sábado, 28 de agosto de 2010

Ane namora reencarnação da tia Nonô, com direito a respiração barulhenta e suor grosso

Outro dia, saindo do apartamento de uma amiga em Copacabana, encontrei com a Ane chegando ao hall do prédio, com um cara de respiração barulhenta e suor grosso.

Ane: Garoto, o que é que tu tá fazendo aqui?

Adalberto: Eu venho sempre aqui, na casa da Wal. Você que é novidade na área.

Ane: Mas, agora, eu também vou ser habitué desse prédio, né, amor?

Rosenverg: É.

Adalberto: Legal.

Ane: Adal, esse é o Rosenverg. A gente se conheceu ontem, mas parece que tem anos. Já devia estar escrito o nosso encontro.

Adalberto: Ah....

Rosenverg: A Ane me fala muito de você. Sabe, Adal, eu acho que nunca me senti tão realizado no amor. Eu não sei te explicar. Nesse pouco tempo que nós estamos juntos, as maiores desgraças poderiam acontecer no mundo, faltar água, comida, oxigênio, que, ao lado dessa mulher aqui, eu não ia me importar com nada.

Realmente, se faltar oxigênio, ele não vai ter com o que se preocupar.

Pelo visto, a Ane também não tá se importando pras besteiras que o Gosen..., Roten... Ai, que nome difícil de falar.

Rosenverg: Eu vou fazer um jantarzinho pra gente e você é meu convidado.

Adalberto: Mas, ...

Chamei de mesmo. Ele não chamou de Adal?

Rosenverg: Nem mais nem menos. Não aceito desculpas.

Ane: Vamo lá pra ver se você aprova, primo.

Eu até que estava com um pouco de fome, mas tudo o que eu menos queria era comer alguma coisa feita por esse cara, com respiração barulhenta e suor grosso. A camisa dele, que era branca, estava amarelada de tanto suor. Parecia gordura. Isso me lembrou a tia Nonô. Só ela tinha respiração barulhenta e suor grosso. E detalhe: ela era uó.

Enquanto o preparava a comida, eu e a Ane conversávamos na sala:

Ane: Que bobeira, Adal.

Adalberto: Bobeira, não, Ane. Por causa da tia Nonô, eu fiquei um bom tempo sem dar bom dia, boa tarde e boa noite pras pessoas.

Ane: Não fala besteira, garoto. Eu não lembro disso.

Adalberto: Claro. Você era mais nova do que eu, quando ela obrigava a mim e a minha irmã a dar bom dia, boa tarde e boa noite toda autoritária lá na casa da tia Cléa. Eu acho que era implicância com a minha mãe. Ela nunca expôs você e as meninas ao ridículo, porque babava o maior ovo das minhas tias...

Ane: Cala a boca, garoto!

Adalberto: Tô te falando...

Ane: A Camila também não gostava de tia Nonô?

Adalberto: Tinha pavor. Mas, também, depois que ela ficou meio gagá, parou de pegar no nosso pé e até ensaiava umas demonstrações de carinho em público.

Ane: Eu lembro de um aniversário que você deu o primeiro pedaço de bolo pra ela.

Adalberto: Eu sempre dei o primeiro pedaço de bolo pras pessoas mais improváveis das minhas festas. Ela não podia ficar de fora.

Rosenverg: Prontinho... O jantar tá na mesa.

E essa foi uma das piores notícias dos últimos tempos. O estava três vezes mais suado do que quando eu o conheci há poucas horas e com a respiração ainda mais barulhenta.

Rosenverg: Tá chorando, Adal?

Adalberto: Não. É que, quando você colocou a tigela na mesa, caiu um pingo de suor no meu olho. Só tô limpando...

Rosenverg: Caramba, ficou vermelhão.

Claro. Suor grosso é ácido puro.

Ane: Quer lavar, Adal?

Adalberto: Quero. Posso ir ao banheiro?

