domingo, 9 de junho de 2013

Quando os Ursinhos Carinhosos dão lugar a personagens japoneses de olhos esbugalhados

Ontem, levantei às seis horas da manhã para ir ao banheiro e me assustei com um vulto na minha sala.

Sara: Adal.

Adalberto: Que susto! Pensei que fosse um fantasma. O que você está fazendo aqui, Sara?

Sara: Sabia que faltam três meses para o aniversário dos seus afilhados?

Adalberto: Sabia.

Sara: Por isso que eu vim aqui. Você vai me ajudar a procurar decoração dos Ursinhos Carinhosos.

Adalberto: Isso ainda existe?

Sara: Infelizmente não.

Adalberto: E por que você vai fazer a festa dos trigêmeos de uma coisa que eles nem sabem o que é?

Sara: Para evitar que o pai faça as vontades deles e compre enfeite de boneco japonês olhudo. Acho ridículo.

Adalberto: Mas eles gostam?

Sara: Adoram! 

Adalberto: Então, deixa o Oswaldo fazer a vontade dos filhos, ué.

Sara: De jeito nenhum! Ele não pariu sozinho.

Adalberto: Nem você.

Sara: Mas eu tenho vantagem, porque eu carreguei durante nove meses na minha barriga. 

Adalberto: Que injustiça! Não fala isso. Fora que ele só está deixando prevalecer a vontade das crianças.

Sara: Adal, eu sempre quis ter uma festa dos Ursinhos Carinhosos. Eu adoro os Ursinhos Carinhosos.

Adalberto: Sara, você não pode querer se realizar nos seus filhos.

Sara: Posso, sim. Eu sou mãe. Os meus filhos têm que saber desde cedo que quem dita a ordem dentro de casa é mãe... e pai.

Adalberto: Nisso, eu concordo com você. Mas o tema da festa deles não tem nada a ver com isso.

Sara: Tem, sim. Adal, você vai ou não comigo?

Adalberto: Agora?

Sara: Claro. Você acha que vai ser fácil encontrar alguma loja, que venda decoração dos Ursinhos Carinhosos?

Adalberto: Não.

Sara: Por isso, a gente tem que sair agora. Anda!

E apesar de ser completamente contra essa ideia louca da Sara, eu a acompanhei. Fomos a umas vinte lojas no Centro da Cidade e, quando perguntávamos sobre enfeites dos Ursinhos Carinhosos, os vendedores comentavam:

Vendedor magrelo cabeçudo: A gente não trabalha com coisa antiga, não.

Vendedora gordinha e fofa: A gente só vende enfeite de personagem japonês. É o que está saindo mais hoje em dia.

Vendedora sem noção: Eu não tenho o que a senhora quer, mas posso dar o meu jeito, pegar uns ursos de pelúcia da minha filha, sobrinha, vizinha, botar em cima da mesa dos seus filhos e dizer que são os Ursinhos Carinhos. As crianças de hoje em dia nem sabem o que é isso mesmo.

Vendedora periguete: Amor, isso acabou. Ursinho carinhoso é o meu namorado: todo peludinho e um fofo. Mas eu não empresto.

Vendedora teen: O que é isso?

Sara: Você não sabe quem são os Ursinhos Carinhosos?

Vendedora teen: Eu não, tia?

Adorei o tia!

Sara: Quantos anos você tem, garota?

Vendedora teen: Dezoito, tia.

Sara: Você nunca ouviu falar dos Ursinhos Carinhosos?

Vendedora teen: Não. 

Sara: Quais são os desenhos da sua época? 

Vendedora teen: Ah, Pokemon, Digimon...

Adalberto: Viu, Sara. Na infância dela, foi quando começou a invasão japonesa de olho esbugalhado. Não tem jeito. Você vai ter que aceitar essa colonização infantil, vinda do Oriente. Não tem jeito.

Sara: Tem, sim! Eu não desisto.

E fomos a uma última loja. Um lugar que, de fora, parecia medonho. Era escuro, feio, nem parecia que trabalhava com decoração de festa infantil.

