Eu, Ane, Lu e Sara elegemos o último sábado como o Dia do Chique. Mais uma das invenções da Ane. Enfim, nesse dia, a gente tem que se vestir chiqueterrimamente (eu fiz o que pude) e ir pra um restaurante carésimo arregaçar. Aproveitamos para comemorar os cinco meses de gravidez da Sara.
Quando o garçom chegou com o meu prato, tive a primeira decepção:
Adalberto: Porra, essa merda de coq au vin é frango?
Ane: Frango ao vinho tinto, ué.
Adalberto: E por que você não avisou, quando eu pedi? Esqueceu que eu não como frango?
Ane: Não. Achei que você tivesse vencido o seu trauma de infância.
Adalberto: Claro que não. Quem é que consegue vencer um trauma de infância?
Sara: Sabe que com a gravidez, eu parei de ter medo de escuro?
Adalberto: Sério? Eu morro de medo de escuro. Preciso engravidar urgentemente.
Ane: Eu adoro o escuro. Dormir no escuro. Blackout total.
Lu: Eu também adoro escuro. O meu escuro. O Zéfiro.
Adalberto: Quem é Zéfiro, gente?
Lu: Aquele jardineiro, que eu to pegando.
Adalberto: Ah...
Lu: Ele é escuro, ué. Negão. Adoro dormir no Zéfiro.
Sara: Adal, você quer trocar de prato comigo?
Adalberto: Qual você pediu?
Sara: Pedi uma raita de tomate e pepino.
Adalberto: Isso é chique?
Sara: Tudo aqui é chique, primo.
Adalberto: Tem frango?
Sara: Não. Não tem nada de carne.
Adalberto: Eu quero. Será que demora?
Sara: Não. O garçom já deve estar trazendo. Vou aqui no banheiro e já volto.
Lu: Leva a bolsa. Tem uns sabonetinhos coloridos lindos lá. Mete a mão.
Sara: Podexá.
A Ane pediu um magret de pato ao molho de mel e a Lu, ensopado de vitela à provençal (do qual eu MORRI DE INVEJA). Enquanto esperávamos a Sara para comer, tiramos VÁRIAS fotos dos nossos pratos chiques com o Iphone da Ane que, imediatamente, foram postadas e devidamente marcadas no Facebook. Ou seja, cumprimos o item “Como proceder em um restaurante chique”, da cartilha “Vida de emergente e luxo”.
Quando a Sara voltou do banheiro, veio a segunda decepção da noite:
Sara: Gente, tem uma mulher sem noção lá no banheiro, passando um óleo de morango no corpo MEGA enjoativo. Tô passando mal.
Ane: Sério? Eu acho que eu sei qual é. Eu tinha uma secretária que usava uma porra dessas. O negócio é chique pra caramba, mas tem um cheiro que me embrulha o estômago. Eu demiti ela por isso. Não aguentava.
Lu: Pegou os sabonetes, Sarita?
Sara: Ih, esqueci minha bolsa lá no banheiro. Tá cheia de sabonete. Pega lá pra mim, Lu.
Lu: Ô, cabeça de vento. Vou lá.
Sara: Eu to meio tonta. Acho que vou vomitar.
Adalberto: Quer ir embora? Eu te levo.
Sara: Não, Adal. Vou esperar um pouco. Pede uma água pra mim?
Adalberto: Claro. Garçom!
Meio minuto depois, a Lu voltou. Sem bolsa. Terceira decepção.
Lu: Caralho, o cheiro é pior do que eu imaginava. Não consegui passar da porta do banheiro. A minha moussaka subiu até a garganta. Quase botei os bofes pra fora. Que merda de cheiro é esse, gente?
Ane: Garota, tô te falando que eu demiti uma filha da puta, que usava um óleo desse lá na empresa?
Lu: Esse óleo tem que dar demissão por justa causa.
Adalberto: Ai, gente, que exagero.
Lu: Não é exagero, Adal, essa porra é maldita. Eu quero vomitar.
Adalberto: Calma, senta e bebe um pouco da água da Sara.
Sara: Ane, vai lá pegara minha bolsa.
Ane: Eu não entro nesse banheiro de jeito nenhum.
Quarta decepçao.
Adalberto: Mas, pelo tempo, a pessoa que passou o óleo já deve ter saído de lá.
Ane: Mas o cheiro fica, Adal. É maldito mesmo.
Adalberto: Eu vou lá.
Esperei o momento certo para entrar no banheiro. Nem foi difícil. Em restaurante chique, as pessoas não vão ao banheiro. Isso deve estar em algum lugar da cartilha “Vida de emergente e luxo”.
Quando entrei o banheiro estava realmente sem ninguém. Que lugar chique! Bem mais bonito e confortável que o meu quarto. Realmente, estava com um cheiro fortíssimo do tal óleo de morango. Mas eu caguei pra isso. O espelho daquele banheiro me deixava lindo e isso falava mais alto. Eu queria ser daquele jeito na vida real. Nada podia atrapalhar o meu momento deslumbre. Isso era o que eu achava.
