terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ane fica sem roupa e mata a avó como desculpa

Tinha acabado de deixar o meu carro para consertar no sábado, quando a Ane me ligou.

Ane: Adal, vamos ao shopping comigo? Preciso comprar uma roupa chique para um encontro com um ricaço amanhã cedo.

Adalberto: Amore, eu estou sem carro. Acabei de deixar no conserto.

Ane: Vem de ônibus.

Adalberto: Ah, não.

Ane: Nem por um saco de Serenata de Amor?

Adalberto: Em qual shopping eu te encontro?

Ane: No Nova América.

Eu estava no Recreio, mas não vi problema nenhum em encontrar com ela num shopping, em Inhaúma.

Adalberto: Vou demorar um pouco, porque vou de ônibus, mas me espera.

Ane: Eu também vou demorar um pouco, porque estou fazendo a unha.

Adalberto: Beleza, então. Até já.

Fui para o ponto de ônibus e experimentei de uma situação inusitada. Os caras que passavam com as vans, que fazem transporte coletivo berravam olhando, apenas, para mim o trajeto: Rocinha, Rocinha!

Eu não tenho esse tipo de preconceito, mas, com tanta gente no ponto de ônibus, porque será que aquele cara, praticamente, me comia com os olhos quando gritava “Rocinha, Rocinha!”?

Não sei por quê, mas talvez pelo fato da autoestima das pessoas da favela ser tão baixa, me senti um lixo.

Quando cheguei ao shopping, fui direto à Rua do Rio encher a cara e inflar o ego. A Ane chegou cinco minutos depois.

Ane: Cadê você?

Adalberto: Estou aqui na Rua do Rio tomando um chopinho. Vem cá.

Ane: Adal, eu estou com pressa.

Adalberto: Toma só unzinho comigo.

Ane: está bem.

Depois do milésimo chope que eu achei que tinha tomado, resolvi parar por um motivo de força maior.

Adalberto: Ane, eu estou duro para caramba. A gente está em fim de mês já. Não posso mais beber um copo, senão eu vou falir.

Ane: Está maluco? Quando eu bebo, eu fico rica, querido. Rica! Eu sou RICA!

Adalberto: Eu fico pobre. Pobre! Eu sou POBRE!

Ane: Garçom, mais uma torre de chope aqui, por favor.

Adalberto: Ane!

Ane: Cala a boca!

Quando acabamos de tomar a torre, nos demos conta de que faltam trinta minutos para o shopping fechar.

Ane: Adal, vai pagando aí, que eu já volto.

Eu não tive nem tempo de mandá-la à merda. Paguei a conta sozinho e entrei no cheque especial. Eu não tinha dinheiro nem para ir embora para casa.

Eu estava a ponto de pedir uma carona para o cara da van que grita Rocinha, olhando no fundo dos meus olhos, porque a Ane também entrou no cheque especial e não tinha dinheiro para pegar um ônibus. Ela comprou, praticamente, a loja inteira.

Adalberto: Você é maluca!

Ane: Eu não tinha tempo para experimentar as roupas. Comprei tudo no olho.

Adalberto: Tomara que fique tudo uma bosta em você.

E me prometi nunca mais na vida falar isso para alguém.

Todas as roupas ficaram o lixo na Ane. A cada peça que ela experimentava, eu tinha que segurar o riso.

Ane: E agora?

Adalberto: Troca.

Ane: Mas o encontro com o carinha é amanhã cedo.

Adalberto: Passa no shopping antes.

Ane: As lojas só abrem à tarde.

Adalberto: Vai com alguma roupa sua.

Ane: Não tenho nada.

Como é que as mulheres têm a cara de pau de dizer um absurdo desses? A Marjorie, a Lu, a Sara, a minha irmã e a minha mãe também já tiveram a coragem de assumir essa inverdade. Será que isso só acontece na minha família? Só de vestido, a Ane tinha mais de vinte...

Ane: Adal, você nunca vai entender essas coisas. É coisa de mulher.

Adalberto: Ah, tá. O que você vai fazer, então.

Ane: Primeiro,e u vou chorar copiosamente, assim que você for embora, ao som de “All by myself”. Sofrer com “All by my self” é sofrer com dignidade. Depois, vou aproveitar a voz sofrida, por causa do choro, e matar mais uma vez a vovó.

Adalberto: Como assim?

Ane: Ué, vou dizer que a vovó morreu para ver se o cara se sensibiliza comigo e marca o encontro para outro dia. Não posso perder essa bocada, Adal.

Adalberto: Mas pode zoar com a cara da vovó, que não está aqui para se defender, né?

Ane: Depois, eu acendo uma velinha para ela e está tudo certo.

Para desculpas, as mulheres são tão práticas. Bom, pelo menos, as da minha família.

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