quinta-feira, 10 de junho de 2010

Representante mirim de facção criminosa dá trabalho em passeio no shopping

Fomos eu e Lu levar o filho do namorado dela pra passear no Barra Shopping. A logística do passeio foi a seguinte: eu saí de casa, peguei a Lu em Del Castilho, fomos até São Conrado buscar o Jefinho e, de lá, partimos pro shopping. Ufa! O garoto, a gente foi percebendo ao longo do dia, é uma cópia insuportavelmente teen do pai. No carro, ele já soltou o primeiro comentário desagradável.

Jefinho: Você tem coragem de sair com essa saia?

Lu: Tenho. A loja que eu comprei teve a coragem de botar pra vender, e eu tive a coragem de comprar. Algum problema?

Jefinho: Muito curta.

Lu: Escuta aqui, garoto.

Jefinho: O que foi?

Eu precisava mudar o rumo dessa conversa, antes que a coisa desandasse, e falei a primeira besteira que me veio à cabeça.

Adalberto: Lu, você ficou sabendo do cara que ganhou na mega-sena?

Lu: Não. O que é que tem ele?

Adalberto: Quase foi morto pelo próprio filho, que queria ficar com o dinheiro todo.

Lu: A tia Neide é que tá certa, quando diz que filho é uma merda.

Putz, mandei mal. Mudei de assunto, antes que o a mala do Jefinho se manifestasse:

Adalberto: Pelo menos, ver "Alice" em 3D valeu a pena.

Lu: Hã?

Adalberto: "Alice", o filme.

Lu: Ah! Você estava falando de uma coisa e muda pra outra do nada e quer que eu entenda?

Claro que não. A intenção nem era essa, mas até que funcionou. A Lu é como eu. Tem perda de memória recente. A gente muda de assunto, e ela já nem lembra mais o que foi falado antes.

Adalberto: O filme não é lá grandes coisas, mas vale a pena ver.

Lu: Eu vou marcar de ver com o Wellington.

Adalberto: Eu ficava igual a um debiloide: tirava e botava o óculos 3D nas vezes que parecia que algum daqueles bonecos iam encostar em mim.

Lu: Ah, deve ser muito maneiro esse negócio de 3D, né, primo?

Adalberto: É muito legal.

Jefinho: É maneirão mesmo.

Ufa! Entramos num consenso. Vou render esse assunto:

Adalberto: Já viu algum filme em 3D?

Jefinho: Não. Detesto cinema. Mas gosto de jogar Counter Strike no videogame, que é em 3D.

Adalberto: Counter Strike não é aquele jogo, que se você mata um policial ganha não sei quantos pontos. Se você mata uma velhinha, que tá atravessando a rua, ganha mais não sei quantos pontos e assim por diante?

Jefinho: É esse mesmo. Bonzão.

Lu: Garoto! Você acha legal ganhar pontos porque matou um policial, uma velhinha?

Confusão à vista! Uma garota distribuindo panfleto no sinal foi a salvação:

Adalberto: Lu, abre aí a janela e pega esse panfleto pra eu dar uma olhada.

Lu: Como assim? Você odeia com todas as forças possíveis e imagináveis distribuição de panfletos em sinal de trânsito, Adal!

Adalberto: Odiava. Agora adoro. E coleciono.

Mentira.

Lu: Sério? Mudou de opinião de um dia pro outro?

Adalberto: A gente não tem vergonha de pensar. Vai ter vergonha de mudar de opinião? Anda, pega aí.

O nosso momento de lazer no shopping seguiu a mesma linha.

Lu: Vamos no parquinho?

Jefinho: Odeio parquinho.

Lu: Mas você tem nove anos. Tá na idade de brincar no parquinho!

Jefinho: Mas eu odeio parquinho.

Adalberto: Lá não é só parquinho. Também tem uns jogos de fliperama muito legais.

Jefinho: Bora lá, então.

Sabe aqueles jogos, que a nossa mãe jamais iria deixar a gente sentir o cheiro? Então, foram com esses que o Jefinho brincou. Brincou, não, porque atrocidade, na minha opinião, não é brincadeira. Detalhe: ele fez a pontuação máxima em todos.

Adalberto: Lu, vamos ali comprar um milk shake comigo, enquanto o Jefinho fica aqui jogando?

Lu: Vamos.

