segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Festa de aniversário surpresa acaba na delegacia

Como já tinha combinado previamente com as minhas primas, no sábado, eu iria ajudá-las o organizar a minha festinha surpresa de aniversário. Isso mesmo, eu seria um dos organizadores de um evento pelo qual eu não poderia ter ciência. Mas, depois de tudo organizado, fui surpreendido por alguns fatos.

Adalberto: Alô.

Sara: Oi, primo, antes que você me chame de ingrata, já vou logo te dizendo, que não vou poder ir a sua festa surpresa. Esses ataques à Vila Cruzeiro deixaram a cidade um perigo só.

Calado eu estava. Calado, fiquei.

Sara: Adal. Adal, você estava dormindo?

Adalberto: Não, Sara, meu pai já me ligou às 7h e me acordou com o Parabéns do Carequinha.

Sara: Ai, que desagradável o tio Beto, hein...

Adalberto: Essa é maneira de ele me dar parabéns há 30 anos. Coisa que você não fez até agora, porque está mais preocupada com a violência no Rio.

Sara: Ai, Adal, desculpa. Eu ando tão nervosa com essa onda de violência, que até me esqueci de te dar parabéns. Que vergonha. Parabéns, meu primo, que Deus te ilumine e te traga muita felicidade nessa vida, tá?

Adalberto: Tá.

Sara: O Oswaldo tá mandando um abraço.

Adalberto: Outro.

Mais tarde, durante o meu momento faxina em casa, a Ane me ligou.

Ane: Primo, queimaram o meu carro.

Adalberto: Mentira.

Ane: Sério. Tô muito puta.

Adalberto: Quer uma ajuda?

Ane: Quero. Vem aqui em casa me buscar pra eu fazer registro na delegacia?

Adalberto: Só se você me der parabéns.

Ane: Parabéns, meu lindo, tudo de bom pra você, muita sorte, muita luz, muita paz, muito sucesso. Eu te amo muito, tá? Agora, vem aqui em casa me pegar voando.

Adalberto: Está bem. Em meia-hora, eu chego aí.

Levar a Ane à delegacia tinha sido uma ótima oportunidade pra eu adiar a limpeza do banheiro.

Sou capaz de comer qualquer coisa que cai no chão da rua, com o álibi de que "o que não mata engorda", sem a menor frescura. Mas não consigo ter paz de espírito se não limpar a mão com álcool, pelo menos, umas 500 vezes, depois de limpar a privada da minha própria casa.

Cheguei a casa de Ane uma hora depois do que havia dito.

Ane: Até que enfim, hein.

Adalberto: Passei por várias blitzes.

Ane: Primo, antes de mais nada, eu tenho que te contar uma coisa: parte do que eu te contei era mentira. Ninguém queimou o meu carro, sem a minha autorização. Estou dando o golpe do seguro. Fiquei com medo de te falar isso quando te liguei. Vai que quebram o meu sigilo telefônico...

Adalberto: Mentira. E eu tô fazendo parte dessa ação criminosa?

Ane: Vai. E não ri de mim, quando eu chorar na delegacia. Eu treinei, ontem, a tarde toda.

Eu ainda estava meio sem saber o que falar, quando recebi uma chamada da Marjorie.

Marjorie: Parabéns pra você // Nessa data querida // Muitas felicidades // Muitos anos de vida// Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeh!

Adalberto: Brigado, lindona.

Marjorie: Ó, já tô chegando, tá?

Adalberto: Tá. Eu só vou deixar a Ane aqui na delegacia e já vou pra casa.

Marjorie: O que aconteceu? Tá tudo bem?

Eu não podia falar do golpe do seguro ao telefone. Imagina se essa porra pegasse pro meu lado? Era só o que me faltava.

Adalberto: Nada. Depois, eu te falo.

Marjorie: Adal, eu conheço você. Se não fosse nada, você me falaria.

Adalberto: Mas não é nada. A gente vai, na verdade, ao hortifruti, que fica ao lado da delegacia.

Marjorie: Mentira. Pra qual DP vocês estão indo?

Eu não consigo mentir para a Marjorie, por mais que eu me esforce.

Adalberto: Na 10ª, aqui em Botafogo.

Marjorie: Tô indo praí agora.

