O batismo dos trigêmeos da Sara parece até novela. Na primeira tentativa, o padre faltou. Na segunda, os padrinhos. Agora, não tem como dar errado. Ane, Lu e Marjorie vieram jantar aqui em casa ontem e aproveitaram para dormir. A igreja é pertinho. Menos de dez minutos de carro. Fomos todos juntos para não ter problema de falta de padrinho.
Dessa vez, tirando os padrinhos, só a minha mãe foi. Meu pai, minha irmã e meu cunhado já haviam perdido toda a paciência para esse batismo nas duas tentativas anteriores.
O comentário na porta da igreja era sobre vestido. E eu garanto que era melhor ouvir isso do que ser surdo.
Ane: Eu não gosto daquele babado na manga.
Marjorie: Mas é muito cafona mesmo.
Lu: Eu ia vir de vestido curto e vocês não deixaram. Olha o daquela garota. Além de curto, é justíssimo. Não sei como ela está conseguindo respirar.
Neide: O vestido dela não é para esse tipo de ocasião. Será que ela vai batizar alguma criança? Eu não deixaria ela batizar filho meu com essa roupa. Um péssima influência.
Adalberto: Como assim péssima influência, mãe? Os bebês que estão aqui só sabem chorar. Não entendem nada.
Lu: Choram de tristeza, porque têm uma madrinha mais cafona que a outra.
Neide: Eles podem não entender agora, mas quando tiverem uma certa idade, eles vão ver as fotos do batismo.
Marjorie: Photoshop hoje em dia resolve tudo, tia. Se algum dia uma periguete batizar um filho meu, ela pode ir com a roupa que quiser. Mas no álbum de recordações, quem decide a roupa que ela vai vestir sou eu. E viva a tecnologia!
Lu e Ane: Viva!
Neide: Meninas, silêncio! A gente está na porta de uma igreja. Vocês parecem que estão numa feira livre.
Ane: Também, com o vestido estampado daquela sem noção que está chegando ali, igual a uma fruteira, parece mesmo que a gente está numa feira, tia.
Minha mãe que é péssima para disfarçar, quando olhou o vestido da tal mulher, não segurou o riso. Marjorie e Lu tentaram esconder que estavam rindo, mas a mulher percebeu.
Isso acionou a fúria da mulher do vestido estampado.
Mulher do vestido estampado: Qual é o problema de vocês, hein? Tem alguma palhaça aqui?
Neide: Não, moça, desculpa.
Lu: Palhaça, não. Mas uma feira livre em forma de gente, sim. Me vê uma penca de banana, por favor.
Mulher do vestido estampado: Eu vou dar na tua cara, sua folgada.
Ane: Para bater nela, vai ter que bater em mim também, sua colorida!
Marjorie: E se bater nelas, eu chamo a polícia. Eu não vou encostar os meus dedos em você. Nem nessa cortina cafona, que você está usando como vestido.
Mulher do vestido estampado: Então, espera aí, que eu vou chamar as madrinhas dos meus quíntuplos para pegar vocês três, suas vagabundas.
Ane: Caraca, a gente está ferrada. O mulher, além de cafona, é uma vaca parideira. Foi chamar um time de futebol para bater na gente.
Adalberto: Um time de futebol, não, porque faltariam jogadores. Mesmo se fosse futebol society.
Lu: Garoto, cala a boca e vamos embora daqui.
Adalberto: Eu, não. Vim aqui para batizar os meus três afilhadinhos e não saio daqui sem fazer isso.
Marjorie: Então, fica aí sozinho para enfrentar aquelas cinco baleias que estão vindo na nossa direção.
Peguei a minha mãe pelo braço e corri para o estacionamento.
Neide: Meu filho, a gente não pode ir embora assim.
Adalberto: Quer pagar para ver a fúria da mulher do vestido estampado?
Lu: Tia Neide, cala a boca e vamos embora. Corre!
Entramos no carro e deixamos para trás a terceira tentativa de batizar os trigêmeos e as madrinhas dos quíntuplos enfurecidas.
E, para variar, paramos num bar para tomar um chopinho. Bem longe daquela igreja, claro.
Ane: Sabe o que eu acho? Esse batismo não é para ser. Eu não quero mais ser madrinha da Lina. É a Lina a minha afilhada? Ih, caraca, nem sei mais se eu sou madrinha da Lina ou da Liana. Lu, você é madrinha de quem?
