sábado, 16 de março de 2013

Ane atropela sem atropelar e quase vai presa

Na quinta-feira, eu contei uma história triste para o meu chefe e não fui trabalhar. Precisava descansar um pouco. Fiquei em casa a manhã inteira na cama, pensando na desculpa que contaria no dia seguinte para também não trabalhar na sexta. Mas estava sem criatividade. Já tinha usado todas as minhas desculpas para o mês de março nos quinze primeiros dias do mês.

Se fosse pela preguiça, eu ficava em casa deitado o resto do dia, mas eu tinha que almoçar e, na minha dispensa só tinham coisas desconexas, como um pote de milho, pó de café, mostarda escura e aveia. É... Não dava para matar a fome com isso.

E quando eu ia dar a primeira garfada no meu PF, a Ane me ligou.

Ane: Primo, você precisar vir aqui, agora, me socorrer.

Adalberto: Ane, eu estou almoçando. Me liga daqui a um minutinho?

Ane: Garoto, eu estou indo presa. E a Marjorie acabou de desmaiar. Levaram ela para um hospital.

Adalberto: O quê? Como assim?

Ane: A gente estava indo passar o fim de semana em Búzios. Mas, aqui na altura de Itaboraí, uma moto com duas meninas e dois bebês foi ultrapassar um carro na contramão e bateu no meu. Detalhe: as meninas são menores de idade, estavam sem capacete e a moto é roubada.

Adalberto: Alguém morreu?

Ane: Não. Só sofreram pequenos arranhões. 

Adalberto: Foi uma batida leve, então? 

Ane: Foi. Aqui está meio engarrafado, o carro não estava em alta velocidade, tanto que só arranhou um pouquinho na lateral. As meninas e os bebês estão bem. Só eu e a Marjorie mesmo que nos ferramos nessa. Ela desmaiou de nervosismo e bateu forte com a cabeça no chão. E eu estou indo presa.

Adalberto: Meu Deus! Mas a menina que pilotava a moto estava toda errada e você é quem vai presa?

Ane: Elas são mulheres de bandido e, quando a polícia estava a caminho para fazer o registro de ocorrência, a comunidade inteira sumiu com a moto e as crianças. 

Adalberto: E aí?

Ane: Aí, que eu fui obrigada a dizer que atropelei as meninas e estou indo presa.

Adalberto: E você está falando isso na frente dos policiais?

Ane: Não. Eles estão terminando de preencher o registro de ocorrência e eu vim aqui para frente falar com você. Vem para a delegacia de Itaboraí agora e traz a Lu. O bandido, que é marido de uma das meninas que bateu, no meu carro é Jordson, que traiu ela com a Fabriciana, lembra?

Adalberto: Claro. Esse cara não vale nada.

Ane: Só a Lu pode me tirar dessa. Vem para cá com ela, primo, por favor. Tenho que ir. Presa. Beijo.

Isso não me fez, exatamente, perder a fome. Mas deixei o meu prato intacto para tirar uma prima de uma encrenca.

A Lu estava saindo do salão onde trabalha, quando eu cheguei para buscá-la.

Lu: Que coisa mais chique! Meu chofer veio me buscar.

Coitada. Mal sabia o que a esperava.

Lu: A que devo a honra dessa surpresa?

Adalberto: A problemas com um bandido chamado Jordson, lembra?

Lu: Aquele cretino! O que aconteceu?

Adalberto: Entra no carro, que eu te conto no caminho.

Enquanto isso a Marjorie acordava no hospital,sem saber onde estava. E ninguém soube explicar como ela havia chegado ali. Aos poucos, ela foi recordando o acidente, perguntou para as pessoas pela Ane, mas ninguém sabia responder. Saiu do hospital sem rumo.

A delegacia estava cheia. O Jordson tinha ido acompanhar a mulher. A Ane já estava sozinha e com medo. Já havia passado duas horas, que o acidente tinha acontecido e nada de chamarem eles para prestar depoimento. 

Enquanto isso, eu chegava em Itaboraí causando. Tentei ultrapassar um sinal vermelho, quando uma pessoa atravessa a rua.

Lu: Não faz isso! Está maluco! Aquela doida, ali, vai atravessar a rua. 

Dei um freio, que chamou a atenção de toda a cidade.

Adalberto: Foi mal. É a pressa. 

Lu: A gente não pode atropelar ninguém nesse lugar. Sem atropelar, eles já dizem que a gente atropelou...

Adalberto: Ué, a doida que eu ia atropelar é a Marjorie. Jojô!

Marjorie: ai, não acredito! O que vocês estão fazendo aqui?

Adalberto: Entra no carro. A gente está com pressa.

Chegamos à delegacia na hora que a Ane foi chamada para prestar depoimento. A Lu parecia que tinha saído de um filme.

Lu: Senhores, eu tenho confissão a fazer.

E ninguém olhou para ela. Afinal, aquilo não era um filme. Era a realidade dura de uma delegacia de Itaboraí.

Lu: Jordson, seu canalha, você vai contar a verdade no seu depoimento.

Jordson: Cala a boca!

Lu: Não calo, não. A tua mulher faz a cagada e a minha prima que assume? Nã, na, ni, nã, nã! Você me traiu com a Fabriciana e eu já não te perdoava por isso. Agora, quer sacanear a vida da minha prima? De jeito nenhum, seu calhorda!

Jordson: Fica quieta para você não se dar mal também.

Lu: Eu me dar mal? Quer que eu conte para a Polícia, que você é o Totonho Valeta? Braço direito de bandido, quer? Aí, você já fica logo por aqui também. De vez.

Jordson: Sai daqui, senão, eu te mato.

Lu: Então, mata! Mata, se tu é homem!

Nunca desafiem um bandido. O cara sacou uma arma da cintura e deu um tiro na direção da Lu. Mas a arma não estava carregada. Para a nossa sorte.

Mas a histeria foi grande. Um corre-corre, quando o Jordson tirou a arma da cintura... Todos os esforços se voltaram para pegar esse bandido, que correu como um louco, quando viu que a arma não estava carregada. Uma confusão só.

Eu fui com as minhas primas para fora.

Adalberto: Vamos embora desse lugar. Você tem condições de dirigir?

Ane: Garoto, eu tenho que prestar depoimento. A minha identidade está lá com eles. 

Adalberto: Naquela confusão, eu consegui pegar os seus documentos.

Ane: E o documento do carro?

Adalberto: Está aqui também.

Ane: Mas, no registro de ocorrência, tem as minhas informações. Eles vão ter como me achar.

Adalberto: Eu também peguei o registro de ocorrência. Esse atropelamento não existiu. Vamos!

Lu: Arrasou!

Em terra de ninguém é assim. Qualquer brecha pode ser uma oportunidade.

Ane: Primo, eu te amo!

Adalberto: Ama nada. Nem me chamou para ir com você para Búzios. Aliás, você e dona Marjorie. Estão na minha lista negra. Mas vamos logo, antes que a gente seja preso por fuga. Estou morrendo de fome. Larguei meu PF intacto para vir salvar vocês.

Ane: Para onde vamos?

Marjorie: Para a casa da Sara. Eu liguei para ela contando tudo. Disse que vai fazer um jantar para a gente.

Adalberto: Partiu, então.

O jantar estava ótimo. Comi até esquecer que estava com fome. E bebi até esquecer que o atropelamentou-que-não-existiu existiu.

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