De repente, uma senhorinha saiu de uma das portas do banheiro. Como assim? Gente chique faz necessidades? A Sandy, a Xuxa e o Roberto Carlos também cagam? Nãããããããoooo!
Quinta decepção.
Acordei não sei quanto tempo depois num hospital. A velha tinha me dado uma porrada na cabeça com a bolsa da Sara, que estava pesadíssima. Cheia de sabonetes roubados do banheiro do restaurante.
Abri os olhos e vi alguma coisa muito semelhante a minha prima Marjorie.
Adalberto: Jojô? O que você tá fazendo aqui? O que eu tô fazendo aqui?
Marjorie: A mãe do Sidésio deu uma bolsada na tua cabeça.
Adalberto: Jura?
Caralho, Sidésio era o carinha que a Marjorie tinha começado a namorar há duas semanas e estava apaixonadíssima. Então, foi a mãe dele me bateu... Sexta decepção.
Marjorie: A velha do óleo de morango.
Adalberto: Cadê ela agora?
Marjorie: Sei lá. Já deve estar em casa com o babaca do filho.
Adalberto: Era pra aquela safada estar pres agora.
Marjorie: Ela? Foi você que entrou no banheiro feminino, primo, esqueceu?
Ups...
Adalberto: Como é que você sabe disso tudo?
Ane: A Marjorie estava lá no restaurante.
Sara: Jantando com o namorado...
MArjorie: Ex.
Lu: ... e a filha da puta da sogra xexelenta.
Adalberto: Mentira!
Ane: Por isso que ela não pôde participar do nosso Dia do Chique.
Lu: E acabou se ferrando.
Marjorie: É. O Sidésio acabou de terminar comigo por torpedo. Tomou as dores da mãe. Idiota.
Adalberto: Que coincidência você no mesmo restuarante que a gente.
Marjorie: Coincidência de merda.
Adalberto: E o que é que essas meninas estão fazendo aí, nessas macas, Jojô?
Ane: A gente caiu dura, quando foi te pegar no banheiro.
Adalberto: Que lindo, meninas. Isso que é preocupação. Acharam que eu tinha morrido.
Lu: E alguém teve tempo pra isso? Aquele cheiro derrubou a gente.
Sétima decepção.
Ane: Adal, comida chique não combina com aquele cheiro bagaceiro.
Adalberto: É tão ruim quanto, né?
Lu: Também acho. Tô fora desse Dia do Chique. O bom disso foi que a gente não pagou a conta.
Marjorie: Eu paguei. Eu fui a única que não passou mal com o cheiro.
Lu: A única chique da família.
Adalberto: Quanto deu, Jojô? Eu te pago depois.
Marjorie: Três mil e quinhentos reais.
Oitava decepção.
Calei mina boca e reforcei minha cara de sofrimento pra fugir do assunto dinheiro. A dor é sempre um bom apelo.
Marjorie: O que foi, primo?
Adalberto: Minha cabeça. Dei uma repuxada agora.
Marjorie: É que você tá falando muito.
Realmente eu estava falando muito! Como eu pude falar que depois eu pagava a ela aquela conta, antes de saber o valor? Por via das dúvidas, nunca mais toquei no assunto. Isso é problema da Marjorie.
Saímos do hospital e fomos pra minha casa. Tiramos a barriga da miséria. Comemos macarrão com carne moída, brigadeiro de panela, sorvete, doce de leite e tomamos MUITA cerveja. A Sara -- como sempre e especialmente agora, que está grávida -- ficou só no Guaraná Antarctica Zero mesmo. Rebatizamos a data com o Dia do Lixão. Nessa brincadeira, eu devo ter engordado, pelo menos, uns 30 quilos.
Nona decepção.
Quando as meninas foram embora, reuni coragem pra tomar banho. A Sara esqueceu em cima da minha estante. Confesso que cheguei a pensar em tomar banho com um dos milhões de sabonetes que ela furtou no restaurante chique. Mas, como em time que tá ganhando não se mexe, preferi usar o meu bom e velho Francis. É barato mas me atende.
Pior é que o meu Francis mal deu pra eu tomar banho. Só tinha uma raspa e o meu estoque havia acabado. Mó merda. Tive que lavar a minha cueca (eu TENHO que lavar a minha cueca no banho; isso é um TOC) com o sabonete chique.
Não sei se é implicância, mas, hoje, fui vestir a cueca pra ir a um jantar com uns amigos do trabalho e vi que ela estava com um furinho. Era novinha...
Décima decepção.
Excluí de uma vez por todas o Dia do Chique do meu calendário. Uma cueca custa muito caro.
E chega de decepções!
quarta-feira, 1 de junho de 2011
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