Fui contra a minha vontade pro sítio do carinha que a Marjorie estava ficando há umas duas semanas. Ela fez chantagem emocional e eu caí na armadilha. Se bem que, no dia, tentei pular fora do barco:
Marjorie: Como assim desistir?
Adalberto: Você não tinha me falado que esse evento seria praticamente um ensaio técnico de carnaval da Mangueira. Você sabe que eu odeio a Mangueira.
Marjorie: Quem falou que vai ser um ensaio da Magueira?
Adalberto: Você.
Marjorie: Eu disse que o pessoal de lá é todo mangueirense e que era provável que ia rolar muito samba.
Adalberto: Samba da Mangueira, claro.
Marjorie: E daí?
Adalberto: Praticamente um ensaio técnico de carnaval da Mangueira, ué.
Marjorie: Garoto, você tá maluco? Não foi você que disse que não ia mais alimentar rivalidade boba contra flamenguistas, paulistas e argentinos?
Adalberto: Foi.
Marjorie: Esqueceu que você dizia que não gostava de mangueirense, porque todo mangueirense é flamenguista?
Adalberto: Esqueci. Mas você me lembrou e eu decidi que não tenho mais nenhuma desculpa pra não ir no sítio do Cleilton.
Que merda.
Para minha surpresa, os mangueiresnes-flamenguistas estavam ouvindo MPB, conversam sobre política, tomavam vinho e tinha filhos muito bem educados. Um cenário que o meu preconceito jamais poderia imaginar. Eu nem me lembro se, em algum momento, tocou algum samba.
Marjorie: Tá gostando?
Adalberto: Não.
Marjorie: Por quê?
Adalberto: Só tem casal com filho aqui.
Marjorie: Pois é. Tenho que fazer o meu urgentemente. Tô me sentidno um peixe fora d´água.
Adalberto: E eu tô me sentindo um estudo de caso.
Pro meu azar, o Poodle Toy do Cleilton veio brincar comigo. Poucas coisas conseguem ser mais irritantes do que um Poodle Toy.
Cleilton: Que bom que você arrumou um amiguinho.
Adalberto: Tá vendo?
O pior é que quanto mais brinco com um Poodle Toy, mais gosto do ser humano.
Marjorie: Adal, o Fluc é lindo, né?
Adalberto: Eu não acho. Tô brincando com ele por mera conveniência.
Marjorie: Quer alguma coisa pra comer? Uma carne, um pão de alho, um queijo coalho...
Adalberto: Quero ir embora.
Marjorie: Já?
Adalberto: Pelo amor de Deus.
Marjorie: Só mais meia-horinha.
Adalberto: Quinze minutinhos.
Eu sabia que meia-horinha da Marjorie significava uma hora.
Marjorie: Tá bom.
Meia-hora depois, fui chamá-la.
Marjorie: Eu já ia te chamar. Tá na hora, né?
Adalberto: Tá.
A despedida foi uma das experiências mais desgastantes da minha vida. Entre apertos de mãos e dois beijinhos, fui obrigado a ouvir comentários, que davam conta de que eu estava cometendo a maior das vilanias, em tirar minha prima da companhia do namorado.
Eu não estava tirando a minha prima da companhia do namorado. Eu estava fazendo aquilo por mim.
No carro, achei que a Marjorie fosse querer me matar. Mas, pra minha surpresa, ela me agradeceu:
Marjorie: Adal, muito obrigado por me tirar dali.
Adalberto: Ué, você nãos estava gostando?
Marjorie: Não.
Adalberto: Não?
Marjorie: Não.
Adalberto: Mas pareceu que sim.
Marjorie: Garoto, o Cleilton fica o tempo todo me observando. Eu não podia demonstrar a verdade. Fora que ele sabe fazer leitura labial.
Adalberto: Jura?
Marjorie: Ele trabalha com investigação criminal.
Adalberto: Ele te falou se eu cometi algum crime ali?
Marjorie: Você deu osso de galinha pro Fluc.
Adalberto: Ele viu isso?
Marjorie: Viu.
Adalberto: Mas só foi isso de errado, né?
Marjorie: Não. Você limpou a mão de gordura na piscina, jogou gordura de carne no telhado da vizinha e nunca fechava o isopor direito, cada vez que pegava uma lata de cerveja.
Adalberto: Caramba, ele reparou nisso tudo?
Marjorie: Não só nisso tudo. Ele achou meu vestido muito curto, reclamou do jeito que eu desprezava uma mulher que chamava o marido de pai e cismou que eu estava dando confiança pro marido de uma loura velha que estava lá.
Adalberto: O seu vestido, realmente, é curto. Mas ele não tem nada a ver com isso. Desprezar uma pessoa que chama o marido de pai é mais do que correto.
Marjorie: Não é?
Adalberto: Só ficar dando confiança pra outro cara, que pode ser considerado ilícito, mas se o Cleilton se revelou um babaca questionador, e a mulher do cara, além de loura velha, é chata, eu não te condeno.
Marjorie: Brigada, primo. Por isso que eu te amo.
Adalberto: Pra onde a gente vai agora?
Marjorie: Pra quadra do Salgueiro.
Adalberto: Sério?
Marjorie: Muito sério. Vamo comemorar o fim do meu relacionamento com o babaca-questionador-mangueirense-flamenguista.
Senti alguma coisa de vingança no ar, além de uma dose bem fraca de preconceito. Mas confesso que adorei a ideia de ir pra quadra do Salgueiro.
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