Lu: Não sei. É de uma dessas duas. Na hora, você pega uma, eu pego a outra e tudo se resolve.
Marjorie: O meu é fácil, porque é o Gero.
Adalberto: E o meu é mais fácil ainda, porque eu sou padrinho dos três. Desculpa aí.
Ane: Metido!
Neide: Gente, vamos ligar para a Sara? Ela deve estar na porta da igreja maluquinha, esperando vocês.
Marjorie: Vamos. Mas a gente fala o quê, tia?
Neide: Ué, que não tem como a gente ir. Vamos falar a verdade. As madrinhas dos quíntuplos não querem bater na gente? vamos contar isso para ela, então.
Adalberto: Então, liga aí, mãe, já que você deu a ideia.
Neide: Você é esperto, hein, garoto.
Adalberto: Esperto, não. Eu não ri de ninguém. Vim para cá em solidariedade a vocês. Se eu não tirasse vocês de lá, a essa hora, em vez do batismo dos trigêmeos, eu ia estar no enterro de vocês quatro.
Ane: Liga, tia!
Lu: É, tia, anda logo!
Neide: Vocês são folgadas, hein. Vou ligar mas é pela Sara. Eu não tenho culpa de ter rido do vestido daquela mulher. A Ane foi quem me mostrou a cafona. Ela que devia estar ligando para a ...
Sara: Alô.
Neide: Alô. Oi, Sara, tudo bem?
Sara: Tudo, tia.
Neide: Minha filhinha, a gente queria te explicar uma coisa. Mas a gente não queria que você ficasse chateada com a gente. A gente não teve culpa. Quer dizer, mais ou menos. Você já está aí na igreja?
Sara: Não.
Neide: Não?
Adalberto: Não?
Marjorie: Não?
Ane: Não?
Lu: Não?
Neide: Onde você está?
Sara: Em casa, tia, dormindo. Hoje é sábado, não é dia de missa. Missa é amanhã, domingo.
Neide: Ah, tá. É verdade. Olha, eu estou maluquinha. Sara, meu amor, desculpa, fiz confusão.
Sara: Aconteceu alguma coisa?
Neide: Não, está tudo bem.
Sara: Então, está bem, tia. Vou voltar a dormir. Estou muito cansada. As crianças choraram a noite toda e só agora que eu consegui pegar no sono.
Neide: Vai, sim, minha filha. Volta a dormir, sim. Depois a gente se fala com calma. Um beijo.
Marjorie: E aí, tia? Conta!
Neide: Gente, a Sara esqueceu do batismo.
Ane: E a senhora mandou muito bem em não ter lembrado a ela. Vou pedir mais uma rodada de chope só por causa disso. Isso precisa ser celebrado.
Neide: Isso o quê?
Ane: O lado atriz da senhora.
Adalberto: Ou você quer dizer mentirosa.
Lu: Atriz, mentirosa, qualquer coisa. O importante é que ela soube conduzir bem a situação.
Marjorie: E ela não mentiu. Ela só omitiu.
Ane: É. E se a Sara esqueceu o batismo dos próprios filhos, o problema é dela. Não nosso.
Lu: Nem da tia Neide.
Marjorie: Concordo.
Neide: Gente, vocês, por favor, não contem nada para ela. Vamos deixar assim. Todo mundo esqueceu, está bem?
Ane: Perfeito, tia. Agora, a Sara vai se crucificar, quando realizar que esqueceu do batismo dos próprios filhos.
Marjorie: Nada. De mais a mais, ela tem esse direito. Nós mesmos já esquecemos. Agora, foi a vez dela.
Adalberto: Olha, o chope chegou. Vamos brindar?
Ane: Um brinde ao talento artístico da tia Neide.
Lu: Um brinde ao esquecimento da Sara.
Neide: Um brinde aos trigêmeos, que não têm nada a ver com isso, e deviam estar agora sendo batizados, coitadinhos.
Marjorie: Um brinde à mulher do vestido cafona. Se não fosse por ela e por pessoas como ela, não haveria a distinção entre brega e chique.
Adalberto: Um brinde a mim, que livrei vocês da fúria das madrinhas dos quíntuplos.
E, no fim do dia, após muitas outras rodadas de chope e brindes como esses, nós fomos embora.
sábado, 28 de julho de 2012
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário