Fomos eu e Lu levar o filho do namorado dela pra passear no Barra Shopping. A logística do passeio foi a seguinte: eu saí de casa, peguei a Lu em Del Castilho, fomos até São Conrado buscar o Jefinho e, de lá, partimos pro shopping. Ufa! O garoto, a gente foi percebendo ao longo do dia, é uma cópia insuportavelmente teen do pai. No carro, ele já soltou o primeiro comentário desagradável.
Jefinho: Você tem coragem de sair com essa saia?
Lu: Tenho. A loja que eu comprei teve a coragem de botar pra vender, e eu tive a coragem de comprar. Algum problema?
Jefinho: Muito curta.
Lu: Escuta aqui, garoto.
Jefinho: O que foi?
Eu precisava mudar o rumo dessa conversa, antes que a coisa desandasse, e falei a primeira besteira que me veio à cabeça.
Adalberto: Lu, você ficou sabendo do cara que ganhou na mega-sena?
Lu: Não. O que é que tem ele?
Adalberto: Quase foi morto pelo próprio filho, que queria ficar com o dinheiro todo.
Lu: A tia Neide é que tá certa, quando diz que filho é uma merda.
Putz, mandei mal. Mudei de assunto, antes que o a mala do Jefinho se manifestasse:
Adalberto: Pelo menos, ver "Alice" em 3D valeu a pena.
Lu: Hã?
Adalberto: "Alice", o filme.
Lu: Ah! Você estava falando de uma coisa e muda pra outra do nada e quer que eu entenda?
Claro que não. A intenção nem era essa, mas até que funcionou. A Lu é como eu. Tem perda de memória recente. A gente muda de assunto, e ela já nem lembra mais o que foi falado antes.
Adalberto: O filme não é lá grandes coisas, mas vale a pena ver.
Lu: Eu vou marcar de ver com o Wellington.
Adalberto: Eu ficava igual a um debiloide: tirava e botava o óculos 3D nas vezes que parecia que algum daqueles bonecos iam encostar em mim.
Lu: Ah, deve ser muito maneiro esse negócio de 3D, né, primo?
Adalberto: É muito legal.
Jefinho: É maneirão mesmo.
Ufa! Entramos num consenso. Vou render esse assunto:
Adalberto: Já viu algum filme em 3D?
Jefinho: Não. Detesto cinema. Mas gosto de jogar Counter Strike no videogame, que é em 3D.
Adalberto: Counter Strike não é aquele jogo, que se você mata um policial ganha não sei quantos pontos. Se você mata uma velhinha, que tá atravessando a rua, ganha mais não sei quantos pontos e assim por diante?
Jefinho: É esse mesmo. Bonzão.
Lu: Garoto! Você acha legal ganhar pontos porque matou um policial, uma velhinha?
Confusão à vista! Uma garota distribuindo panfleto no sinal foi a salvação:
Adalberto: Lu, abre aí a janela e pega esse panfleto pra eu dar uma olhada.
Lu: Como assim? Você odeia com todas as forças possíveis e imagináveis distribuição de panfletos em sinal de trânsito, Adal!
Adalberto: Odiava. Agora adoro. E coleciono.
Mentira.
Lu: Sério? Mudou de opinião de um dia pro outro?
Adalberto: A gente não tem vergonha de pensar. Vai ter vergonha de mudar de opinião? Anda, pega aí.
O nosso momento de lazer no shopping seguiu a mesma linha.
Lu: Vamos no parquinho?
Jefinho: Odeio parquinho.
Lu: Mas você tem nove anos. Tá na idade de brincar no parquinho!
Jefinho: Mas eu odeio parquinho.
Adalberto: Lá não é só parquinho. Também tem uns jogos de fliperama muito legais.
Jefinho: Bora lá, então.
Sabe aqueles jogos, que a nossa mãe jamais iria deixar a gente sentir o cheiro? Então, foram com esses que o Jefinho brincou. Brincou, não, porque atrocidade, na minha opinião, não é brincadeira. Detalhe: ele fez a pontuação máxima em todos.
Adalberto: Lu, vamos ali comprar um milk shake comigo, enquanto o Jefinho fica aqui jogando?
Lu: Vamos.
Adalberto: Quer alguma coisa, Jefinho.
