sábado, 4 de fevereiro de 2012

Dia do Medo traz revelação ao mundo das Artes Cênicas

Ontem, eu não tive que trabalhar pela manhã. Só teria uma reunião na parte da tarde, em que eu jamais compareci.

Quando a Sara me ligou, às sete da manhã, ainda achava tudo normal. Dentro do possível, claro.

Sara: Que voz é essa?

Adalberto: Você me acordou.

Sara: Não foi trabalhar, não, vagabundo?

Adalberto: Não.

Sara: Adal, estou com muito medo de uma coisa.

Adalberto: É? Do quê?

Sara: No domingo, é batizado da filha da minha vizinha, e o Oswaldo não vai poder ir. Será que, se eu for sozinha com as crianças, o pessoal daqui do prédio vai achar que o meu marido não me acompanha, que não gosta de mim?

Adalberto: Não.

Sara: Ah, mas eu acho que sim.

Adalberto: Ok.

Sara: E não vou, não.

Adalberto: Belezinha.

Sara: E você é um chato de galocha.

Adalberto: Valeuzão.

Sara: Vou desligar. Tchau, insuportável.

Adalberto: Tchau.

Tentei voltar a dormir, mas, a Lu me ligou a tempo de atrapalhar o meu projeto.

Lu: Amore, estou com muito medo de que o Marciolino dscubra que eu não sei fazer feijoada.

Estava começando a achar que aquele era o dia do medo. Faltava só uma terceira confirmação para a data ser estabelecida.

Adalberto: Lu, quem é Marciolino.

Lu: É o carinha que eu conheci na Lapa. Eu te contei, mas você tem perda de memória recente.

Eu até tenho perda de memória recente mesmo. Mas a rotatividade de homem que a Lu pega é tão grande e, ainda, às sete e pouca da manhã, não há santo que faça a minha memória funcionar.

Mas se eu tentasse me defender, a coisa ia ficar pior.

Adalberto: Lu, eu te apresento a Alcione, a auxiliar de Serviços Gerais de lá do trabalho. Ela cozinha como ninguém e, com certeza, vai poder te ensinar a fazer uma feijoada incrível.

Lu: Quando?

Adalberto: Quando eu acordar. Mas, para isso, eu preciso voltar a dormir. Deixa eu me apressar, então. Beijo.

E desliguei sem ouvir exatamente o que ela falou. Aliás, deliguei sem ouvir exatamente do que ela me xingou.

Cinco minutos depois, quando eu já estava entrando em sono profundo a Marjorie me ligou.

Marjorie: Primo, eu estou com muito medo de que as bolsas, que eu tenho que entregar para um cliente, não fiquem prontas.

Confirmado. Dia 3 de fevereiro é o Dia do Medo.

Adalberto: Jojô, vai para a fábrica e acompanha o trabalho do teu pessoal.

Marjorie: Mas eu estou em Búzios.

Adalberto: Ah, se você escolheu ficar de sacanagem com um cara que você mal deve conhecer, em vez de acompanhar um trabalho sério na sua fábrica, o problema é seu.

Marjorie: Como é que você sabe? A cachorra da Ane já te contou?

Adalberto: Contou.

Mentira. Eu não sabia de nada. Só estava de mau humor e isso me fez ter coragem para falar o que me veio à cabeça.

Marjorie: Vou ligar para ela agora e esculachar essa cachorra.

Adalberto: Isso, beijo.

Quinze minutos depois, a Ane me ligou. Eu estava sonhando, que estava numa festa com um monte de japonês.

Não seria nada mal ter acordado desse sonho, se não fosse para ouvir o que a Ane tinha para me dizer.

Ela xingou até a minha quinta geração. Me chamou te intrigueiro, alcoviteiro e falso. Quero dizer, dentre uns cem adjetivos ofensivos que ela me proferiu, esses são os únicos publicáveis.

Adalberto: Ane, você está me deixando com medo.

Acabei aderindo ao Dia do Medo também.

Adalberto: Você não é assim. O que é isso?

Ane: Eu quero matar você.

Adalberto: Para com isso! Eu não fiz intriga nenhuma para a Marjorie! E não vou ficar me defendendo pelo telefone. Se quiser conversar, vem aqui em casa.

Ane: Está bem. Estou indo agora.

Fiquei ainda com mais medo. Ela estava muito irada. Eu entenderia se ela tivesse ficado apenas chateada, mas ela parecia querer me matar de verdade.

Eu não ia ficar em casa e pagar para ver. Decidi fugir da louca. Ia fazer uma caminhada na praia, quando fui surpreendido por mais uma coisa, que me deixa borrado de medo. Tinha um sapo em frente da minha porta!

Como assim um sapo no oitavo andar de um prédio? E não havia uma explicação lógica para isso, a não ser pelo Dia do Medo, que eu tinha acabado de instaurar.

Não ia conseguir sair de casa. Mas também não queria encarar a ira da Ane. Ela tem a chave da minha casa, ia entrar e me matar. E, de repente, antes de acabar com a minha vida, ia me torturar com aquele sapo. Ela sabe que eu tenho pavor de sapo.

Queria gritar. Eu estava sentindo que eu ia desmaiar.

Ok, mentira minha. Eu não tinha como desmaiar, a naõ ser que eu tivesse um contato físico com o sapo. Mas isso jamais iria acontecer. JAMAIS!

E realmente o contato físico não aconteceu, mas o medo de encarar a Ane e de sair de casa com aquele sapo na minha porta, me fez ter criatividade.

Liguei para os Bombeiros, disse que estava sentindo a minha alma se desprendendo do meu corpo, como uma carga dramática digna de Fernanda Montenegro e, em menos de trinta minutos, uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) estava na porta da minha casa.

Saí de casa numa maca, fui até o Hospital Municipal Lourenço Jorge, com a ambulância a mil por hora, como nos filmes de ação, com aquela sirene histérica ligada e só fui atendido duas horas depois, que cheguei no hospital.

Dessa vez, eu adorei a ineficiência do serviço público. Perdi a reunião que tinha à tarde, mas ganhei um atestado médico de cinco dias, depois do show de interpretação, que dei na sala de emergência.

Cada dia mais, eu me convenço de que sou um ator nato.

Quando cheguei em casa, não havia nem Ane nem sapo a me esperar.

E, assim, coloquei o Dia do Medo no bolso.

Eu sou ou não sou um sucesso?

Nenhum comentário:

Postar um comentário