quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Sara encarna Mulher Maravilha num dia de coincidência e medo

Comi tanto, ontem, na festinha de aniversário do meu pai, que hoje não consegui levantar da cama pra ir pro trabalho. Mas, como alegria de pobre dura pouco, fui forçado a sair da cama por outras circunstâncias:

Adalberto: Alô.

Sara: Adal, tô aqui na delegacia do Méier.

Adalberto: Ai, meu Deus...

Sara: Vem pra cá, que eu tô uma pilha de nervos.

Não é brincadeira, não. Eu conheço quase todas as delegacias do Rio, graças as minhas primas.

Cheguei lá e vi que a Sara estava realmente uma pilha de nervos:

Adalberto: O que aconteceu?

Sara: Aquele safado ali me chaou de gostosa no meio da rua, na frente de um monte de gente. Bati nele com a minha bolsa. A polícia foi ver o que era. Eu falei que ele me desacatou e tentou me assaltar.

Adalberto: Como assim?

Ela entendeu o que estava por trás do meu simples "como assim?".

Sara: Adal, é... Isso é falta de respeito, né?

Adalberto: Mas o cara não tentou te assaltar.

Sara: Mas, se eu não falasse isso, eles não iam trazer ele pra cá.

Adalberto: E você acha mesmo que ele te desacatou?

Sara: Acho.

Adalberto: E daquela vez que a gente passou em frente a uma obra e você reclamou, que nenhum operário te chamou de gostosa, Sarita? Tá com perda de memória recente, é?

Sara: Primo, é diferente. Aquele safado ali não é operário.

Adalberto: E daí? Quem trabalha de terno e gravata não pode chamar uma mulher de gostosa?

Sara: Não uma mulher grávida de três filhos.

Adalberto: Então escreve na sua testa que você tá grávida de três filhos, porque, com dois meses de gestação, não dá pra ver. Eu só acredito, porque você é minha prima. Não ia mentir com uma coisa tão séria.

Sara: Sério?

Adalberto: Claro, Sara. Você não engordou nada. Pelo menos, aparentemente.

Sara: E agora?

Adalberto: Eu vou retirar a queixa.

Sara: Não. Isso vai me desmoralizar.

Caguei solenemente pra moral de uma grávida de trigêmeos com dois meses de gestação.

Adalberto: Delegado, por favor, eu retira a queixa dela.

Delegado: Quem é você pra retirar a queixa dela?

Adalberto: Primo dela.

Sara: Moço, não retira nada, não. Quero ver aquele safado atrás das grades.

Adalberto: Retira, sim.

Sara: Não retira.

Adalberto: Retira.

Delegacia: Olha aqui, meu amigo, eu vou te dar uma resposta educada, mas a minha vontade era te falar outra coisa: você não tem autoridade pra isso.

Adalberto: Sara, se você não retirar essa queixa agora, eu vou ligar pro Oswaldo e contar tudo. Ele vai comer você viva, por ficar expondo os bebês ao risco.

Sara: Moço, retira a queixa.

Fomos direto prum hospital, ver se estava tudo ok com os trigêmeos. Aguentar nove meses na barriga da Sara é uma missão quase impossível pra esses bebês. Só Jesus na causa.

A médica que nos atendeu era uma senhorinha muito da simpática:

Médica: Não faz mais isso. Na gravidez, é preciso repouso.

Sara: Tá bom.

Adalberto: Doutora, a senhora pode repetir esse aviso pra ela mais duas vezes. É que, como são três filhos, uma advertência merece um negrito.

Médica: Claro. São três bebês disputando um espaço que, geralmente, um só ocupa. Se a gente parar pra pensar assim, isso é coisa de louco, né? Três bebês...

Adalberto: Coisa de louco é essa maluca sair agredindo as pessoas na rua. Se achando a Mulher Maravilha...

Sara: Adal!

Médica: Olha, o meu filho tá vindo me buscar. Ele é representante comercial de uma empresa de produtos de gestantes. Sempre tem uma coisinha ou outra na carro dele. Vou pedir pra ele uma lembrancinha pra te dar.

Sara: Ah, brigada.

Médica: Imagina. Mas você vai me prometer que vai se comportar até o fim desse sua gravidez.

Sara: Pometo.

Adalberto: Olha, eu gravei isso, hein. Tá aqui no meu celular.

Mentira. Meu celular mal faz ligação.

Médica: É ele ali.

Mas não era apenas um "ele ali". Era O ele ali. O cara que foi agredido pela Sara. Essa situação, que vai entrar pra minha lista de coinidências fantásticas, só me fez constatar pela enésima vez uma coisa: esse mundo é uma Roda da Skol.

Sara: Preciso ir ao banheiro. Não dá pra segurar.

Médica: Tá, minha filha, vai lá.

Adalberto: Olha, eu vou com ela. A senhora agradece o presente ao seu filho, mas deixa pruma outra hora. Ou então, entrega na recepção que a gente pega.

Médica: Mas, ele já tá chegando.

Adalberto: A dor de barriga tá muito forte. A comida não bateu bem. Eu sabia que ia dar... Merda. Desculpa. Dá licença.

Ficamos escondidos, pelo menos, uma meia-hora na lixeira do hospital.

Sara: Adal, se eu ficar aqui mais um segundo, vou botar os bofes pra fora. Esse cheiro tá em enjoando.

Adalberto: Acho que já dá pra gente ir embora.

Sara: Então, vamo, por favor.

Saímos do hospital, cheirando a estrume. Pro nosso desespero, ouvimos passos rápidos de uma pessoa atrás de nós. Caralho, só pode ser o filho da médica, querendo se vingar da Sara. Fudeu.

Recepcionista: Senhores, senhores.

Sara: Oi.

Adalberto: Que bom que é você.

Recepcionista: Por quê?

Adalberto: Nada. Pode falar.

Recepcionista: A doutora Diléia deixou esse embrulho aqui. Pediu pra entregar pra vocês.

Caramba, a médica fofa deixou mesmo o presente da Sara na recepção. Quero dar um abraço nela agora.

Sara: Brigada.

Adalberto: Quero virar melhor amigo de infância da doutora Diléia. Quero comer macarrão com galinha todo domingo na casa dela.

Sara: Você não come galinha.

Adalberto: É modo de falar.

Sara: Uma linda essa doutora, né?

Linda até a página dois. Quando chegamos na casa da Sara, ainda há pouco, abrimos o embrulho deixado pela doutora na recepção: eram tês mamadeiras. Pelo material, pareciam ser de qualidade.

Tinha um cartão anexado ao embrulho.

Sara: Caramba, ela ainda se deu ao trabalho de escrever um cartão. Que gracinha.

A gracinha estava com a seguinte inscrição: "Que os seus filhos nasçam com saúde e nunca sejam agredidos por malucas no meio da rua. Gostosa".

Medo.

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