Putz. Mas uma pra ser cúmplice. Pior foi que eu tive que entrar no teatro da Ane e fingir estar nervoso. A Marjorie nem podia sonhar com a armação. Senão, ela iria querer ter o prazer de algemar a própria prima.

Enquanto eu deixava a minha técnica da sementinha desabrochar, foi a vez da Lu me telefonar.

Lu: Primo, atearam fogo dentro de um ônibus aqui perto de casa.

Adalberto: E daí?

Lu: Daí que eu não vou poder ir pra tua festa surpresa. Tô com medo de sair de casa.

Não senti verdade na voz dela, mas, no fim do dia, ela me disse que um coletivo realmente foi, realmente, incendiado perto de sua casa. Mas o medo por ela não querer sair outro motivo. Aliás, tinha nome próprio, apesar de ela não saber. A Lu ia ser generosa com o trocador do ônibus, do qual ele nem sequer sabia como se chamava. Isso ela só me contou depois de muita cerveja.

Adalberto: Falando em festa surpresa, você jamais vai me dar parabéns?

Lu: Ah, seu puto. Eu aqui desesperada e você querendo parabéns...

Adalberto: Claro. A violência é uma coisa e eu sou outra. Se bem que, às vezes, a gente meio que se confunde. Tanto que vim parar na 10ª DP, aqui em Botafogo. Ane e Marjorie também estão aqui. Elas já prestaram depoimento e tudo.

Lu: Tô indo praí agora.

Quando já estávamos todos saindo da delegacia, chega ao local Sara, Oswaldo e, logo atrás deles, um casal, que era vizinho de porta deles.

A essa altura, eu já tinha tido o trabalho prévio de contar para a Lu o que tinha acontecido de fato. Levando-se em consideração que, o que tinha acontecido de fato era o fato que a Ane inventou. E não o fato de fato.


Sara: Gente, o que vocês estão fazendo aqui?

Adalberto: Sara, isso é o que menos importa agora. O nosso problema já foi resolvido. O que você veio fazer aqui?

Sara: O Oswaldo ligou pra polícia, pra reclamar da guitarra do filho desses dois. Foi a maior confusão. Olha ali, como ele tá com o olho roxo.

Adalberto: E por que eles vieram atrás de vocês?

Sara: Eles vieram fazer queixa, porque o Oswaldo quebrou a guitarra do garoto.

Marjorie: Gente, precisou chegar a esse ponto?

Ane: Absurdo. Ter que vir resolver um problema desse na delegacia, definitivamente, é um absurdo.

Tive o ímpeto de falar ao pé do ouvido da Ane, que dar o golpe do seguro, aproveitando a onda de violência no Rio também é um absurdo. Mas me contive. Aliás, uma ligação da minha mãe me conteve.

Adalberto: Alô.

Neide: Meu filho, cadê você? A gente já tá há horas te esperando. Eu já até contei pro pessoal, que você sabia da festa surpresa e até ajudou na organização. Tá todo mundo querendo te matar. E tua tia Léa tá querendo ir embora. A cidade tá muito perigosa.

Depois dessa bola fora da minha mãe, ficar no meio da rua, em pleno Rio de Janeiro, foi mais seguro do que ir para casa. Como ela bem disse, todo mundo estava querendo me matar.

Adalberto: Mãe, canta parabéns para mim in memorian. Está tudo bem comigo, mas eu acho que vou ficar aqui pela Zona Sul mesmo. É muito arriscado ficar circulando pelo Rio nesse momento de invasão de favela pela Polícia.

Foi melhor assim.

Resolvi que, depois de ter perdido a minha festa surpresa, a Ane estava mais do que perdoada pela sua mentira. Eu também tinha mentido para os meus amigos e queria muito o perdão deles.

Acabei comemorando os meus 30 anos num pé sujo na esquina da delegacia, ouvindo músicas de uma jukebox, que não era lá essas coisas, mas que fez a minha comemoração ser, no mínimo, uma das melhores da minha vida. Os bêbados, que lá estavam, fizeram o meu dia encerrar em grande estilo.

As minhas primas também se divertiram muito. Elas tiveram seus fetiches por homem de farda contemplados. A exceção da Sara, que ficou a noite toda monitorando os olhares do Oswaldo a cada rabo de saia que passava, as outras três foram felizes para sempre com os seus policiais.

E viva eu!

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