segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O passeio antropológico à Via Show

Fomos eu, Ane, Lu e Marjorie ao aniversário da Babi, uma amiga das meninas da época em que a gente passava as férias de verão em Cabo Frio. Há mil anos atrás. Ela teve a coragem de comemorar a data na Via Show, em São João de Meriti. Mas como eu e as minhas primas já estávamos a fim de fazer um passeio antropológico há tempos, isso veio a calhar.

Adalberto: De que você tá rindo?

Marjorie: Da roupa daquela menina. Deve ser um vestido de casamento velho, que não serve mais.

Ane: O legal é que ela passou creme no cabelo molhado e, agora, está pingando uma água xexelenta nas costas dela.

Lu: Parece água de poço.

Marjorie: Que nojo.

Ane: Gente, olha a Babi dançando!

Adalberto: Ela se joga, né?

Lu: Muito! Sempre foi porra louca essa aí.

Marjorie: Porra louca sou eu. Aquilo ali foi porra louca até os 10 anos.

Ane: Dos 10 aos 20, virou piranha.

Marjorie: E dos 20 até hoje, ela tá vivendo a fase de rampeira de beira de estrada.

Adalberto: Ou seja, ano que vem, ela começa uma nova fase na vida dela?

Lu: Se ela estiver viva até lá, sim.

Ane: Mas vai ser para uma fase que a nossa mente não consegue alcançar.

Marjorie: Que nada! O pansexualismo está aí, querida! Acho que ela parte para essa nova empreitada.

A Lu, que se entretia com um cara, com quem se esfregava ardentemente, resolveu se manifestar:

Lu: Gente, ela só está se divertindo.

Adalberto: E, pelo visto, você também.

Marjorie: Gente, eu estou vendo isso? A Lu tá ficando com esse afrodescendentezinho de cabelo loiro?

Adalberto: Pois é. Eu também só vi isso agora.

Ane: Será que a origem dele é duvidosa?

Marjorie: Não sei. Só sei que duvidosa rima com perigosa.

Adalberto: Olha o preconceito!

Marjorie: Rima não é preconceito, Adal. É um dos elementos da poesia.

A gente mal começou a rir, quando um cara puxou o cabelo da Ane:

Ane: Ai!

Marjorie: Seu louco! Larga o cabelo dela!

Eu tive que segurar a bolsa da Marjorie, que já ia sendo arremessada na cabeça do rapaz.

Adalberto: Tá drogada? Quer morrer?

Passado o susto inicial, Ane já estava em plena harmonia com o suposto agressor.

Marjorie: Essa aí não tem vergonha na cara, né?

Adalberto: Deixa ela. Ninguém que ela conhece, tirando a gente, está vendo isso. Vamos dançar essa música do MC Marcinho, que é a melhor coisa que a gente faz.

E quando, finalmente, a Marjorie conseguiu transcender e se acabar no funk, o Celsinho Carmona, um de seus clientes mais importantes, tropeçou nela. Isso mesmo! Justo na hora que ela tinha acabado de rever todos os seus conceitos e foi com tudo até o chão. Detalhe: eu também estava nesse barco.

Marjorie: Celsinho!

Foi a única coisa que ela conseguiu proferir.

Celsinho: O que você está fazendo aqui no chão, menina?

Na minha opinião, a pergunta deveria ser: "O que você está fazendo aqui na Via Show, sua louca?"

Marjorie: Minha bolsa caiu.

Celsinho: Tudo bem?

Ela não se preocupava em outra coisa, a não ser se explicar.

Marjorie: Eu vim aqui pro aniversário de uma amiga, mas já estou louca pra ir embora.

Celsinho: Ah, legal.

Marjorie: É uma amiga de Cabo Frio.

Celsinho: Legal.

Era o máximo que ele conseguia responder. E continuava acrescentando novas informações sobre o nosso passeio antropológico.

Marjorie: A gente conheceu ela, quando íamos passar as férias de verão em família na Região dos Lagos. O pai dele tinha casa lá. Esse que é o meu primo Adalberto, que eu tanto falo.

Celsinho: Ah, legal! Tudo bem, Adalberto?

Adalberto: Tudo bem?

Celsinho: Vocês vieram sozinhos?

Adalberto: Nós?

Eu olhei pra trás, e vi que a Lu e a Ane continuavam atracadas aos seus respectivos e, antes de pensar em qualquer resposta...

Marjorie: Viemos sozinhos! Eu e o Adal só! Mais ninguém!

Celsinho: Legal! Eu vim fazer uma pesquisa de estilo para um filme, ambientado na favela.

Marjorie: Você já estava aqui há muito tempo?

Celsinho: Nossa, eu abri isso aqui praticamente.

O desespero bateu e Marjorie não conseguiu esconder a preocupação. Será que o Celsinho viu a gente descendo até o chão?

Marjorie: Jura que você chegou cedo aqui?

Celsinho: Para você ter uma noção, o bilhete da minha cerveja foi o de número 1.

A Marjorie deu uma risada muito da sem graça e tratou de mudar logo o rumo da prosa.

Marjorie: Vocês topam sair? Para mim, isso aqui já deu.

Celsinho: Vamos, sim. Eu só ia me despedir dos filhos da minha empregada doméstica, mas eles estão ali num beijo tão caloroso com umas meninas danadinhas, que eu não vou atrapalhar. Olha ali que baixaria, gente!

Eram os meninos mal encarados que estavam ficando com a Lu e a Ane!

Marjorie: E mesmo que você tentasse atrapalhar, eu não ia deixar. Deixa os meninos amarem, Celsinho! Vamos.

A Marjorie puxou o Celsinho pelo braço, como se ele fosse seu amigo há 300 anos. Eu segui eles dois até um determinado ponto e, sorrateiramente, fingi que me perdi. Sabia que a Marjorie ia entender que eu não podia deixar as minhas primas naquele lugar sozinhas com aqueles rapazes medonhos. Ela, com certeza, se encarregou de dar uma boa desculpa pro Celsinho, por eu ter sumido.

No mais, continuei me divertindo com tudo o que estava vendo por lá e, no meio da multidão, eu parecia apenas mais um.

4 comentários:

  1. Adoreiii este post! um dos melhores!! saudades sempre! beijão
    p.s: já tinha feito comentário, mas não apareceu...

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  2. ir à Via Show é uma experiência que todo mundo deve ter no currículo, né?
    brigado, amore.

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  3. Gente...não sei o que vc vai fazer nessas obras!!! hahahaha Vc nasceu pra ser comediante. Sério isso.
    Muuuuuuuuuito boa essa. Adorei.
    Beijos
    Lu

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