Rosenverg: Claro. Aqui é a sua casa. Fica à vontade.

Adalberto: Brigado. Já volto gente.

Detalhe, eu errei a porta do banheiro e entrei num quarto com três crianças amordaçadas, sentadas num canto, no chão. Só que eu sou tão lerdo, às vezes, que penso em todas as hipóteses, menos na óbvia. Voltei pra sala desesperado. A dor no olho até passou.

Adalberto: Gente, entraram aqui no apartamento e esconderam três crianças lá dentro.

O ficou rindo e eu fiquei com ódio mortal dele, por causa disso.

Rosenverg: São meus filhos. Vieram passar o fim de semana comigo. Estão de castigo, porque não têm educação. Quando mãe deixou eles aqui, entraram em casa e nem sequer me deram bom dia. Odeio criança que não dá bom dia, boa tarde e boa noite.

O cara era a reencarnação da tia Nonô! Só podia. Imagina se ele descobrisse que eu fui uma criança tal qual os filhos dele? Ele ia me amordaçar no quarto!

Ane: Que cara é essa, Adal?

Eu não podia falar, senão, ia ser mais uma vítima da reencarnação da tia Nonô.

Adalberto: Ã?

Ane: Que cara é essa, Adal?

Porra, a Ane é foda. Insistiu na porra da pergunta. O pior é que eu estava com uma coisa na cabeça, querendo falar outra e acabei me enrolando.

Adalberto: Eu esqueci de dar bom dia pra Wal.

Ane: Ã?

Ai, meu Deus!

Adalberto: Esqueci a minha carteira na casa da Wal!

Rosenverg: Ah, bom. Pensei que também estava querendo ir pra mordaça.

Fiquei apavorado.

Adalberto: Não, por favor!

Ane: Adal, que desespero é esse? O está brincando.

Adalberto: Ane, eu preciso pegar minha carteira. A Wal é cleptomaníaca e todo o meu dinheiro tá lá. Dá licença.

Essa foi a pior desculpa que eu inventei na minha vida. Por causa disso, depois do sumiço de uma porcelana no hall do prédio, o acusou a Wal de roubo e deu a maior merda.

Eu pensei em denunciar esse cara pelos maus tratos com os filhos, mas tive medo dele descobrir que fui eu e fazer alguma coisa comigo. Até hoje eu tenho trauma de gente que tem respiração barulhenta e suor grosso.

A droga é que a Wal não sofre desse trauma e não teve medo na hora de denunciar o para a Polícia, pela maneira como ele maltrata os filhos. Pegaram o cara em flagrante com uma arma apontada na cabeça de um dos filhos.

Isso me fez lembrar o dia em que a tia Nonô me fez comer arroz com frango, mesmo sabendo que eu não comia ave por nada nesse mundo, com uma faca apontada para mim. Uma pena que, naquela época, o tema violência doméstica não era tão debatido...

Pro meu alívio, o foi preso e o contrato do apartamento da Wal venceu. Ela não quis renovar, porque ficou com fama de cleptomaníaca. Pra completar, a Ane descobriu uma traição do com a síndica do prédio e terminou o namoro. Ufa!

Depois de um tempo, esse fato foi motivo de zoação. Quer dizer, tirando eu, qualquer pessoa no mundo era capaz de achar graça desse louco que tem respiração barulhenta e suor grosso.

Ane: Wal, você precisava ver. Quando esse louco voltou do quarto com as criancinhas amordaçadas, estava sem respiração e suando frio.

Eu estava tão blasé, que as gargalhadas delas nem me incomodaram.

Wal: Bem feito.

Adalberto: Melhor ficar sem respiração e suar frio, do que ficar com a respiração barulhenta e o suor grosso.

Wal: Por sua culpa, eu passei a ser chamada de ladra por todo mundo lá no prédio.

Ane: Ai, Adal, só você mesmo.

É... Fazer o quê?

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