quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Adalber - Pela riqueza dos feirantes

Essas eleições de agora me fizeram lembrar um momento engraçado da minha vida. Eu nunca tinha ido à feira, porque tenho claustrofobia e acho que é o maior programa de índio ao ar livre que existe, mas, há mais ou menos cinco anos, resolvi acompanhar a Lu nessa aventura.

Lu: Viu como não é tão ruim quanto você imaginava?

Adalberto: É. Tirando a gritaria, o cheiro de peixe e algumas pessoas que não pedem licença pra passar...

Lu: Um show de música pode ser pior.

Adalberto: Dependendo do artista, qualquer coisa pode acontecer, que eu vou achar o show perfeito.

Lu: Até confusão?

Adalberto: Contanto que eu não esteja envolvido...

Lu: Cruz credo. Aqui, você nunca vai ver isso.

Nessa hora, fomos interrompidos por uma velhinha com cara de fofinha.

Velhinha: Você pode segurar aqui pra mim, só pra eu descansar o meu braço?

Lu: Coloca no chão, senhora.

Adalberto: Lu, o que é isso? Me dá aqui, senhora.

Velhinha: Brigada, meu filho. Eu vou aqui rapidinho comprar um refrigerante, tá? Tô morrendo de sede. Você toma conta da minha bolsa?

Adalberto: Claro. Vai lá, sem pressa, que eu espero a senhora aqui, tá bom?

Velhinha: Brigada, meu filho. Deus lhe pague.

Adalberto: Amém.

Lu: Agora, tu vai ter que ficar parado aí, esperando essa velha safada voltar.

Adalberto: Ai, Lu, que coisa feia.

Lu: Eu ainda tenho que comprar pêra.

Adalberto: Vai lá, que eu te espero aqui.

Lu: Tá.

Um minuto depois, um policial vinha a minha direção. Eu, obviamente, não estava nem aí pra ele. Só que eu estava segurando um carregamento de drogas de fazer inveja a qualquer facção criminosa e não sabia. Quando eu sendo levado pra delegacia, cruzei com a Lu, puxando a senhorinha pelo colarinho:

Adalberto: Foi essa safada que me deu essa bolsa pra segurar.

Velhinha: Eles tentaram me matar, eu tive que sair correndo.

Lu: Mentira. Ela tem essa carinha de boazinha, mas é uma safada. Eu vim comprar pêra e dei de cara com ela trocando de roupa atrás da Kombi do caldo de cana. Achei suspeito e vim ver qual é a dela.

Velhinha: É mentira, meu senhor. Eles estão falando isso, porque eu não aceitei levar essa bolsa cheia de drogas pra casa. Eles me coagiram.

Adalberto: A senhora tá mentindo.

Policial: Vamos todos pra delegacia.

Nesse momento, vi que a feira pode ter gente gritando, cheiro de peixe e algumas pessoas que não pedem licença ao passar, mas apesar disso tudo, é um lugar de justiça. Eu nem tinha me dado conta que havia uma roda de gente em torno de nós, tamanho era o meu nervosismo, quando alguém se manifestou.

Feirante 1: O senhor não vai levar o rapaz, não. Eu sou daqui da barraca do peixe e vi muito bem essa senhora entregando a bolsa pro rapaz segurar.

Só uma coisa: adorei ser chamado de rapaz!

Feirante 2: É, essa velha trabalha pro tráfico. Já não é a primeira vez que ela se mete em confusão.

Feirante 3: Ela mora num beco ali do outro lado da rua. Perto da casa do meu cunhado. Essa velha não presta.

Mais meia-dúzia de feirantes se manifestou, antes de irmos para a delegacia. Lá, a confusão se transformou em protesto. Antes, alguém perguntou o meu nome:

Adalberto: É Adalberto.

Alguém: A gente pode abreviar seu nome?

Eu estava assaz tenso, que essa pergunta soou tão inofensiva quanto um "já posso servir o cafezinho?".

Alguém: Hein, pode?

Adalberto: Pode.

Foi lindo ouvir os feirantes todos gritando "Ente, ente, ente, o Adalber é inocente". Achei criativo da parte deles, porque já abreviaram o meu nome das mais diversas maneiras, mas nunca me chamaram de Adalber. Era algo novo pra mim. Como tudo ali.

Quando saímos da delegacia, fiz questão de passar na feira e pagar uma rodada de chope pra todo mundo. Eu entrei no cheque especial, por causa dessa presepada, mas o povo me amou por isso.

Sem saber como retribuir o amor por mim daquela gente que dá um duro na feira pra conseguir colocar comida dentro de casa, decidi me candidatar ao cargo de deputado estadual. Só com o dinheiro público, eu conseguiria mudar a vida deles.

O slogan da minha campanha era "Adalber - Pela riqueza dos feirantes". Eu queria aquela gente muito rica, apesar de não ter a mínima ideia sobre como promover essa mudança. Só tinha uma certeza: quando virasse deputado, eu ia dar um jeito.

O problema é que as eleições aconteceram alguns meses depois e eu não fiz corpo-a-corpo nas ruas, por causa da minha claustrofobia. Resultado: os feirantes esqueceram de mim e eu só tive o meu próprio voto.

A minha mãe anotou o meu número errado e acabou votando num dono de uma rede de supermercados. O meu pai votou nulo, porque não queria que eu me metesse com política. Minha irmã e meu cunhado justificaram o voto, porque estavam viajando. A Lu e a Ane já tinham vendido seus votos pra outro candidato, a Sara foi obrigada a votar num amigo do Oswaldo e a Marjorie aderiu à campanha do meu pai, de não querer que eu entrasse pra vida pública. Droga! Eu juro que queria ter entrado pra vida pública. Desde o dia da confusão na feira, confesso, o sucesso mexeu com a minha cabeça.

Depois da derrota nas urnas, ainda pensei em fazer um cursinho intensivo de teatro e experimentar uma outra forma de ficar famoso, mas estava tão caro, que decidi continuar levando a vida anonimamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário