passar, mas apesar disso tudo, é um lugar de justiça. Eu nem tinha me dado conta que havia uma roda de gente em torno de nós, tamanho era o meu nervosismo, quando alguém se manifestou.
Feirante 1: O senhor não vai levar o rapaz, não. Eu sou daqui da barraca do peixe e vi muito bem essa senhora entregando a bolsa pro rapaz segurar.
Só uma coisa: adorei ser chamado de rapaz!
Feirante 2: É, essa velha trabalha pro tráfico. Já não é a primeira vez que ela se mete em confusão.
Feirante 3: Ela mora num beco ali do outro lado da rua. Perto da casa do meu cunhado. Essa velha não presta.
Mais meia-dúzia de feirantes se manifestou, antes de irmos para a delegacia. Lá, a confusão se transformou em protesto. Antes, alguém perguntou o meu nome:
Adalberto: É Adalberto.
Alguém: A gente pode abreviar seu nome?
Eu estava assaz tenso, que essa pergunta soou tão inofensiva quanto um "já posso servir o cafezinho?".
Alguém: Hein, pode?
Adalberto: Pode.
Foi lindo ouvir os feirantes todos gritando "Ente, ente, ente, o Adalber é inocente". Achei criativo da parte deles, porque já abreviaram o meu nome das mais diversas maneiras, mas nunca me chamaram de Adalber. Era algo novo pra mim. Como tudo ali.
Quando saímos da delegacia, fiz questão de passar na feira e pagar uma rodada de chope pra todo mundo. Eu entrei no cheque especial, por causa dessa presepada, mas o povo me amou por isso.
Sem saber como retribuir o amor por mim daquela gente que dá um duro na feira pra conseguir colocar comida dentro de casa, decidi me candidatar ao cargo de deputado estadual. Só com o dinheiro público, eu conseguiria mudar a vida deles.
O slogan da minha campanha era "Adalber - Pela riqueza dos feirantes". Eu queria aquela gente muito rica, apesar de não ter a mínima ideia sobre como promover essa mudança. Só tinha uma certeza: quando virasse deputado, eu ia dar um jeito.
O problema é que as eleições aconteceram alguns meses depois e eu não fiz corpo-a-corpo nas ruas, por causa da minha claustrofobia. Resultado: os feirantes esqueceram de mim e eu só tive o meu próprio voto.
A minha mãe anotou o meu número errado e acabou votando num dono de uma rede de supermercados. O meu pai votou nulo, porque não queria que eu me metesse com política. Minha irmã e meu cunhado justificaram o voto, porque estavam viajando. A Lu e a Ane já tinham vendido seus votos pra outro candidato, a Sara foi obrigada a votar num amigo do Oswaldo e a Marjorie aderiu à campanha do meu pai, de não querer que eu entrasse pra vida pública. Droga! Eu juro que queria ter entrado pra vida pública. Desde o dia da confusão na feira, confesso, o sucesso mexeu com a minha cabeça.
Depois da derrota nas urnas, ainda pensei em fazer um cursinho intensivo de teatro e experimentar uma outra forma de ficar famoso, mas estava tão caro, que decidi continuar levando a vida anonimamente.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
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