Jefinho: Porra, tu me desconcentrou, caralho! Perdi uma vida.
Lu: Que boca suja é essa?
Adalberto: Você ainda tem tantas vidas, que aquelazinha nem vai fazer falta. Vai querer alguma coisa?
Jefinho: Traz uma ice pra mim?
Lu: Hã?
Jefinho: Uma ice. Ice. Quer que eu desenhe?
Lu: Garoto abusa...
Faltava só mais uma sílaba, mas foi o que eu consegui evitar puxando a Lu pelo braço:
Adalberto: Vamos!
Não rolou nem milk shake nem ice. Mas uma boa conversa rápida:
Lu: Você não vai comprar ice pra esse garoto, né?
Adalberto: Só se você se prometer que vai terminar com opai dele ainda hoje.
Lu: Por quê?
Adalberto: Por quê? Porque, se esse garoto é assim, eu não quero nem imaginar como é o pai.
Lu: O Wellington não tem nada a ver com esse monstro mirim.
Adalberto: Ele é mal educado, porque não teve educação em casa.
Lu: Eu tô te falando que o Wellington não é assim.
Adalberto: Não? Então, a quem esse garoto puxou?
Lu: A mãe dele, ao coleguinha maldito da escola, ao Jorge Espora...
Adalberto: Jorge Espora morreu antes desse garoto virar um monstro.
Lu: Uê.
Adalberto: Já morreu também.
Lu: Orlando Jogador.
Adalberto: Morreu.
Lu: Fernandinho Beira-Mar, sei lá...
Adalberto: Lu, entende uma coisa: a culpa é de quem cria.
Lu: Mas eu já te falei, que o Wellington não tem nada a ver com esse garoto.
Adalberto: Vamos lá. Acho que ele terminou de jogar.
Lu: Deve ter zerado. Ele zera tudo. Nunca vi conseguir matar todo mundo, sem perder nenhum ponto e ainda comer a prostituta no final.
Adalberto: É esse jogo que o pai dele deve estar fazendo com você.
Lu: Está me chamando de prostituta?
Adalberto: Não. Mas cuidado pra não acabar fazendo esse papel.
Jefinho: Porra, vocês demoraram pra caralho. Já ia embora pra casa.
Lu: Como?
Jefinho: De ônibus, ué.
Lu: Garoto, você tá aqui sob a minha responsabilidade, tá?
Jefinho: Me dá logo a minha ice.
Adalberto: Então... Não tinha. Por isso que a gente demorou.
Jefinho: Shopping de merda esse aqui.
Adalberto: É... Uma porcaria.
O celular do Jefinho tocou. A afobação do menino me levou a uma certeza: tratava-se de um momento quase sagrado.
Lu: E aí? Vai querer jogar mais algum joguinho?
Jefinho: Cala a boca! Alô.
Pela cara dele, não devia ser coisa boa...
Jefinho: Perderam? Então, dá uma surra no goleiro e uma no zagueiro por mim.
A cara seguinte que ele fez me deu muito medo.
Jefinho: Ele falou isso? Então, manda matar. Pode dizer que fui eu que falei. É pra matar.
Lu: Escuta, aqui, garoto, quem é que você tá mandando matar aí, hein? Não vai mandar matar ninguém. Você é bandido, é? Me dá aqui esse celular.
A surtada da Lu tomou o celular da mão do garoto e varou ele longe.
Jefinho: O meu pai é bandido. E eu vou mandar ele te matar!
Com isso, ela virou a bola da vez do Jefinho. Pelo menos, foi o que nós achamos. E não pagamos pra ver. Enquanto o garoto correu pra pegar o telefone, nós corremos na direção seguinte pro carro. Na verdade, eu tive que dar um empurrãozinho, porque a Lu não queria deixá-lo sozinho lá.
Adalberto: Ele tá com uma arma debaixo da roupa. Vamos!
Lu: Meu pai amado! Vambora!
Era mentira. Eu não vi arma nenhuma debaixo da roupa do Jefinho. E a Lu nunca mais viu o Wellington. Parou de atender às ligações dele e ficou morando na minha casa por dois longos meses. Dividir apartamento com a Lu não foi fácil. Dois meses me pareceram um ano. Mas ainda bem que "esse ano" acabou.
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