sexta-feira, 16 de novembro de 2012

É tudo culpa do hipopótamo

Ontem, foi o Dia da Proclamação da República, mas, na quarta-feira, eu decidi antecipar o feriado e faltei ao trabalho. O meu celular antigo tinha morrido e eu resolvi comprar um desses que faz tudo. Logo no fim da manhã, eu já estava em casa. A ideia era ficar o resto do dia desbravando os aplicativos do meu novo brinquedinho. Nele, eu posso baixar até o passo-a-passo da coreografia do novo clipe de Beyoncé.

É claro que eu não baixei esse aplicativo. É só um exemplo de como o meu novo celular é eclético. Ah, também tem um aplicativo que ensina a dar nó na gravata. Mas isso eu também não quero aprender a fazer. A minha mãe é mestre em dar nós em gravatas e, enquanto ela existir, vai continuar sendo a minha profissional do nó na gravata.

A brincadeira estava divertida, eu estava baixando um aplicativo que me mostrava como as formigas vermelhas se reproduziam, quando a Marjorie me ligou.

Adalberto: Zoológico? É isso mesmo que eu ouvi? Você está a fim de fazer programa de índio hoje? O que deu em você, Jojô?

Marjorie: A Isabela, aquela minha cliente, me chamou.

Adalberto: E por que você não disse que não? Inventava alguma desculpa...

Marjorie: Adal, eu já inventei diversas desculpas para ela. Ela vive me chamando para os programas de índio, que ela acha incrível, e eu nunca vou. Não tenho mais cara de dizer não. E outra: ela vai fechar comigo a próxima coleção da loja dela, são mais de 15 modelos de bolsa. Vou ganhar uma grana boa.

Adalberto: Entendi. Você está querendo me levar para essa furada junto?

Marjorie: Ai, primo, me salva. Eu não tenho muito assunto com ela. E você é o mestre de tirar assunto da cartola, com as pessoas mais improváveis. Quebra essa para mim?

E eu quebrei. Quando dei por mim, estava esperando o grande momento de ver um hipopótamo saindo de dentro da água.

Adalberto: Tem certeza que tem hipopótamo aí dentro, gente? Por mim, a gente vai embora. Já vi o elefante, o jacaré, a girafa e o rinoceronte... Para mim, já valeu o programa.

Isabela: Os hipopótamos só saem da água ao entardecer.

Adalberto: Pô, a pessoa que não tem tempo de ficar num zoológico o dia inteiro, devia receber um desconto por não conseguir ver o hipopótamo. Ou alguém de bom senso poderia tirar um hipopótamo de dentro dessa água podre, para a gente poder ver que tem mesmo um hipopótamo aí dentro. Eu já não estou acreditando.

Isabela: Fica tranquilo que você já vai ver.

Tranquilo era tudo o que eu não podia ficar naquele momento. Eu já estava num zoológico há quatro horas. Não aguentava mais.

Isabela: Eles passam a maior parte do dia da água para manter a temperatura do corpo baixa e não deixar a pele ressecar.

Adalberto: Hidratante neles!

Marjorie: Adal!

Adalberto: Ué, Jojô, você não vende bolsas? Imagina se as suas clientes tivessem que esperar você atendê-las só no fim do dia, porque você não acorda cedo. O que ia acontecer? Você ia perder muitas delas para outras designers de bolsa.

Marjorie: Adal, mas eu não sou um hipopótamo. Se fizesse isso, eu ia ser muito burra.

Adalberto: Os gestores desse zoológico também não são hipopótamos. Se eles fossem inteligente, passariam hidratante na pele dos hipopótamos e, assim, evitaria que eles ficassem o maior parte do dia dentro da água. Olha só o tanto de criancinhas esperando o hipopótamo sair da água. Isso não é humano.

Isabela: O que não é humano é passar hidratante na pele de um hipopótamo, Adalberto.

Eu ia dizer para ela que o que não é humano é convidar alguém para fazer um passeio no Zoológico, mas não quis colocar as bolsas, que ela encomendou da Marjorie, em cheque.

Marjorie: Ele sabe disso. Esse garoto é um palhaço, Isabela. Não viu que ele está brincando?

E logo recebi um beliscão na barriga para parar de dar sugestão sobre como ser um bom gestor de zoológico.

Isabela: Ai, eu sou tão lerda para essas coisas, que pensei que ele estava falando sério. Já estava pensando aqui comigo: "não acredito que o primo da minha designer favorita é um idiota". Já ia cancelar minha encomenda.

Marjorie: Sério?

E ela ficou rindo de uma maneira que me irritou profundamente.

Isabela: Claro que não, sua boba. Acha mesmo que eu ia deixar de comprar bolsa com você, só por causa do seu primo?

Marjorie: Sei lá, achei que você estava falando sério.

Isabela: Nada.

Marjorie: Então, você e o Adal são bem iguaizinhos. Ele adora falar uma coisa absurda sério, só de brincadeira. 

Eu não sabia que eu era assim...

Adalberto: Ah, eu sou assim mesmo. Sempre fui assim...

Isabela: Gente, olha ali o hipopótamo! Ai, meu celular está sem bateria. Me empresta o seu para eu bater foto, Adalberto.