Adalberto: Quer alguma coisa, Jefinho.

Jefinho: Porra, tu me desconcentrou, caralho! Perdi uma vida.

Lu: Que boca suja é essa?

Adalberto: Você ainda tem tantas vidas, que aquelazinha nem vai fazer falta. Vai querer alguma coisa?

Jefinho: Traz uma ice pra mim?

Lu: Hã?

Jefinho: Uma ice. Ice. Quer que eu desenhe?

Lu: Garoto abusa...

Faltava só mais uma sílaba, mas foi o que eu consegui evitar puxando a Lu pelo braço:

Adalberto: Vamos!

Não rolou nem milk shake nem ice. Mas uma boa conversa rápida:

Lu: Você não vai comprar ice pra esse garoto, né?

Adalberto: Só se você se prometer que vai terminar com opai dele ainda hoje.

Lu: Por quê?

Adalberto: Por quê? Porque, se esse garoto é assim, eu não quero nem imaginar como é o pai.

Lu: O Wellington não tem nada a ver com esse monstro mirim.

Adalberto: Ele é mal educado, porque não teve educação em casa.

Lu: Eu tô te falando que o Wellington não é assim.

Adalberto: Não? Então, a quem esse garoto puxou?

Lu: A mãe dele, ao coleguinha maldito da escola, ao Jorge Espora...

Adalberto: Jorge Espora morreu antes desse garoto virar um monstro.

Lu: .

Adalberto: Já morreu também.

Lu: Orlando Jogador.

Adalberto: Morreu.

Lu: Fernandinho Beira-Mar, sei lá...

Adalberto: Lu, entende uma coisa: a culpa é de quem cria.

Lu: Mas eu já te falei, que o Wellington não tem nada a ver com esse garoto.

Adalberto: Vamos lá. Acho que ele terminou de jogar.

Lu: Deve ter zerado. Ele zera tudo. Nunca vi conseguir matar todo mundo, sem perder nenhum ponto e ainda comer a prostituta no final.

Adalberto: É esse jogo que o pai dele deve estar fazendo com você.

Lu: Está me chamando de prostituta?

Adalberto: Não. Mas cuidado pra não acabar fazendo esse papel.

Jefinho: Porra, vocês demoraram pra caralho. Já ia embora pra casa.

Lu: Como?

Jefinho: De ônibus, ué.

Lu: Garoto, você tá aqui sob a minha responsabilidade, tá?

Jefinho: Me dá logo a minha ice.

Adalberto: Então... Não tinha. Por isso que a gente demorou.

Jefinho: Shopping de merda esse aqui.

Adalberto: É... Uma porcaria.

O celular do Jefinho tocou. A afobação do menino me levou a uma certeza: tratava-se de um momento quase sagrado.

Lu: E aí? Vai querer jogar mais algum joguinho?

Jefinho: Cala a boca! Alô.

Pela cara dele, não devia ser coisa boa...

Jefinho: Perderam? Então, dá uma surra no goleiro e uma no zagueiro por mim.

A cara seguinte que ele fez me deu muito medo.

Jefinho: Ele falou isso? Então, manda matar. Pode dizer que fui eu que falei. É pra matar.

Lu: Escuta, aqui, garoto, quem é que você tá mandando matar aí, hein? Não vai mandar matar ninguém. Você é bandido, é? Me dá aqui esse celular.

A surtada da Lu tomou o celular da mão do garoto e varou ele longe.

Jefinho: O meu pai é bandido. E eu vou mandar ele te matar!

Com isso, ela virou a bola da vez do Jefinho. Pelo menos, foi o que nós achamos. E não pagamos pra ver. Enquanto o garoto correu pra pegar o telefone, nós corremos na direção seguinte pro carro. Na verdade, eu tive que dar um empurrãozinho, porque a Lu não queria deixá-lo sozinho lá.

Adalberto: Ele tá com uma arma debaixo da roupa. Vamos!

Lu: Meu pai amado! Vambora!

Era mentira. Eu não vi arma nenhuma debaixo da roupa do Jefinho. E a Lu nunca mais viu o Wellington. Parou de atender às ligações dele e ficou morando na minha casa por dois longos meses. Dividir apartamento com a Lu não foi fácil. Dois meses me pareceram um ano. Mas ainda bem que "esse ano" acabou.

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