sábado, 22 de setembro de 2012

Consolo para amiga da Sara vale por um tênis caro

Ontem, quando ia buscar meu carro no estacionamento da Cobal do Humaitá, vi minha prima Sara com uma amiga, que estava aos prantos, numa pizzaria. Fui até elas.

Adalberto: Está tudo bem?

Sara: Oi, primo. Essa aqui é a Danusa. Ela está mal, porque perdeu o companheiro dela.

Acho cafona chamar marido/namorado de companheiro, mas isso nem chegou a me incomodar, tamanho era o sofrimento da pobre da Danusa.

Adalberto: Olha, a gente nunca sabe o que falar nessas horas. O que eu te desejo é muita paz para seguir em frente o teu caminho, agora, sem a presença física dele. Mas pode ter certeza que ele vai estar sempre ao seu lado, em espírito.

Danusa: Obrigada. Ele é o amor da minha vida.

Adalberto: Que bom que você encontrou o amor da sua vida. Muita gente passa a vida toda atrás de um e não encontra. E você ainda o tem. Ele não está aqui, mas continua sendo seu.

Sara: Eu falei isso para ela.

Danusa: Sabe aquele parceirão? Ele acordava comigo todos os dias, me acompanhava até o ponto do ônibus e, quando eu voltava do trabalho, ele estava lá me esperando.

Adalberto: Que bacana.
Danusa: Ele ficava em casa o dia todo, mas não fazia bagunça.

O cara devia ser um gigolô, pelo visto, mas aquele não era o momento de fazer juízo de valor.

Sara: Nem agora, no finalzinho da vida, ele deu trabalho, né?

Danusa: Nada, nada.

Adalberto: Ele morreu de quê?

Danusa: Falência múltipla dos órgãos. Mas era por causa da idade mesmo. Ele durou até mais do que deveria.

Caramba, então, o cara não trabalhava, porque já devia ser aposentado. E eu achando que o cara era gigolô. Ô, mente podre a minha.

Adalberto: Olha, então, eu vou te falar uma coisa. Você tem mais é que agradecer a Deus, que deixou ele ficar aqui no mundo mais tempo com você. A gente nunca está preparado para a morte, claro, mas se você mesma está dizendo que ele durou mais do que deveria, você é uma pessoa de sorte.

Sara: O Adal está certo, amiga.

Danusa: Eu sei. Mas é muito difícil.
Adalberto: Eu imagino que seja. Aliás, eu tenho certeza que é. Mas o negócio é transformar essa tristeza em saudade e conformação. E, com o tempo, tudo isso se dilui e só vai ficar o amor. Mas, agora, o que você tem que fazer mesmo é chorar. Chora para deixar ir embora todo esse aperto que você sente dentro.
E a coitada da Danusa soluçava de tanto chorar.

Sara: Adal, você pode levar a gente em casa? O Oswaldo ainda está no trabalho. Vai demorar para chegar aqui. Acho melhor ela ir para casa descansar um pouco. Já estamos há muito tempo na rua.

Adalberto: Claro que levo.

Danusa: Eu tenho que pagar a conta.
Adalberto: De jeito nenhum. Deixa comigo.

Se eu soubesse que a conta daria o valor do tênis, que eu não tive coragem de comprar porque achei caro, eu jamais faria essa gentileza para a viúva chorona. Minha compaixão se transformou em ódio mortal.

Danusa: Obrigada, Adalberto.

Não falei nada, porque, se eu abrisse a boca, ia mandá-la à merda. Que viúva é essa que sente tanta fome, assim, gente? Eu, hein...

Sara: Adal, para aqui no sinal. Minha casa é aqui.

Adalberto: Eu sei. Você não vai deixar Danusa comigo? Eu te deixo aqui depois.

Sara: Não, primo. Os trigêmeos ainda não devem ter dormido e a babá já deve estar morta. Vou ficar aqui mesmo.

Adalberto: Beleza.

Deixei o viúva na porta de casa. Apesar do ódio, fui educado com ela.
Adalberto: Vai lá, querida. Força.

Sara: O pior é chegar aqui é não ouvi-lo latindo.

Como assim latindo?!

Adalberto: A gente estava falando de um cachorro?

Danusa: Sim. Você não sabia? O Tchuco era um cocker spaniel.

Para que eu fui perguntar isso?! Eu sei que muita gente trata bicho como gente e chora copiosamente quando o seu animalzinho de estimação morre. Mas, para mim, bicho é bicho. Eu fiquei triste quando a Charlotte, a minha basset alemão, morreu, mas no mesmo dia, eu fui com uns amigos a uma rave. Minha mãe achou que eu deveria ter ficado em casa, mas eu já tinha comprado a entrada há meses. Fora que eu adorava o DJ que ia tocar. E todos os meus amigos iam...

Olha, eu fiquei vermelho de raiva da Danusa. Se eu tivesse uma arma, mandaria ele para junto do Tchuco. Que ódio de mim por ter pagado aquela conta caríssima da pizzaria no fim do mês, quando eu já estou completamente duro, por pena de uma mulher, que eu achei que tivesse ficado viúva.

Ela entrou em casa, e eu queria ter dito milhões de desaforos para ela. Eu queria ter pedido o meu dinheiro de volta. Eu queria voltar no tempo. Eu queria bater na Sara. Eu queria me matar. Mas, sobretudo, eu queria ter comprado aquele tênis que eu achei caro e não levei.

Voltei para casa chorando de raiva. E morrendo de fome. Abri a geladeira e só tinha pizza. Isso me embrulhou o estômago de raiva. Fui dormir porque era o melhor que eu podia fazer...

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