E ela, toda abrutalhada, desastrada, deixou o meu telefone cair na água do hipopótamo. E adivinhem? O hipopótamo engoliu meu celular.

Olha como a vida adora pregar peças na gente: eu saio da minha casa para ir a um zoológico fazer um favor para a minha prima, sou obrigado a ficar horas esperando um hipopótamo sair de dentro da água e, quando isso, acontece eu perco o celular que eu tinha acabado de comprar.

Quando um carinha do zoológico veio perguntar o que tinha acontecido, eu não medi minhas palavras, não pensei na Marjorie. Eu estava com tanta raiva da Isabela, que falei o que veio à cabeça.

Adalberto: Ela jogou o meu celular de propósito para o hipopótamo comer. Ela disse que odeia hipopótamo e estava uma arara, porque o hipopótamo só sai da água no fim do dia e a gente queria esperar. Eu falei para ela que eles passam a maior parte do dia na água para evitar o ressecamento de pele e sabe o que ela me disse? Que vocês são uns incompetentes, que deveriam passar hidratante na pele dos hipopótamos para o público do zoológico não ter que ficar esperando um dia inteiro para ver o bichinho aparecer. E que as pessoas que não vissem, deveriam ter desconto. Isso tem coração? Não tem, não. 

Marjorie: Adal, como assim?

Adalberto: Olha, moço, leva essa mulher daqui. Prende ela.

A Isabela não conseguiu proferir uma palavra. Acho que, num primeiro momento, ela pensou que eu estava falando uma coisa absurda sério para, depois, desmentir. Só quando ela foi levada para uma salinha do zoológico e viu que eu não desmenti nada, que ela começou a se debater e fazer escândalo. Me xingou de tudo o que era nome e tentou manipular a Marjorie, dizendo que ia cancelar a encomenda. Mas já era tarde. Eu estava com ódio dela e nada ia me fazer desmentir aquele absurdo.

Fomos parar na Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente

Ontem, fiquei o dia inteiro fazendo restituição do caso. Foi assim o meu feriado. A Marjorie estava uma arara comigo, mas eu estava me divertindo com aquilo. Um monte de gente envolvida, perito, fotógrafos, o pessoal do zoológico, muito legal essa coisa de reconstituição do caso. Eu já tinha visto isso na televisão, mas não imaginava que era tão legal. A gente parece até celebridade. Fiquei numa vaidade só... 

Durante a reconstituição, a Marjorie ficou do lado Isabela. Mas não adiantou nada. Eu tinha como álibi o fato de a perua ser um ótima cliente dela e consegui convencê-los de que a Jojô só estava protegendo-a por causa disso.

E depois das milhões de vezes que simulamos as situações narradas por mim e pela Isabela, chegou-se à conclusão de que a ela, realmente, tinha jogado o meu celular para o hipopótamo de propósito.

A Isabela chorou copiosamente e eu dava gargalhadas. Eu estava muito feliz e orgulhoso pelo meu poder de persuasão, me sentindo um reizinho, um imperador... Até que vi minha prima chorando também. Passaram-se várias coisas na minha cabeça. Naquele momento, era eu que fazia uma reconstituição mental de tudo o que tinha acontecido. A minha consciência pesada era a perita. E o resultado foi o seguinte: eu fui um escroto com a minha prima. Ela, provavelmente, ia perder a cliente e nunca mais ia querer falar comigo. Eu precisava consertar isso a tempo.

E enquanto a Isabela era levada para ser presa, eu decidi contar a verdade.

Adalberto: Ei, gente. Era tudo mentira minha. Ela não jogou o meu celular de propósito para o hipopótamo comer. Eu inventei aquilo. E me aproveitei de que ela é cliente da minha prima para invalidar todo o depoimento da Marjorie. Vocês me desculpam?

Claro que ninguém me desculpou. No lugar da Isabela, eu fui preso por calúnia e difamação. E, assim, terminou o feriado do Dia da Proclamação da República do imperador Adalberto Neto: com o reinado na lama. Parecia até ironia do destino. Castigo por ter faltado ao trabalho no dia anterior, só pode!

Hoje, depois de passar uma noite de cão numa cela xexelenta, as minhas quatro primas decidiram pagar fiança e me tirar daquele lugar imundo.

Adalberto: Meus amores, achei que vocês tinham se esquecido de mim.

Marjorie: Deixei você dormindo lá um dia para aprender a nunca mais fazer isso. Toma isso aqui.

Era um embrulho que eu abri num átimo. Um celular novíssimo! E bem melhor do que o que eu tinha comprado! Caramba, há males que vem mesmo para o bem... 

Sara: Você é doido, primo.

Ane: Maluco! Isso, sim!

Lu: Você não vale nada, garoto!

Realmente. Mas elas continuam me amando. E é isso que importa.

Adalberto: E a Isabela?

Marjorie: Fechou com outra designer.

Adalberto: Desculpa, prima. Foi tudo culpa do hipopótamo.

Marjorie: Tudo bem. Ontem mesmo, fechei contrato com três estilistas bem mais conceituados que ela.

Adalberto: Que ótimo!

 Marjorie: É... Mas, desses, eu quero você bem distante.

Melhor assim...

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