O meu Dia dos Namorados foi sensacional. Fiquei em casa assistindo a todas as comédias românticas , que os canais a cabo transmitiram. E gostei. Eu tinha um preconceito enorme com esse gênero. Me incomodava aquela previsibilidade de um casal se ama, briga nos quinze primeiro minutos do filme, depois fica mais ou menos uma hora e meia tentando se matar, até que alguma coisa nada relevante acontece e eles voltam a se amar. Aí, sobem os créditos finais e você não tem a menor pista de como é viver feliz para sempre.
Enfim, entre uma noiva que fugia no dia do seu casamento e uma mulher que achava que a sua relação estava em crise, porque o marido não percebeu o novo corte de cabelo, a Sara me ligou:
Sara: O Oswaldo não comprou nada pra mim.
Adalberto: E daí? Você não é namorada do Oswaldo. É a mulher dele.
Sara: Mas ele sempre me deu.
Adalberto: Sempre deu, mas chega uma hora que para de dar. Com o meu pai e a minha mãe também foi assim. Liga, agora, pra minha mãe e pergunta se ela ganhou alguma coisa do meu pai.
Sara: Mas comigo é diferente, primo.
Adalberto: Claro que você é diferente. Você, praticamente, obriga o Oswaldo a te dar presente de Dia dos Namorados, aniversário, aniversário de casamento, Dia Internacional da Mulher... Até Dia das Crianças!
Sara: E ele sempre me deu. Você acha que tá acontecendo alguma coisa?
Adalberto: Como assim?
Sara: Alguma mulher, Adal!
Adalberto: Ah, Sarita, você só pensa nisso. Claro que não. O Oswaldo tá super feliz com os trigêmeos, curtindo à beça a sua gravidez. Fora que ele tá gastando uma grana com o enxoval de três. Aliás, esse deve ser o motivo pra ele não te comprado nada pra você. Um filho já é muita despesa. Imagina três...
Sara: Verdade.
Adalberto: E vai se acostumando a não receber mais presente no Dia das Crianças, depois que os bebês nascerem.
A campainha tocou. Era a Ane:
Adalberto: Posso saber aonde você vai assim, toda bonita?
Ane: Claro. Vou sair com o Arleildo.
Adalberto: E posso saber quem é Arleildo?
Ane: Lógico. É o meu futuro namorado.
Adalberto: Humm, que coisa boa. E posso saber onde vocês se conheceram?
Ane: Óbvio. Na The Week.
Adalberto: Legal. A The Week, apesar de ser uma boate gay, é bastante freqüentada por héteros.
Ane: Mas que disse que ele é hétero?
Adalberto: Ah, ele não é hétero?
Ane: Não.
Adalberto: E o que é que um cara que é gay vai querer com você?
Ane: Tudo. Eu tenho muito pra dar prum cara que é gay, sabia?
Adalberto: Sabia. Mas o que você tem pra dar, ele dispensa.
Ane: Mas o Arleildo é diferente. Eu vi como ele me olhava.
Adalberto: Então, de repente, o cara não é gay.
Ane: É, sim!
Adalberto: Calma. Amigo...
Ane: Ele estava beijando outro cara. Eu vi.
Adalberto: De repente, ele é bi.
Ane: Ah, não! Não aceito um bissexual.
Adalberto: Ué, mas se o cara sentiu atração por você, ele é bissexual.
Ane: Mas eu quero ser exceção. A única na vida dele. Que nunca vai trocada por nenhuma outra.
Adalberto: Mas que pode ser trocada por outro. Olha só que diferente.
Ane: Ai, Adal, vira essa boca pra lá.
Voltei aos meus filmes. E na hora que o mocinho ia beijar a mocinha e eu, talvez, passasse a levar em consideração o amor eterno, chegou no meu celular um torpedo da Lu com o seguinte. “Dia dos Namorados de cu é rola. Viva a vida dupla!”. Ou seja, ela obviamente estava saindo com um homem comprometido.
Nisso, a Marjorie me ligou:
Marjorie: Adal, preciso de um ombro amigo.
Adalberto: Bom, o meu ombro, além de amigo é primo. Serve?
Marjorie: Serve. Tô indo aí agora.
Adalberto: Tá.
Medo!
Cinco minutos depois, a campainha tocou. A Marjorie costuma pisar forte no acelerador, mas não tinha como ser tão veloz, assim, do Leblon ao Recreio. Era a Lu. Com um olho roxo:
Lu: Primo, preciso de um ombro amigo.
Putz, dessa vez, eu não escapo da escoliose. Bom, um ombro já estava reservado pra Marjorie, mas eu ainda tinha o outro.
Adalberto: O que foi que aconteceu?
Lu: O carro do idiota que eu estava saindo é rastreado por satélite. A mulher dele foi atrás da gente e me pegou na porrada.
Bem feito! Quem mandou ficar com homem casado?
Adalberto: Tadinha. Vem cá, meu amor. Eu vou cuidar de você.
Mais uma vez a campainha.
Adalberto: Deve ser a Marjorie: Ela tá vindo pra cá.
Era a Ane:
Ane: Primo, preciso do seu ombro amigo?
Bom, enquanto a Marjorie não chegava, ela podia usar o ombro. Qualquer coisa, depois eu poderia realocá-la prum joelho, cotovelo ou calcanhar amigo, sei lá...
Ane: O Arleildo não queria nada comigo. Ele só queria o meu vestido emprestado pra ir na Parada Gay de Aão Paulo na semana que vem.
Fiz uma cara de lamento. E essa foi a reação mais profunda que eu pude ter, em relação a isso.
A porta ainda estava aberta, quando a Sara aos prantos:
Sara: Primo, preciso de um ombro amigo.
Ombro vago eu não tinha mais. Mas eu podia terceirizar os ombros da Ane e da Lu, se ela não se importasse.
Adalberto: O que foi, lindona?
Sara: Eu fui perguntar pro Oswaldo por que ele não comprou nada pra mim de Dia dos Namorados e sabe o que foi que ele me disse?
Adalberto: O quê, amor?
Sara: Que ele esqueceu.
E eu só tive o trabalho de acionar a mesma cara de lamento, que eu tinha desfeito há poucos segundos.
E eis que chegou a Marjorie:
Adalberto: Antes de qualquer coisa que você tiver pra falar, se isso te servir como consolo, tá todo mundo aqui na merda.
Marjorie: Jura? Tadinhas.
Adalberto: Ué, mas você também não tá na merda? Não precisava de um ombro amigo?
Marjorie: Precisava! Pretérito Imperfeito de Indicativo!
Adalberto: Que coisa boa! E o que foi que aconteceu no Presente do Indicativo pra você mudar de humor, posso saber?
Marjorie: Pode. Eu realizei que tenho saúde, dinheiro, amigos e uma família lindíssima pra ficar chorando por causa de homem.
Adalberto: Mas como você foi capaz chegar a essa conclusão inteligentíssima?
Marjorie: Descobri que o cara é casado, pobre e não tem dinheiro. Não preciso mais do seu ombro amigo, primo. Preciso de um engradado de cerveja e muitas gargalhadas.
E essa foi a melhor sugestão do dia. Todas aderiram ao projeto, com exceção da Sara, que ficou no Guaraná Antarctica, como sempre. E o meu ombro amigo sequer foi lembrado, depois do primeiro copo.
Sabe que eu acho? Todo Dia dos Namorados podia ser assim...
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