Comi tanto, ontem, na festinha de aniversário do meu pai, que hoje não consegui levantar da cama pra ir pro trabalho. Mas, como alegria de pobre dura pouco, fui forçado a sair da cama por outras circunstâncias:
Adalberto: Alô.
Sara: Adal, tô aqui na delegacia do Méier.
Adalberto: Ai, meu Deus...
Sara: Vem pra cá, que eu tô uma pilha de nervos.
Não é brincadeira, não. Eu conheço quase todas as delegacias do Rio, graças as minhas primas.
Cheguei lá e vi que a Sara estava realmente uma pilha de nervos:
Adalberto: O que aconteceu?
Sara: Aquele safado ali me chaou de gostosa no meio da rua, na frente de um monte de gente. Bati nele com a minha bolsa. A polícia foi ver o que era. Eu falei que ele me desacatou e tentou me assaltar.
Adalberto: Como assim?
Ela entendeu o que estava por trás do meu simples "como assim?".
Sara: Adal, é... Isso é falta de respeito, né?
Adalberto: Mas o cara não tentou te assaltar.
Sara: Mas, se eu não falasse isso, eles não iam trazer ele pra cá.
Adalberto: E você acha mesmo que ele te desacatou?
Sara: Acho.
Adalberto: E daquela vez que a gente passou em frente a uma obra e você reclamou, que nenhum operário te chamou de gostosa, Sarita? Tá com perda de memória recente, é?
Sara: Primo, é diferente. Aquele safado ali não é operário.
Adalberto: E daí? Quem trabalha de terno e gravata não pode chamar uma mulher de gostosa?
Sara: Não uma mulher grávida de três filhos.
Adalberto: Então escreve na sua testa que você tá grávida de três filhos, porque, com dois meses de gestação, não dá pra ver. Eu só acredito, porque você é minha prima. Não ia mentir com uma coisa tão séria.
Sara: Sério?
Adalberto: Claro, Sara. Você não engordou nada. Pelo menos, aparentemente.
Sara: E agora?
Adalberto: Eu vou retirar a queixa.
Sara: Não. Isso vai me desmoralizar.
Caguei solenemente pra moral de uma grávida de trigêmeos com dois meses de gestação.
Adalberto: Delegado, por favor, eu retira a queixa dela.
Delegado: Quem é você pra retirar a queixa dela?
Adalberto: Primo dela.
Sara: Moço, não retira nada, não. Quero ver aquele safado atrás das grades.
Adalberto: Retira, sim.
Sara: Não retira.
Adalberto: Retira.
Delegacia: Olha aqui, meu amigo, eu vou te dar uma resposta educada, mas a minha vontade era te falar outra coisa: você não tem autoridade pra isso.
Adalberto: Sara, se você não retirar essa queixa agora, eu vou ligar pro Oswaldo e contar tudo. Ele vai comer você viva, por ficar expondo os bebês ao risco.
Sara: Moço, retira a queixa.
Fomos direto prum hospital, ver se estava tudo ok com os trigêmeos. Aguentar nove meses na barriga da Sara é uma missão quase impossível pra esses bebês. Só Jesus na causa.
A médica que nos atendeu era uma senhorinha muito da simpática:
Médica: Não faz mais isso. Na gravidez, é preciso repouso.
Sara: Tá bom.
Adalberto: Doutora, a senhora pode repetir esse aviso pra ela mais duas vezes. É que, como são três filhos, uma advertência merece um negrito.
Médica: Claro. São três bebês disputando um espaço que, geralmente, um só ocupa. Se a gente parar pra pensar assim, isso é coisa de louco, né? Três bebês...
Adalberto: Coisa de louco é essa maluca sair agredindo as pessoas na rua. Se achando a Mulher Maravilha...
Sara: Adal!
Médica: Olha, o meu filho tá vindo me buscar. Ele é representante comercial de uma empresa de produtos de gestantes. Sempre tem uma coisinha ou outra na carro dele. Vou pedir pra ele uma lembrancinha pra te dar.
Sara: Ah, brigada.
Médica: Imagina. Mas você vai me prometer que vai se comportar até o fim desse sua gravidez.
Sara: Pometo.
Adalberto: Olha, eu gravei isso, hein. Tá aqui no meu celular.
Mentira. Meu celular mal faz ligação.
Médica: É ele ali.
Mas não era apenas um "ele ali". Era O ele ali. O cara que foi agredido pela Sara. Essa situação, que vai entrar pra minha lista de coinidências fantásticas, só me fez constatar pela enésima vez uma coisa: esse mundo é uma Roda da Skol.
Sara: Preciso ir ao banheiro. Não dá pra segurar.
Médica: Tá, minha filha, vai lá.
Adalberto: Olha, eu vou com ela. A senhora agradece o presente ao seu filho, mas deixa pruma outra hora. Ou então, entrega na recepção que a gente pega.
Médica: Mas, ele já tá chegando.
Adalberto: A dor de barriga tá muito forte. A comida não bateu bem. Eu sabia que ia dar... Merda. Desculpa. Dá licença.
Ficamos escondidos, pelo menos, uma meia-hora na lixeira do hospital.
Sara: Adal, se eu ficar aqui mais um segundo, vou botar os bofes pra fora. Esse cheiro tá em enjoando.
Adalberto: Acho que já dá pra gente ir embora.
Sara: Então, vamo, por favor.
Saímos do hospital, cheirando a estrume. Pro nosso desespero, ouvimos passos rápidos de uma pessoa atrás de nós. Caralho, só pode ser o filho da médica, querendo se vingar da Sara. Fudeu.
Recepcionista: Senhores, senhores.
Sara: Oi.
Adalberto: Que bom que é você.
Recepcionista: Por quê?
Adalberto: Nada. Pode falar.
Recepcionista: A doutora Diléia deixou esse embrulho aqui. Pediu pra entregar pra vocês.
Caramba, a médica fofa deixou mesmo o presente da Sara na recepção. Quero dar um abraço nela agora.
Sara: Brigada.
Adalberto: Quero virar melhor amigo de infância da doutora Diléia. Quero comer macarrão com galinha todo domingo na casa dela.
Sara: Você não come galinha.
Adalberto: É modo de falar.
Sara: Uma linda essa doutora, né?
Linda até a página dois. Quando chegamos na casa da Sara, ainda há pouco, abrimos o embrulho deixado pela doutora na recepção: eram tês mamadeiras. Pelo material, pareciam ser de qualidade.
Tinha um cartão anexado ao embrulho.
Sara: Caramba, ela ainda se deu ao trabalho de escrever um cartão. Que gracinha.
A gracinha estava com a seguinte inscrição: "Que os seus filhos nasçam com saúde e nunca sejam agredidos por malucas no meio da rua. Gostosa".
Medo.
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