Logo na entrada, fomos recebidos por uma vendedora japonesa. Era óbvio que ali não ia ter nada de Ursinhos Carinhosos.

Sara: Desculpa perguntar, mas aqui a senhora trabalha com enfeite, sem ser de desenho japonês?

Vendedora japonesa: Nós só trabalhamos com enfeites para festas, sem ser de desenho japonês. Eu e o meu marido achamos uma falta de respeito esses desenhos com personagens japoneses, com olhos gigantescos. Uma ofensa ao nosso povo.

Sara: Eu concordo com você. É tão bonitinho o olhinho pequenininho de vocês.

A japa arregalou o pouco de olho que tinha.

Adalberto: Sara, menos. Vai direto ao ponto, por favor.

Sara: Então, a senhora tem enfeite dos Ursinhos Carinhosos.

Eu tinha certeza que não.

Vendedora japonesa: Claro que sim.

Caraca!

Sara: Ai, que bom! Viu, Adal. Eu quero tudo o que você tiver, por favor. Nem precisa me mostrar nada. Corre lá e pega tudo, antes que chegue alguém querendo comprar.

Adalberto: Ninguém vai querer comprar. Ninguém lembra dos Ursinhos Carinhosos.

Sara: Cala a boca, garoto! Moça, vai lá e pega tudo, por favor.

Vendedora japonesa: Ok. Espera só um momentinho que eu vou pegar no depósito.

Sara: Não tem pressa, não. Pode ir com calma. Eu posso esperar o dia todo.

Mas eu, não!

Vendedora japonesa: Com licença.

Sara: Toda, toda, toda, amore. 

E quando a vendedora japonesa saiu, tentei dissuadir minha prima dessa loucura.

Adalberto: Sara, você tem certeza que está fazendo a coisa certa?

Sara: Claro! Adal, eu acho que o papel da mãe é decidir o melhor para os seus filhos.

Adalberto: Beleza. Eu não falo mais nada.

A vendedora japonesa voltou com um rapaz, carregando vários enfeites dos Ursinhos Carinhosos.

Vendedora japonesa: Pronto, senhora. Isso era tudo o que tínhamos dos Ursinhos Carinhosos.

E nesse momento, uma mulher entrou aos prantos na loja.

Mulher aos prantos: Você falou Ursinhos Carinhosos? Eu passei o dia todo atrás disso. Eu quero!

Sara: De jeito nenhum. Sou eu que vou levar. 

Mulher aos prantos: Eu pago quanto for, por favor, deixa eu levar. A minha filha é louca pelos Ursinhos Carinhosos. Ela queria fazer a festinha dela dos Ursinhos Carinhosos, mas eu comprei a decoração toda desses personagens japoneses, que estão na moda. Ela detestou e, agora, anda me dizendo que gosta mais da madrasta do que de mim.

Adalberto: Ela tem quantos anos?

Mulher aos prantos: Três. 

Adalberto: E como ele conhece os Ursinhos Carinhosos?

Mulher aos prantos: Porque a madrasta tem todas as fitas e coloca no vídeo cassete para ela ver.

Adalberto: Poxa, que pena que a gente vai levar tudo. Passamos o dia todo atrás de enfeite dos Ursinhos Carinhosos.

Sara: Não, Adal. Eu não quero mais nada disso. Pode levar, moça.

Mulher aos prantos: Ah, obrigada, minha filha!

Sara: De nada. Vamos embora, Adal.

Fora da loja, ela entregou o motivo da desistência.

Sara: Eu não vou contrariar meus filhos, não. De jeito nenhum! Amanhã ou depois, o Oswaldo se separa de mim, e eu não vou querer ouvir os meus trigêmeos, dizendo que outra sirigaita é a mãe deles. É ruim, hein! Adal, vamos voltar na primeira loja e comprar a decoração completa daquele desenho japonês? Foi lá que eu mais gostei.

Essa é a Sara que eu conheço!

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