quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O primeiro e famigerado desejo da Sara

Eu não tinha a menor condição de trabalhar na segunda-feira passada, de tanto que eu bebi na noite de domingo. O pior é que, além da ressaca, rolava um enjoo forte. Não conseguia~olhar pra comida nem pra qualquer coisa que me remetesse à comida, que me dava vontade de vomitar. Ou seja, eu não podia ir até a cozinha da minha própria casa, com aqueles azulejos com desenhos de frutas, se eu precisasse de água.

No meio da noite, o meu celular tocou. No começo, eu não sabia se era sonho ou realidade. Mas, pra minha tristeza, era realidade:

Sara: Primo, estava acordado?

Adalberto: Quem é?

Sara: Sou eu, Adal, Sara.

Adalberto: É muito urgente?

Sara: É.

Adalberto: Alguma coisa com os bebês?

Sara: Lógico.

Fiquei sóbrio na hora. A gravidez da Sara era de risco.

Adalberto: O que aconteceu?

Sara: Os seus afilhadinhos estão querendo comer gelatina de morango com queijo cheddar.

Putz. Só de pensar nessa combinação infame, o meu estômago embrulhou.

Adalberto: Como assim, Sara? Eles ainda não têm nem sexo e já querem comer um absurdo desses?

Sara: Você não disse que queria saber quando eu sentisse o primeiro desejo?

Adalberto: Mas você podia esperar pra me contar dentro do horário comercial, né, prima?

Sara: Ai, Adal, é que aqui em casa não tem gelatina de morango. Você tem aí na sua?

Eu tinha. Aliás, era só o que eu tinha de sobremesa na minha casa, mas a preguiça falou mais alto.

Adalberto: Lindona, vou ficar te devendo essa.

Sara: E os seus afilhados vão nascer com cara de gelatina com queijo cheddar?

Adalberto: Sarita, tem como a gente chamar esse abuso gastronômico de desejo x?

Sara: Por quê?

Adalberto: Eu tô passando mal. E o seu desejo x tá me dando enjoo.

Sara: Sabe que eu ainda não tive enjoo nessa minha gravidez?

Adalberto: Pois é, acho que, no momento, eu tô mais grávido do que você. Um a zero pra mim.

Sara: Mas você tá precisando de alguma coisa? quer que eu vá aí cuidar de você?

Adalberto: Não, Sara. Eu não vou tirar uma mulher grávida de casa pra cuidar de mim a uma hora dessas. Iam me sacanear pro resto da minha vida.

Sara: Que besteira. Se quiser, eu pego um táxi e chego aí rapidinho.

Adalberto: Cadê o Oswaldo?

Sara: Tá dormindo. Por quê? Você sabe de alguma coisa? Ele não vai ouvir, eu tô na sala, me fala.

Adalberto: Nada, Sara. Foi só uma pergunta. Para com essa neurose. Você tá grávida do cara e fica desconfiando de cada passo dele...

Sara: Desconfio mesmo. Duvido que eles esteja sonhando comigo. Tá com um sorriso no rosto. Comigo ele não fica assim. Quando acordar, vou querer saber quem era a piranha que estava com ele no sonho. Você vai ver.

Adalberto: Amore, foco no seu desejo. Nos bebês. Quando ele acordar, em vez de você ter um ataque de ciúme, pede pra ele realizar o seu desejo x.

Sara: Tá maluco. Eu preciso comer qualquer coisa agora. Um abacaxi com molho shoyo caía bem, hein...

Porra, segurei pra não vomitar. Precisava acabar com essa conversa o quanto antes.

Adalberto: Sarita, vamos chamar isso de desejo y.

Sara: O abacaxi desapareceu da geladeira. O Oswaldo comeu tudo e, agora, fica ali, sonhando com uma lambisgoia.

Adalberto: Pensa em outra coisa. Dá uma olhada no que você tem em casa e dá asas à criatividade. Essa não é a Sara que eu conheço. Vai lá. Você consegue.

Sara: Adal, espera. Me dá uma ideia.

Adalberto: Amore, a minha criatividade não vai alcançar a sua necessidade.

Sara: Humm... Estava dando uma olhada aqui no que eu tenho. Tô em dúvida entre carne moída com sorvete napolitano, pasta de atum com groselha ou creme de alho com Sal de Frutas Eno.

Caralho, que nojo! Fui correndo pro banheiro. Não tive nem tempo de sugerir a ela de chamar essa gororoba de desejo z.

Sara: Adal, Adal...

Vomitei até, provavelmente, a minha apaguei no banheiro mesmo. Acordei num hospital, tomando soro na veia. A sala estava vazia e eu estava ficando entediado, louco pra descobrir como eu fui parar ali. Quando estava prestes a enlouquecer, arrancar aquele soro da minha veia e sair correndo sem rumo, a Sara entrou no quarto:

Sara: Primo! Não tira isso.

Adalberto: Como é que eu vim prar aqui?

Sara: Eu fui com o Oswaldo te buscar. Do nada você parou de falar no telefone. Fiquei preocupada. Graças a Deus não foi nada.

Ela falou, falou, mas não explicou o porquê de eu estar ali. Eu não insisti. Estava com vergonha do que podia ser.

Adalberto: Onde você estava agora?

Sara: Estava comendo uma ameixa com molho de tomate.

Vomitei ainda mais. E lembrei como fui parar ali. O melhor foi que o vômito respingou no vestido da Sara, de modo que ela teve que ir embora pra casa trocar de roupa.
E eu não ouvi mais falar em coisas muito exóticas pra se comer até receber alta do hospital.

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